VEJAM-SE ALGUNS PEDAÇOS DE UM PARECER DE QUEM SABE:
MORAIS LEITÃO
GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA
& ASSOCIADOS
Como já
referido, a principal diferença entre as duas carreiras consiste no respetivo
âmbito de aplicação: enquanto a carreira de enfermagem se aplica aos
enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código
do Trabalho (cf. artigo 2.o do Decreto-Lei n.° 247/2009), a carreira especial de
enfermagem aplica-se a enfermeiros sujeitos a relação jurídica de emprego público
constituída por
contrato
de trabalho em funções públicas (cf. artigo 2.o do Decreto Lei n.° 248/2009).
Apesar de
ambas as carreiras passaram a estruturar-se nas categorias de enfermeiro e enfermeiro principal
(cf. artigo 7.o do Decreto-Lei n.° 247/2009 e 7.o do Decreto-Lei n.°
248/2009), o artigo 23.o do Decreto-Lei n.° 248/2009 extinguiu a carreira de enfermagem criada nos termos do Decreto-Lei n.°
437/91 e revogou este mesmo diploma,
nos termos do seu artigo 28.9. Com efeito, a carreira de enfermagem em regime
de emprego público, agora designada como carreira especial de enfermagem,
passou a estar submetida ao regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 e
daí que este diploma tenha procedido à revogação do diploma de 1991, bem como à
regulação da transição da carreira de enfermagem criada por este último diploma para a nova carreira.
Neste
contexto, o artigo 23.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 248/2009 estabeleceu
que «[t]ransitam para a categoria de
enfermeiro principal os trabalhadores que sejam titulares das categorias de enfermeiro- chefe e de enfermeiro supervisor,
desde que o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que tenham
direito não seja inferior ao montante pecuniário
correspondente ao nível remuneratório da primeira posição da categoria de enfermeiro
principal».
Por seu turno, o artigo 24.o estabeleceu a possibilidade de
serem determinadas as categorias que subsistem, nos termos do artigo 106.° da
Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro'.
Foi o que veio a ocorrer
com o Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro, cujo artigo 6.o, sob a epígrafe
«Categorias subsistentes», consignou o seguinte:
«1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.° da Lei
n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, as categorias de enfermeiro chefe e de enfermeiro-supervisor da carreira de enfermagem,
previstas no Decreto-Lei n.o 437/91, de 8 de novembro
Esta
disposição, inserida em diploma entretanto revogado pela Lei n.° 35/2014, de 20
de junho, com ressalva das disposições
transitórias entre as quais se inclui, previa que, em caso de impossibilidade de transição dos
trabalhadores «em virtude do grau de
complexidade funcional e, ou, do conteúdo funcional da carreira em que se
encontram integrados ou da categoria de que são titulares e, ou, das regras do
reposicionamento remuneratório», as categorias correspondentes subsistem nos termos em
que atualmente se encontram previstas.
MORAIS LEITÃO
Assim:
À data da criação da respetiva categoria pelo Decreto-Lei n.° 437/91, os enfermeiros supervisores distinguiam-se dos enfermeiros chefes por exercerem
funções, que apelidaríamos de direção”, que envolviam
a supervisão e avaliação destes últimos, bem como uma colaboração próxima com o
cargo de enfermeiro
diretor, o qual era nomeado de entre enfermeiros da categoria de enfermeiros
supervisores, mas já não da categoria de enfermeiros chefes; As categorias, e as
diferenças entre as categorias, de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor
mantiveram se em virtude de ter sido
determinado, pelo Decreto-Lei n.° 122/2010, que essas mesmas categorias
subsistiriam nos termos previstos no Decreto-Lei n.o 437/91.
O Decreto-Lei n.° 71/2019
veio, no entanto, introduzir alterações muito significativas em relação à
situação do pessoal incluído na categoria dos enfermeiros supervisores, por comparação
com a do pessoal abrangido na categoria dos enfermeiros chefes.
