DEZ DIFERENÇAS ENTRE SEGUNDO RESGATE E PROGRAMA CAUTELAR
Fonte: Jornal de Negócios
23.10.2013
1. Para que servem?
Um resgate, ou seja,
um programa de assistência financeira assegurado pela comunidade internacional
e condicionado a um conjunto de medidas e metas que têm de ser cumpridas pelo
país beneficiário, é o instrumento de resolução de crises mais extremo, poderoso
e intrusivo. Um segundo resgate oficial (ou seja, um segundo empréstimo da UE e
do FMI enquadrado por um novo memorando de entendimento) foi o que a Grécia recebeu em Março de 2012, porque não havia a
menor condição de o país regressar aos mercados quando se encarava o fim do
primeiro programa de assistência financeira da troika, acordado em Maio de
2010. No caso grego, o segundo resgate foi acompanhado da exigência
“irrepetível” de que os investidores privados perdoassem parte da dívida grega
em sua posse.
Já um programa
cautelar assenta, ao contrário, no pressuposto de que o país beneficiário reúne
o mínimo de condições para se financiar nos mercados. Essa avaliação é feita
com base em seis critérios entre os quais figura “um passado de acesso, em termos razoáveis, aos mercados internacionais
de capitais” e uma dívida pública e posição externa "sustentáveis".
Os programas
cautelares estão previstos no papel (em concreto, no quadro das novas
modalidades de assistência que foram conferidas ao Mecanismo
Europeu de Estabilidade), mas nunca foram até hoje accionados. Como o nome sugere, pretende-se
oferecer uma espécie de seguro, inspirado nas linhas
de crédito flexíveis do FMI. No limite, estas linhas de crédito, ou autorização
de saque de fundos, podem até nunca ser activadas se o país conseguir
satisfazer as suas necessidades de financiamento pelas vias normais, junto dos
investidores. Já no quadro de um resgate, o país suspende o essencial das
operações de venda de dívida e fica por um período a ser sustentado por
empréstimos “oficiais”.
Ainda ao contrário do
resgate, que é um instrumento de resolução de crises, os programas cautelares
pretendem prevenir crises – ou o seu agravamento. Foram, aliás, originalmente
pensados no auge da crise do euro para evitar que uma Espanha ou uma Itália
chegassem a uma situação em que, perante o fecho dos mercados, tivessem também
de ser resgatados – opção que acarretaria custos financeiros e políticos
possivelmente incomportáveis para os próprios e para a Zona Euro.
Os programas
cautelares poderão, no entanto, ser inaugurados não por pesos-já-pesados do
euro mas por recém-resgatados. A Irlanda é o primeiro potencial candidato. O
financiamento oficial da troika termina em 8 de Dezembro, mas como as taxas de
juro da dívida irlandesa a dez anos (“yields”) andam no nível muitíssimo
aceitável de 3,6% (as portuguesas estão em 6,2%), o Governo de Dublin poderá
tentar o regresso aos mercados sem antes pedir uma “rede de segurança” aos
parceiros do euro.
Ainda assim, o cenário
central que se antecipa nos mercados e nos meandros europeus assenta num pedido
irlandês de um empréstimo cautelar para reduzir os riscos na transição para um
quadro de financiamento autónomo.
Portugal quererá
seguir-lhe as pisadas no próximo ano, no quadro da preparação do fim do
programa oficial, que termina em Junho de 2014. É neste contexto que se
enquadrarão as recentes declarações, em Londres, do ministro da Economia Pires
de Lima.
2. Como se activam?
Um segundo resgate ou
um programa cautelar tem, em qualquer dos casos, de ser expressamente pedido
pelo país em apuros. No primeiro caso, o pedido tem de envolver o FMI (ou seja,
ter o aval de EUA, Japão, China, Brasil, Índia…), várias instituições europeias
e parlamentos nacionais.
No caso do programa
cautelar, o procedimento é comparativamente mais leve: o pedido é feito ao
presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, actualmente Klaus Regling, que
avaliará a sua oportunidade e riscos em ligação com o BCE e com a Comissão
Europeia que desenhará o respectivo programa de condicionalidade, muito
possivelmente em associação com os economistas do FMI.
3. Que condições exigem?
Em qualquer das opções
– resgate ou programa cautelar, em qualquer das suas modalidades – haverá
sempre a exigência de contrapartidas por parte dos credores.
No caso de Portugal, a
condicionalidade - designadamente em termos da exigência de se caminhar
para o equilíbrio orçamental - não deverá ser fundamentalmente diferente com
resgate, com programa cautelar ou mesmo numa situação em que o país tente regressar
directa e plenamente aos mercados sem “rede
de segurança”.
Recorde-se que o país
aprovou, com os votos favoráveis do PSD, CDS e PS, a transposição para o seu
ordenamento interno da “regra de ouro”
do Tratado Orçamental, que impõe défices estruturais máximos de 0,5% do PIB
e a obrigação de reduzir todos os anos a dívida pública até que esta regresse
ao patamar de 60% do PIB.
Para se ter uma ideia
do que está pela frente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) calcula que a partir de 2015 o
país terá de fazer uma consolidação orçamental adicional, que permita a
obtenção de “excedentes primários
crescentes e superiores a 4% do PIB até 2020”. A título de comparação,
refira-se que pela primeira vez em duas décadas e após três anos de troika,
Portugal deverá ter em 2014 o primeiro excedente primário equivalente a 0,3% do
PIB.
4. Quem financia?
O FMI tem financiado
uma parte de todos os resgates a soberanos da Zona Euro, embora
progressivamente menor: assegurou um terço dos empréstimos a Portugal, Irlanda
e Grécia, mas só 10% do concedido a Chipre.
