domingo, 16 de março de 2014

ETHEL FENWICK


Luís Graça: Textos sobre saúde e trabalho / Papers on health and work
página / page 141

 

141. Graça, L. (2002) - Ethel Fenwick: o combate pela profissionalização da enfermagem na Grã-Bretanha e no resto do mundo [ Ethel Bedford Fenwick: The struggle for the State Registration for Nurses in Britain and Worlwide] (a)
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1. Ethel Fenwick (1857-1947)
Ethel Gordon Manson, de seu nome de solteira, nasceu na Escócia em 1857. Alguns anos depois, a sua mãe, que enviuvara a seguir ao nascimento da filha, casou com George Storer, um influente deputado pelo círculo de Nottinghamshire.
À semelhança de Florence Nightingale, 37 anos mais velha, Ethel teve acesso a uma educação de acordo com a sua condição social, embora menos esmerada. Bela e inteligente, decidiu dedicar-se, ainda muito jovem, ao serviço dos mais pobres, abraçando a enfermagem e seguindo assim as peugadas de Florence (Callander-Grant, 2001).
Em 1878, com apenas 21 anos, tentou sem sucesso inscrever-se num curso de formação em enfermagem geral. Acabou por frequentar, pagando do seu bolso, um estágio no hospital pediátrico de Nottingham (Nottingham Children's Hospital). Causou muito boa impressão junto da 'patroa' ( "matron") do serviço, não só pela sua elegante maneira de vestir como pelas suas maneiras de menina bem educada.
Completado o estágio de seis meses, e ainda na sua qualidade de estagiária ("paying probationer"), inscreveu-se na Manchester Royal Infirmary para completar a sua formação durante mais um ano. Nessa época, ela teria pago mais de seis libras pelo privilégio de aprender enfermagem. Passado um ano, ela vem para Londres, trabalhando como 'irmã' ("sister") no London Hospital, em Whitechapel.
Em 1881, candidatou-se ao lugar de "matron" do St. Bartholomew's Hospital. Apesar da sua juventude (tinha então 24 anos), foi-lhe oferecido o lugar. A sua experiência como administradora dos serviços de enfermagem deste hospital foi marcante na sua vida e carreira. Abandona a profissão, aos 30 anos, para se casar com o Dr. Bedford Fenwick, médico do mesmo hospital e que mais tarde desempenhará um importante papel de apoio ao seu trabalho como líder da enfermagem.
Lutou durante grande parte da sua vida pelo reconhecimento do estatuto profissional da enfermagem, pela certificação da enfermagem e pela acreditação do seu ensino. Defendia que a enfermagem era uma profissão e não uma vocação, estando neste como noutros pontos em clara oposição a Florence Nightingale. Fundou a British Nursing Association e o British Nursing Journal que pôs ao serviço da sua luta pela Registered Nurse (RN). Apoiou abertamente o movimento das mulheres sufragistas.
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Criou o International Council of Nurses. Foi a primeira "registered nurse" em todo o mundo, ao inscrever o seu nome no General Nursing Council, criado na sequência da promulgação de The Nurses' Registration Act 1919. Duas semanas depois de morrer, o congresso de 1947 do ICN prestou-lhe uma sentida e justa homenagem: "In grateful recognition of a unique and life-long contribution to the advancement of the Nursing Profession throughout the world" ( British Journal of Nursing, April 1947, p. 3, cit. por Callander-Grant, 2001)
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2. A luta pelo reconhecimento legal da profissão e a inscrição obrigatória das enfermeiras
A partir daqui ela vai tornar-se, de facto, uma líder da enfermagem dentro e fora do Reino Unido:
  • Depois do seu casamento e do nascimento do seu filho, Bedford Fenwick deu início àquilo a que ela chamou a segunda fase da sua carreira, tendo por objectivo principal "to see the State establish and maintain a register of nurses", ou seja, conseguir a inscrição obrigatória, por lei, das enfermeiras;
  • Uma duas grandes preocupações era que o título de "Nurse" fosse protegido por lei no interesse da profissão e do público;