Entre essas alterações
cabe destacar as seguintes:
As categorias da carreira
especial de enfermagem passaram a ser três, isto é, os enfermeiros, os
enfermeiros especialistas e os enfermeiros gestores (artigo 7.o, n.o 1, do
Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do artigo 4.o do Decreto-Lei n.°
71/2019); As
funções de direção passam a ser exercidas, na sequência de procedimento
concursal, por enfermeiros gestores com pelo menos três anos de antiguidade
nessa categoria (artigo 18.°, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 248/2009, na
redação do artigo 4.o do Decreto-Lei n.° 71/2019);
2 Que não se confundem
com as exercidas no cargo de enfermeiro diretor.
Ml
iv)
Procedeu-se à densificação
do conteúdo funcional da nova categoria de enfermeiro gestor em termos substancialmente
idênticos aos do conteúdo funcional da categoria de enfermeiro chefe, nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 437/91 (cf. artigos 10.0-B do Decreto-Lei
n.° 248/2009, na redação do
Decreto-Lei n.o 71/2019, e 8.', n.o 1, do Decreto-Lei n.° 437/91), conforme se retira
da tabela constante do Anexo 1 ao presente parecer; Para
além disso, procedeu-se à densificação das competências do enfermeiro com
funções de direção em termos
substancialmente idênticos ao conteúdo funcional da categoria de enfermeiro
supervisor, nos termos previstos no Decreto-Lei n.o 437/91
(cf. artigos 18.°-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do Decreto Lei n.°
71/2019, e 8.', n.° 2, do Decreto-Lei n.o 437/91), conforme se retira do da
tabela constante do Anexo 2 ao presente parecer; Determinou-se a transição automática,
e com dispensa de quaisquer formalidades, dos enfermeiros chefes e dos
enfermeiros supervisores para a categoria de enfermeiro gestor (artigo 8.°, n.o
1, do Decreto-Lei n.o 71/2019); Finalmente, revogou-se o artigo 6.o do
Decreto-Lei n.° 122/2010, que previa a subsistência das carreiras de enfermeiro chefe e de
enfermeiro supervisor, previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 (artigo 12.o,
alínea c), do Decreto-Lei n.° 71/2019].
vi)
Por outras
palavras, antes do Decreto-Lei n.° 71/2019,
as categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor da carreira especial de
enfermagem mantiveram-se com o conteúdo funcional previsto no Decreto-Lei n.o
437/91, não obstante as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 248/2009,
em virtude da sua determinação como categorias subsistentes, nos termos do Decreto-Lei
n.° 122/2010.
Todavia, o Decreto-Lei n.° 71/2019 eliminou a manutenção das duas
categorias como subsistentes, revogando o artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, integrou os enfermeiros chefes e
os enfermeiros supervisores na nova categoria de enfermeiros gestores, ao mesmo
tempo que definiu o conteúdo funcional desta última em termos idênticos aos
previstos no diploma de 1991 para a categoria de enfermeiro chefe. Por outro
lado, as funções que até aí eram exercidas pelos enfermeiros supervisores passaram a ser exercidas apenas pelos
enfermeiros com cargos de direção.
Isto significa que ao serem integrados na nova
categoria de enfermeiro gestor os enfermeiros supervisores passam a ter
um conteúdo funcional igual aos dos enfermeiros chefes, isto é, passam a
ter um conteúdo funcional próprio de uma categoria inferior àquela de que transitaram.
Para além disso, os
enfermeiros com funções de direção (ou seja, os que assumirem cargos de
direção, na sequência de concurso) passam a ter competências correspondentes ao
conteúdo funcional próprio da categoria de enfermeiro supervisor.
Deste modo, tudo se passa como se os enfermeiros
supervisores fossem despromovidos para a categoria de enfermeiro chefe, uma vez que a nova
categoria de enfermeiro gestor para a qual transitaram tem um conteúdo
funcional igual ao daquela última,
tendo que sujeitar-se a um procedimento concursal para o exercício de funções de direção,
o que é o mesmo
que dizer, para o exercício de competências correspondentes àquelas que estavam
abrangidas pelo conteúdo funcional da sua
categoria antes da transição para a nova categoria de enfermeiro gestor (e que
efetivamente exerciam).
