O Dr. Knock começou a exercer medicina numa aldeia montanhosa chamada Saint-Maurice.
Os habitantes eram saudáveis e não iam ao médico.
O antigo medico da aldeia, o empobrecido Dr, Parpalaid, tentou consolar o seus sucessor dizendo-lhe: «Aqui terá a melhor clientela que existe: deixá-lo-ão em paz».
Mas Knock não estava disposto a conformar-se com isso.
Porém, como podia um principiante atrair ao consultório aquela gente cheia de vida e saúde?
Que poderia receitar a pessoas saudáveis?
Knock convenceu astutamente o professor da povoação e conseguiu que este arengasse aos aldeões acerca dos supostos perigos que os seres vivos mais diminutos lhes faziam correr (os chamados micróbios).
Contratou o pregoeiro da aldeia e mandou-o anunciar que o Médico convidava todos para uma consulta gratuita, para «eliminar a inquietante propagação de doenças de todo o tipo que desde há alguns anos alastravam pela nossa região, outrora sadia».
A sala de espera ficou a abarrotar de gente.
Nas suas visitas, Knock diagnosticou sintomas estranhos e inculcou nos ingénuos aldeões a necessidade de um cuidado permanente. A partir de então, muitos deles ficaram de cama e a única coisa que tomavam, quando muito, era água.
A aldeia parecia um hospital: pessoas saudáveis, só restavam as estritamente necessárias para cuidar dos doentes.
O farmacêutico tornou-se um homem rico, tal como o dono da estalagem, cuja sala era utilizada com pleno rendimento como hospital de campanha, aberto vinte e quatro horas por dia.
Todas as noites, o Dr. Knock contemplava entusiasmado um mar de luzes: 250 quartos de doentes bem iluminados - segundo prescrição médica -, 250 termómetros embutidos nas cavidadas corporais correspondentes, até darem as dez. «Quase toda a luz me pertence», entusiasmava-se Knock.
«Os que estão doentes, dormem na escuridão; não são importantes» (citação de Payer - os traficantes de doeças - Nova Yorque, 1992 e de Romains, J.: Knock ou o triunfo da Medicina, Estugarda 1989).
A peça em 3 actos "Knock ou o triunfo da medicina" teve uma estreia espectacular em 1923. Durante os 4 anos seguintes, a obra do escritor francês Jules Romains foi representada 1300 vezes, foi depois levada ao cinema em diversas ocasiões, e hoje em dia continua a ser representada nas escolas.
Não há quem aguente o teatro do Dr. Knock: a sua concepção da medicina, digna de uma encenação, está plenamente vigente na vida real.
É necessário explicar esta história precisamente agora, pois ela trata do modo como as pessoas saudáveis são transformadas em doentes.
Hoje, em dia, não temos nenhum médico persuasivo de aldeia que faça brilhar a luz nas casas dos doentes, mas surgiu uma força muito mais poderosa para fazer esquecer a saúde às pessoas: a medicina moderna.
Nos primórdios deste novo século, as associações de médicos e as empresas farmacêuticas, frequentemente apoiadas por grupos de doentes, preconizam uma ciência médica, que já não reconhece pessoa alguma como saudável.
Para poder manter o enorme crescimento dos anos anteriores, a indústria da saúde cada vez tem de tratar mais pessoas que, na realidade, estão saudáveis.
Os grupos farmacêuticos que operam globalmente e as associações de médicos ligadas internacionalmente definem de novo a nossa saúde: os altos e baixos naturais da vida e os comportamentos normais são tergiversados de forma sistemática e transformados em estados patológicos.
As empresas farmacêuticas patrocinam a invenção de quadros clínicos completos, e conseguem, assim, novos mercados para os seus produtos.
Na actualidade, as empresas Jenpharm e Dr.Kade/Besins de Berlim tentam dar a conhecer uma doença que, ao que parece, afecta milhões de homens na flor da vida: o «Aging Male Syndrome», a menopausa masculina.
Estas empresas contrataram institutos de estudos de mercado, empresas de r5elações públicas, agências de publicidade e catedráticos de medicina para dar a conhecer ao público a andropausa.
Em diversas conferências de imprensa foi lamentada a «lenta perda» da produção de hormonas masculinas. O motivo da campanha são dois preparados de hormonas que chegaram ao mercado alemão em Abril de 2003 (ver página 157 de "inventores de doenças" de Jörg Blech).
O reportório do inventor de doenças inclui uma ampliação do âmbito de aplicação original de um medicamento. Por exemplo, nos EUA foi autorizada a pílula estimulante Provigil para uma doença chamada narcolepsia, associada a repentinos ataques de sono.
Para alargar o circulo de consumidores, o fabricante Cephalon tenta encontrar quadros clínicos adequados. A empresa patrocinou um estudo segundo o qual este comprimido estimulante ajuda as crianças inquietas.
Esta empresa, inclusivamente, investigou o estado de saúde dos trabalhadores por turnos e, de repente, pretende ter descoberto uma nova doença: a «perturbação do sono por turno da noite» (Der Spigel, nº 47/02).