  • "Mrs Bedford Fenwick saw nursing as a profession which should be filled by nurses of the highest standards of personal and professionals morals, highly skilled and well trained;
  • "Mrs Bedford Fenwick was a early advocate of post-basic nurse training and when she founded the British College of Nurses in 1926, she devised a Diploma in Nursing for trained nurses to advance their skills and knowledge - therefore emphasizing the professional aspect of nursing" (Callander-Grant, 2001. Itálicos meus).
Em 1904, começa a falar-se na necessidade e nas vantagens de passar a haver um segundo nível de enfermagem, com menos tempo de formação, com menos responsabilidades e menos qualificações que a State registered nurse.
Na sequência da guerra e da falta de pessoal médico e de enfermagem, o Nurses' Act of 1943 veio formalmente reconhecer "this second grade of trained nurse: they were given the name and status State Enrolled Assistant Nurse" (Callander-Grant, 2001. Itálicos meus. Fenwick irá opôr-se à criação desta figura e lutar pela unificação e da profissão e pelo seu controlo por parte dos próprios profissionais.
Quanto à State Registration of nurses (abreviadamente, SRN) Fenwick vai travar uma longa e difícil batalha: tinha contra ela o Parlamento e bem como as "matrons" que dominavam os hospitais ingleses e as apoiantes de Florence Nightingale (conhecidas depreciativamente como as nightingales).
"Miss Nightingale held to the idea that nursing was not a profession, but a vocation. Although she supported thorough nurse training - indeed, she founded the first training school for nurses at St. Thomas' Hospital London in 1860 - a model which was adapted by nursing schools worldwide - she did not feel that compulsory registration was necessary" (Callander-Grant, 2001. Itálicos meus).
Mais concretamente, Nightingale achava que o essencial das qualidades de uma enfermeira não podia ser objecto de ensino, avaliação e regulamentação...
Fenwick irá mobilizar todos os meios (amigos e conhecidos, organizações, personalidades públicas...) para influenciar o Parlamento a votar favoravelmente a State Registration.
  • Uma das primeiras organizações que ela fundou seria a British Nurses' Association (1887), uma cisão da Hospitals Association;
  • Em 1893 obtém o patrocínio da princesa Cristian, pelo que a associação passou a chamar-se, desde então, Royal British Nurses' Association (RBNA) (ainda hoje existe embora sem qualquer representatividade no seio da profissão);
  • O essencial do trabalho da RBNA consistiu em " to open a Register of trained nurses who met Mrs Bedford Fenwick's exacting standards";
  • "A distinctive badge and certificate were presented to successful nurses" (nos primeiros tempos, a cerimónia solene de entrega dos diplomas e crachás feita pela própria princesa Cristain, na sua qualidaded e presidnete da RBNA);
  • Não obstante ter sido concedida à RBNA a sua "Royal Charter" (pela Rainha Vitóira, em 1893), a expressão "Register of nurses" foi subtilmente mudada, na petição ao Parlamento, por "List of nurses"; essa mudança semântica foi devida à influência de Florence Nightingale e dos partidários da sua linha (Callander-Grant, 2001. Itálicos meus).
Em 1887 Bedford Fenwick começou a colaborar no Nursing Record, publicação que ela acabaria por adquirir. Passou então a chamar-se o British Journal of Nursing (BJN):
  • "The BJN became an important platform in her quest for state registration for many years", vitória essa que sós eria alcançada em 1919;
  • A partir de então, " she continued to voice her ideas for the development of the profession in her long, and sometimes vicious, editorials".
Bedford Fenwick defendia claramente que a formação das enfermeiras devia obedecer aos seguintes três requisitos:
  • Um curso de formação de três anos;
  • Um plano curricular único a nível nacional;
  • Um exame final.
Defendia ainda, em oposição a Florence Nightingale, a ideia de um organismo ("general council") que regulamentasse a profissão a nível nacional.