Seria dificil pensar num
caso mais flagrante de violação da categoria do trabalhador, baixando-a para
uma categoria inferior. Este comportamento, caso fosse adotado diretamente pelo
empregador público, seria, sem dúvida, violador da garantia dos
trabalhadores em funções públicas previsto no artigo 72., n.° 1, alínea e), da Lei n.°
35/2014, de 20 de junho. Estando em causa uma atuação do legislador, deve a mesma ser
confrontada com o disposto na Constituição, em especial com o princípio da
proteção da confiança.
Antes, porém,
de se avançar para uma avaliação jurídico-constitucional da medida legislativa
em causa, importa averiguar em que medida o abaixamento da categoria dos enfermeiros
supervisores através da respetiva transição para a categoria de enfermeiros
gestores, com um conteúdo funcional idênticos ao da antiga categoria de
enfermeiros chefes, põe em causa os próprios
princípios que enformam a relação de emprego público, ou, em termos mais
gerais, e na parte em que esta se rege dos mesmos princípios, põe em causa os
princípios que enformam a relação jurídica de trabalho, designadamente
como a nossa doutrina e jurisprudência os vêm entendendo.
3. A situação jurídica dos enfermeiros supervisores
A Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (Lei n.° 35/2014, de
20 de junho, adiante LGTFP) estabelece um regime próprio em matéria de conteúdo funcional da atividade dos trabalhadores,
mas comunga com o Código de Trabalho de uma regra comum: a proibição da despromoção ou
desvalorização profissional.
+39
MORAIS L
GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS
Estabelece o
artigo 80.", n.o 1 da LGTFP que a «cada carreira, ou a cada
categoria em que se desdobre uma carreira, corresponde um conteúdo funcional
legalmente descrito», acrescentando o n.o 2 que «o conteúdo funcional de cada carreira ou categoria deve ser descrito de forma
abrangente, dispensando pormenorizações relativas às tarefas nele abrangidas».
Acrescenta o artigo 81.° que «a
descrição do conteúdo funcional nos termos do artigo anterior não prejudica a
atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador
detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização
profissional», admitindo assim que estas funções afins sejam exercidas a título
principal, e não apenas acessório, ao contrário do que estabelece o Código do
Trabalho, mas, como limite, o de que isso não acarrete uma desvalorização
profissional.
Na mesma linha, o artigo 72.o, n.o 1, alínea e) da referida lei determina que é proibido ao
empregador «baixar a categoria do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei» (sendo que nos termos do
Código do Trabalho a mudança do trabalhar para categoria inferior só pode ser
feita mediante acordo do mesmo).
Em matéria de mobilidade, matéria na qual a relação jurídica de
emprego público enforma de especificidades relevantes relativamente ao Código de Trabalho, a lei estabelece
também que «a mobilidade intercarreiras
ou categorias depende da titularidade de habilitação
adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição» (artigo 93.°, n.° 1 ), e acrescenta que «quando a mobilidade opere para categoria inferior da mesma carreira ou
para carreira de grau de complexidade funcional inferior ao da carreira em que
se encontra integrado ou ao da categoria de que é titular, o acordo do
trabalhador nunca pode ser dispensado» (artigo 94.o, n.o 2).
Encontramos, assim, na jurisprudência, diversos acórdãos em que se
procede à análise da licitude da alteração do conteúdo das funções atribuídas a
trabalhadores em funções públicas, analisando com generosidade essa possibilidade, mas afirmando
sempre como limite o de que a alteração não corresponda a uma desvalorização
profissional.
Veja-se por
exemplo, concluindo pela inexistência de uma despromoção, o Acórdão do TCA
Norte de 20-3-2015, processo 00097/13.3BECBR (a propósito do anterior regime jurídico
que, nesta matéria era idêntico ao atual): «Por um lado, note-se que o artigo 113.° do Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, e aplicável ao caso dos
autos, deve ser lido conjugadamente com o disposto na lei que aquele regime
veio regulamentar, ou seja, a Lei n.° 28-A/2008, de 27 de fevereiro,
que veio definir e regular os regimes de
vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem
funções públicas. Ora, de acordo com o disposto na
citada Lei n.° 28-A/2008, os trabalhadores
contratados por tempo indeterminado exercem as suas funções
BE
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA W ASSOCIADOS
não outras) e de irreversibilidade (impossibilidade de lhe ser atribuída categoria inferior à que detiver em determinado momento)». E concluía: «um principio
inafastável no dominio em análise é que não cabe qualquer ato da autoridade administrativa competente
ou do superior
hierárquico do
funcionário que
represente um
prejuízo para o desenvolvimento da carreira do funcionário»4.