«É fácil inventar novas doenças e novos tratamentos», constata o British Medical Journal.
«Muitos processos normais da vida - o nascimento, o envelhecimento, a sexualidade, a infelicidade e a morte - podem ser medicados» (Moynihan, R. e Smith, R.:«Too much midicine?» in British Medical Journal, 324, pp. 859-860, 2002).
O aumento de diagnósticos nos países industrializados assumiu proporções grotescas. Os médicos dizem ter encontrado cerca de 30.000 epidemias, síndromes, perturbações e doenças do Homo Sapiens.
Mas para cada doença há um comprimido, pelo menos. E cada vez, com maior frequência, para cada novo comprimido há também uma nova doença.
Em inglês, o fenómeno já tem nome: «disease mongering» - tráfico de doenças.
Os inventores de doenças obtêm o seu dinheiro graças às pessoas saudáveis a quem convencem de que estão doentes. Por acaso não sofre também de vez em quando de cansaço, mau humor ou de fastio?
Tem dificuldades em concentrar-se?
É tímido?
Nos meios de comunicação certamente terá descoberto com alguma inquietação uma ampla gama de doenças, perfeitamente aplicáveis ao seu caso: seja hipertensão arterial, fobia social, jet lag, dependência da Internet, nível de colesterol alto, depressão disfarçada, excesso de peso, menopausa, fibromialgia, síndrome do cólon irritável ou disfunção eréctil.
As associações médicas especializadas, as associações de pacientes e as empresas farmacêuticas, através de intermináveis campanhas mediáticas, chamam a atenção para perturbações supostamente graves mas que raras vezes seguem um tratamento.
O «síndrome de Sissi» apareceu pela primeira vez em 1998, num anúncio de uma página da empresa Smith-Kline Beecham (agora GlaxoSmithKline). Segundo a empresa, os doentes afectados são depressivos e, perante o facto, devem ser tratados com psicotrópicos. Não obstante, o abatimento permanecia encoberto por um comportamento especialmente activo e positivo perante a vida.
O síndrome recebeu o nome da imperatriz Elizabeth (Sissi), pois ela encarnava na perfeição este tipo de paciente que sofria da referida perturbação.
Desde então, o termo conquistou os meios de comunicação e é difundido por alguns psiquiatras.
Na Alemanha existem três milhões de pessoas que padecem do «síndrome de Sissi» .
Os Médicos da Clínica Universitária de Münster desmascararam esta enfermeidade, em Maio de 2003 como uma invenção da indústria. A análise bibliográfica especializada revelou que o quadro clínico carece de base científica. A presença mediática do síndrome de Sissi, sobretudo através de um promovido livro de divulgação sobre o assunto conduz-nos precisamente até à Wedopress, uma empresa de relações públicas de Oberusel, que foi contratada pela GlaxoSmithKline.
a própria Wedopress se vangloria de, para a «introdução de uma "nova" depressão», nos meios, ter empregado «toda a sua "artilharia" com o síndrome de Sissi». (Burgmer, M:"Das «"Sissi" - Syndrome - eine neue Depression?» ( O síndrome de «Sissi», uma nova depressão?) in Der Nervenarzt 74,p. 444,2003; wwww.wedopress.de; visitada a 22-05-2003.)
Comecei por esclarecer quem era o Dr. Knock e a sua semelhança, com a nossa realidade, na área da Saúde, a nível internacional e, também, nacional, em muitos aspectos.
É aqui, que o papel dos Enfermeiros se torna verdadeiramente importante e útil e, absolutamente necessário, à melhoria da qualidade de vida das pessoas, ajudando-as a libertarem-se dos medos e depressões, que situações como as que "inventores de doenças" relatam, sirvam de luz, que ilumine a realidade e ajude a interpretar o que é saúde e doença; uma espécie de segunda opinião despida de pressupostos e compromissos comerciais.
A grande vantagem dos Enfermeiros é não terem que discernir entre medicamentos genéricos ou de marca. O seu papel é discernir entre medicamentos sim, ou medicamentos, não.
Sabemos ver e entender os efeitos principais e secundários dos medicamentos, mais bem do que qualquer outro profissional da área da Saúde. Não é por sermos mais inteligentes que os outros, ou termos melhor formação; é por causa de estarmos mais perto, durante mais tempo, do Doente e dos seus reais problemas. É a este que devemos informar das vantagens e desvantagens de determinados medicamentos. Esclarecendo Doentes e Médicos, sobretudo dos que denunciam as intromissões da indústria da patente registada, num processo autêntico de doença real e não inventada.
Infelizmente os Enfermeiros ainda não têm quem os informe suficientemente bem do seu papel de advogados dos Doentes;
Infelizmente não temos governantes sensíveis à multiplicidade de competências dos Enfermeiros, directamente, sem interpostos tendenciosos e inquinados.
Qualquer reforma séria que se pretenda fazer, na área da Saúde, tem de passar necessariamente, pelos Enfermeiros, ou não será reforma alguma; antes que seja tarde de mais e essa possibilidade se perca.
Com amizade,
José Azevedo
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