Depois de longos anos de luta em favor da SRN (a inscrição obrigatória das enfermeiras e o reconhecimento legal da profissão), com a oposição da facção Nigthinbgale bem como de médicos proeminentes da época e de alguns parlamentares, Bedford Fenwick viu de facto os seus esforços serem coroados de êxito em 1919:
  • "The Nurses' Registration Act 1919 stated that a statutory body should be established to open and maintain a register of suitably trained and qualified nurses" (o que foi também uma grande vitória feminista, depois de anterior chumbo da proposta de lei de 1908);
  • "The body were also to be responsible for the organization of nurse training and examination to a national standard;
  • "The Act further gave legal protection to the title 'Nurse' ".
A inscrição obrigatória dos médicos ingleses remontava a 1858... Setenta anos depois, as enfermeiras britânicas tiravam partido também da valorização do seu contributo para esforço de guerra (1914-1918) bem como da luta das feministas da 1ª geração.
Em 1916 tinha sido criado o College of Nursing (actual Royal College of Nursing, a maior associação de enfermagem do mundo com mais de 330 mil membros).
O Nurses' Registration Act of 1919 criou o General Nursing Council for England and Wales (bem como outro para a Escócia e outro para a Irlanda). Estes corpos separados sobreviverem até 1979, altura em que forma integrados no UKCC (United Kingdom Central Council for Nursing, Midwifery and Health Visiting ), sob tutela do Parlamento que veio dar origem,e m 2002, a um "new regulatory body", o Nursing and Midwifery Council).
Acrescente-se ainda o seguinte a respeito do papel de Ethel Bedford Fenwick:
Inspirando-se no International Council of Women, Bedford Fenwick decidiu formar o futuro International Council of Nurses, aliando-se a profissionais de enfermagem de vários países. A primeira reunião da comissão organizadora foi em 1899.
  • "The ICN grew in strength and stature, providing a forum for nurses from all over the world to have their voices clearly heard;
  • "The work of the ICN continues to this day as a lasting legacy of Mrs Bedford Fenwick's vision for the future of the profession she held dear".
O ICN (de que a Associação Portuguesa de Enfermeiros é membro) celebrou em 1999 o seu 1º centenário. Do discurso da presidente do ICN, Kisten Stallknecht, em 1999, destaca-se o seguinte (vd. versão inglesa em em http://www.icn.ch/openingspeech.htm ; também disponível em francês e espanhol).
" (...) One hundred years ago, a group of daring women were drawn together around a mere idea - a dream - that nursing could become a force for social progress. Not only in their own societies, but around the world. It would be a unique force of trained professionals, from every society on earth, dedicated to the most fundamental of all human rights: the right to health and well being.
"This bold ambition was born at a time when even the thought of a minimum wage, of universal health insurance, and the right to health were considered fantasies. The group of women who voted in July 1899 to establish ICN, did not yet have the right to vote for their own governments. They were in fact part of a calling whose practitioners were treated as unskilled labour, the domestics of health care (...).
"At the beginning, the objectives of ICN were crystal clear. They were captured in what the first President and founder, Ethel Gordon Fenwick, called “The International Idea”. That idea was to have “trained nurses" from a legislated system of nursing education, working under conditions that supported professional standards of care. The founders saw ICN becoming a world-wide ‘society’ that would include members of every language, race and creed. While there would be a common bond, every national association could apply common principles in a manner best suited to their own circumstances (...)
'I venture to contend' , said Mrs. Fenwick, 'that the work of nursing is one of humanity all the world over. The principles of organisation would be the same in every country, the need for nursing progress is the same for every people'. With those words ICN was launched (...).
"What we have accomplished this 100 years has been based on what Ethel Fenwick’s image of 'a common consecration to the service of humanity' (...).
"When we look back at the aspirations and the commitment of our founders and other leaders of a century ago, we can take pride in their vision - and in the steady progress that has brought us to today. If we listen carefully we can hear the voice of those bold and daring women who chose Ethel Fenwick as their first president.
"And we can hear other leaders like Florence Nightingale say once again: ' For us who Nurse, our Nursing is a thing which, unless we are making progress every year, every month, every week, we are going back. No system shall endure which does not march' " (...).
Se hoje fosse viva, Ethel Bedford Fenwick reconher-se-ia na definição do conceito de enfermagem do ICN:
"Nursing encompasses autonomous and collaborative care of individuals of all ages, families, groups and communities, sick or well and in all settings. Nursing includes the promotion of health, prevention of illness, and the care of ill, disabled and dying people. Advocacy, promotion of a safe environment, research, participation in shaping health policy and in patient and health systems management, and education are also key nursing roles".
Referências bibliográficas
Callander-Grant, Stephen (2001) - Mrs Bedford Fenwick, A Short Biography. Site on Internurse.com, London, U.K. (http://www.internurse.com/history/ethellife.htm ) (23.02.2002)

 

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