Ora, mesmo
considerando a generosa dimensão que a jurisprudência reconhece ao conteúdo
funcional que pode ser atribuído a um
trabalhador em funções públicos, não existem dúvidas de que, numa situação
paralela à aqui em apreço decidida por um empregador, ou por uma norma regulamentar, a jurisprudência concluiria pela existência de uma desvalorização profissional (e assim pela ilegalidade da decisão ou norma em causa), uma vez que se trataria de determinar
que os enfermeiros
supervisores passassem a exercer funções equivalentes às da categoria inferior (as de enfermeiro chefe), e só podendo aceder às funções que já exerciam mediante concurso (o que significa que nem
sequer esse
acesso lhes seria garantido, uma vez que o concurso seria sempre para lugares
escassos).
Refira-se a esse propósito, embora em matéria de contrato de
trabalho, um caso em que foram retiradas ao trabalhador funções de direção e
orientação, equiparando-o aos trabalhadores que estavam sob sua orientação, no qual, já
em 1997, decidia o STJ no Acórdão de 16.11.1994, proc. 004237, que «o trabalhador tem direito a exercer uma atividade correspondente à categoria para que foi contratado. A entidade patronal, ao retirar aos Autores as funções de direção e orientação, coordenação técnica e disciplinar que
exerciam, igualando-os àqueles trabalhadores
que estavam sob a sua orientação disciplinar, levou a cabo uma efetiva e real
despromoção dos Autores, desrespeitando, assim o direito que lhes assistia, nos termos do artigo 59.° da Constituição da
República e dos artigos 19, 21, 22, 23, 24 e
43 LCT). Poderia ter sido escrito para o nosso caso.
Em matéria de
reestruturação de empresa, afirmou também o STJ no Acórdão do STJ, 24.04.2002,
proc. 025567, que «no caso de restruturação
de empresa, os trabalhadores devem ser colocados em cargos equivalentes aos que
vinham exercendo, atendendo-se para isso às tarefas nucleares de cada categoria
profissional, não sendo legalmente permitido que de qualquer reestruturação
resulte para o trabalhador uma despromoção.»
Embora isso extravase o âmbito
do presente parecer, pode referir-se que nesta matéria a doutrina vai mesmo
mais longe e defende que aquilo que a lei estabelece é um direito dos
trabalhadores a «progredirem ou
ascenderem nas respetivas categorias e/ou atingirem
posições remuneratórias superiores, atendendo ao seu mérito e ao seu tempo de
serviço. O direito de progressão no posto de trabalho está previsto na alinea
e) do n.o 1 do artigo 79.o da LTFP e do n.o 4 do artigo
4. Conformidade
jurídico-constitucional das normas do artigo 18.o do Decreto-Lei n.° 247/2009,
na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 71/2019, e do artigo 8.°, n.o
1, deste último diploma
As exigências
dos princípios da boa-fé e da confiança dirigem-se, não apenas à Administração
Pública, através do princípio da boa-fé consagrado no artigo 266.°, n.°2, da
Constituição e no artigo 6.o-A do CPA, mas também ao legislador, o qual não pode deixar de
os observar nas modificações do ordenamento que decida efetuar; por outras
palavras, o legislador está vinculado aos princípios em causa no desempenho da
sua atividade o que significa que tais princípios levantam limites à atividade legislativa.
5 Os direitos e os
deveres do trabalhador público, Feliciano Santinho, in Direito das Relações
Laborais na Administração
Pública, CEJ, 2018, p.377, disponível
em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo
fiscal/eb DRLAP 2018.pdf
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA &
ASSOCIADOS
De acordo
com a jurisprudência do Tribunal Constitucional a violação do princípio da
confiança pelo legislador pressupõe que sejam postas em causa «expetativas legitimamente fundadas» dos
particulares, que essa afetação de expectativas <constitua uma mutação da ordem jurídica
com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar» e ainda que a mesma afetação não haja sido
determinada «pela necessidade de
salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam
considerar-se prevalecentes», havendo que recorrer, quanto à determinação de tal prevalência, ao princípio da
proporcionalidade (cf. Acórdão n.° 287/90, do Tribunal Constitucional).
Posteriormente,
o Acórdão do Tribunal Constitucional n.o 158/2008 veio tornar claro que a
exigência de a afetação de expectativas constituir uma mutação da ordem
jurídica com que os destinatários das normas não pudessem razoavelmente contar
foi estabelecida «para situações em que
os cidadãos detinham apenas meras expectativas
legitimas, sendo obviamente distinta a situação quando estejamos perante situações
de direitos já completamente formados e, ainda mais, de direitos já
exercitados».
Na linha do
Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 128/2009, são os seguintes os requisitos
que devem verificar-se para invocar uma violação do princípio da confiança: (i) o legislador adotar comportamentos
capazes de gerar nos particulares expetativas de continuidade; (ii) essas expetativas serem legítimas e justificadas; (iii) os particulares terem feito planos
de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento do
legislador; (iv) não ocorrerem razões
de interesse público que justifiquem, em
ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a expetativa dos particulares ou do
direito atribuído ao respetivo titular.
Em primeiro lugar, parece
claro que o legislador
adotou, através do artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, comportamentos capazes de gerar
expectativas de continuidade, através da consideração das categorias de
enfermeiro chefe e enfermeiro
supervisor previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 como categorias subsistentes.
Em segundo
lugar, nem sequer estamos perante simples expectativas legítimas, mas
verdadeiros direitos subjetivos atribuídos com base na lei e sucessivamente garantidos pela lei. Com efeito, se expectativa houve a mesma consubstanciou-se no artigo 24.o do Decreto-Lei n.°
248/2009, que consignou que «[e]m
diploma próprio podem ser determinadas as
categorias que subsistem, nos termos do artigo 106.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro». O Decreto-Lei n.°
122/2010 transformou tal expectativa num verdadeiro direito subjetivo.
Em terceiro
lugar, parece claro que os particulares, isto é, os enfermeiros supervisores da
carreira especial de enfermagem abrangidos pelo âmbito de aplicação dos diplomas
aqui em causa, fizeram planos de vida tendo em conta a perspetiva da
continuidade de comportamento do legislador. Por outras palavras, os
enfermeiros em causa confiaram que a
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS
determinação das categorias de enfermeiro
chefe e enfermeiro supervisor previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 como categorias subsistentes, de acordo com o artigo
6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, seria respeitada pelo Decreto-Lei n.o 71/2019.
Em quarto lugar, não
ocorre uma razão de interesse público que justifique em ponderação, a não
continuidade do respeito das categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor como
categorias subsistentes.
Parece, assim, claro, em
função do exposto, que as normas dos artigos 10.0-B do Decreto-Lei n.°
248/2009, na redação do Decreto-Lei n.° 71/2019, 18.o-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na
redação do Decreto-Lei n.° 71/2019, 8., n.o 1, do Decreto-Lei n.° 71/2019 e artigo 12.o, alínea c), do
Decreto-Lei n.° 71/2019
consubstanciam uma clara violação do princípio da proteção da confiança, insito
no artigo 2.o da Constituição.
A violação do princípio da proteção da confiança ocorre,
quanto à primeira norma indicada (novo artigo 10.0-B do Decreto-Lei n.°
248/2009), por esta envolver uma determinação do conteúdo funcional da nova
categoria de enfermeiro gestor em termos substancialmente idênticos aos do conteúdo
funcional da categoria de enfermeiro chefe, nos termos previstos no Decreto-Lei
n.°437/91. Por outras palavras, tudo se passa como se o enfermeiro supervisor
transitasse, afinal, para uma categoria --a de enfermeiro chefe - inferior àquela que
atualmente ocupa.
Quanto à
segunda norma (novo artigo 18.0-B do Decreto-Lei n.° 248/2009), a violação do
identificado princípio constitucional ocorre em virtude de a mesma proceder a
uma densificação das competências do enfermeiro com funções de direção em
termos substancialmente idênticos ao conteúdo funcional da categoria de
enfermeiro supervisor, nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 437/91. Ou seja, o enfermeiro supervisor
tem atualmente de se submeter a concurso para exercer funções que correspondem
já à categoria de que transitou.
Finalmente, as terceira e quarta normas [artigos
8.°, n.o 1, e 12.", alínea c), do Decreto-Lei n.° 71/2019) enfermam do mesmo vicio de
inconstitucionalidade porquanto eliminam as categorias de enfermeiro chefe e de
enfermeiro supervisor, previstas no
Decreto-Lei n.o 437/91, determinando a transição automáticas dos enfermeiros
providos naquelas categorias para a nova categoria de enfermeiro gestor, sem retirar todas
as consequências da consideração daquelas categorias, agora eliminadas, como subsistentes nos termos da Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas.
Seria, em suma
difícil encontrar um caso mais claro de violação do princípio da confiança pelo
legislador, evidenciado à saciedade, aliás, pela simples consideração da evolução legislativa
ocorrida quanto às categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor da carreira especial de enfermagem.
laco
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS
5
Proposta de redação legislativa que salvaguarde os direitos
dos enfermeiros supervisores
Como é bom de ver, a questão de inconstitucionalidade aqui em
causa coloca-se relativamente a
todos aqueles que no momento da entrada em vigor da lei eram titulares da categoria de enfermeiro supervisor. A lei não
estabeleceu nenhuma norma transitória que salvaguarde a respetiva situação
profissional.
Importa assim ponderar
como superar tal inconstitucionalidade.
Ora, afigura-se que a redação do diploma em questão não permite uma
interpretação conforme à Constituição no sentido de entender que os atuais enfermeiros
supervisores poderiam manter as funções de direção que vêm desempenhando, sem necessidade de se submeterem a concurso. Na verdade, como referido, a lei
determina que para o exercício de tais funções será sempre necessário a submissão a um concurso e
não estabelece qualquer exceção. Por sua vez, o artigo 8.o já referido limita-se a determinar a
transição para a categoria de enfermeiro gestor, sem mais.
Será assim necessário aprovar uma norma transitória que
salvaguarde a situação dos enfermeiros supervisores, e que lhes garanta que mantêm o conteúdo funcional que já
lhes era reconhecido e que efetivamente correspondia às funções que exerciam (mantendo assim as funções de direção
ainda que as mesmas corresponda ao
que hoje a lei determina).
Nestes
termos, para
assegurar
a constitucionalidade do diploma em apreço no que se refere aos enfermeiros supervisores sugerimos que seja
alterado o artigo 8.", n.o 1 do Decreto-Lei n.o 71/2019, de 27 de maio, nos termos seguintes:
Artigo 8.
Transições
1.
2.
[atual n.° 1] Os trabalhadores
enfermeiros titulares da categoria de enfermeiro supervisor que transitam para
a categoria de enfermeiro gestor nos termos do número anterior mantêm as funções
de direção, as quais passam a ter o conteúdo funcional previsto no artigo 18.°-
B do Decreto-lei n.° 248/2009, de 22
de setembro, sem necessidade de abertura de procedimento concursal
3. Só será aberto procedimento concursal para o exercício de funções de direção para os lugares de direção não
preenchidos pelos
enfermeiros referidos no número anterior ou quando vagarem os lugares ocupados pelos
mesmos. 4. [atual n.° 2] 5. [atual n.°3] 6.
O disposto
no presente artigo, com exceção dos n.os 1, 2 e 3, aplica-se aos trabalhadores enferineiros com
contrato de trabalho
celebrado com entidades públicas empresariais do setor da saúde, exceto se
abrangidos por
instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho que regule a estrutura da correspondente carreira.
7. [atual n.° 5]
Lisboa, 24 de setembro de 2019
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