Num segundo
resgate, a intervenção do FMI seria certa mas de dimensão incerta.
Já o seu envolvimento
no financiamento de programas cautelares, não estando excluída, será mais
improvável. Estes tenderão a ser integralmente financiados pelo MEE que,
progressivamente, se tem transformado numa espécie de Fundo Monetário Europeu.
5. Quem controla?
Os resgates envolvem
um enorme estigma e pressupõem uma intervenção externa ostensiva, quer no
desenho quer no acompanhamento da execução dos “memorandos” que justificam as
missões trimestrais da troika.
Os programas
cautelares prevêem um acompanhamento igualmente intenso e obrigações de reporte
de informação a Bruxelas muitíssimo regulares, e exigem, inclusive, auditorias
prévias para avaliar o estado das finanças públicas mas também a qualidade das
estatísticas. A cada três meses, a Comissão, em associação com o BCE, fará um
relatório ao Eurogrupo sobre o país “segurado”, centrado na sua (in)capacidade
de se financiar integralmente nos mercados. Em contrapartida, não se contemplam
missões trimestrais como as que actualmente são realizadas pela troika que,
recorde-se, continuará (com ou sem programa cautelar) a exercer uma vigilância
apertada, até que o essencial do empréstimo seja reembolsado.
6 . Quanto tempo dura?
Os resgates têm sido
acordados para três anos.
Os programas
cautelares serão, em regra, válidos por um ano, podendo ser renovados por mais
seis meses por duas vezes – no máximo, podem vigorar, portanto, durante
dois anos. Findo esse período (ou antes), ou o país já consegue financiar-se
nos mercados sem “rede de segurança”
ou, não o conseguindo, terá de negociar um programa de assistência financeira
pleno – ou seja, um segundo resgate.
7. Quanto valem?
É difícil avançar com
números, mas é fácil estabelecer ordens de grandeza: os programas cautelares
terão uma dimensão muito menor que os resgates. Em regra, está previsto que
variem entre 2% e 10% do PIB do país.
No caso de Portugal,
estaríamos a falar de valores entre 3,4 mil milhões e 17 mil milhões de euros.
A título de
comparação, refira-se que o programa de assistência a Portugal da troika, que
termina em Julho de 2014 e que foi fixado para cobrir as necessidades de
financiamento ao longo de três anos, elevou-se a 78 mil milhões de euros.
8. Que compromissos políticos exigirão?
Se o país pedir um
segundo resgate integral, eventualmente com um novo horizonte temporal de três
anos que ultrapassará, portanto, o da actual legislatura, os credores
exigirão com toda a probabilidade um acordo entre PSD, CDS e PS sobre as
contrapartidas de política. Foi isso que sucedeu aquando do primeiro programa
de assistência na Primavera de 2011 que, tendo sido negociado pelo PS, foi
respaldado pelos partidos do chamado arco da governabilidade por exigência da
UE e do FMI. Eleições antecipadas, neste cenário, são um evento igualmente
muito provável.
Se for pedido um
programa cautelar, muito provavelmente também os parceiros europeus quererão
garantias de rigor e de reforma dos três partidos. Mas como o programa terá, à
partida, duração de um ano e o seu fim coincidirá com o fim da actual
legislatura, essa exigência poderá ser suavizada, pelo menos em termos formais.
Em contrapartida, na
Primavera de 2015, qualquer prolongamento do programa cautelar ou a eventual
negociação de um segundo resgate obrigará a um entendimento entre os três
partidos que, dependendo do momento da negociação e do resultado das eleições
legislativas, poderá, como em 2011, eventualmente voltar a ser conduzido pelo
PS.
9. Quais são as principais diferenças entre os três
programas cautelares?
Os programas de assistência financeira cautelares assumem
todos eles a forma de linha de crédito, ou seja, trata-se de uma autorização dada pelo
MEE (de que são accionistas os países do euro) a um seu país-membro para
proceder a um saque de fundos até um determinado limite e durante um
determinado período de tempo.
Essa linha de crédito
cautelar pode ser usada por via de empréstimo destinado a financiar
directamente o Estado beneficiário, ou pode ser usada, a pedido do país, pelo
Mecanismo Europeu de Estabilidade para comprar títulos de dívida desse Estado
no mercado primário, financiando-o, assim, por via indirecta. A linha pode
ainda ser usada para cobrir parte do risco assumido pelos investidores quando
compram dívida do país segurado no mercado primário.
A versão mais
"leve" em termos de condicionalidade e que só está disponível para os
países que cumpram os tais seis critérios (entre os quais, um bom registo de
acesso aos mercados financeiros) é a Linha de Crédito Cautelar Condicionada
(PCCL, na sigla inglesa). Existe depois a Linha de Crédito com Condições
Reforçadas (ECCL), na qual mais facilmente Portugal se encaixará, e, por fim, a
ECCL+ em que se pode também "segurar" parte do
risco assumido pelos investidores.
Nesta versão de
condicionalidade mais robusta, abre-se a possibilidade de o BCE intervir no
sentido de ajudar a baixar os juros, normalizando as condições de
financiamento, através de compras de dívida desse país no mercado secundário.
Mas os contornos do programa Transacções Monetárias Definitivas (OMT, na
sigla inglesa) estão ainda muito pouco esclarecidos.
10. Como explicar em linguagem simples (algumas
metáforas)
Para distinguir resgate de programa cautelar com uma linguagem
bem simples, pode recorrer-se a estas imagens: “Andar de muletas não é o mesmo que de cadeira de
rodas ” (Pedro Santos Guerreiro, director do Negócios); “Temos de sair deste inferno do ‘programa de
ajustamento’ e passar ao purgatório de um programa de vigilância” (Brandão de Brito,
professor do ISEG), “Temos de sair dos cuidados intensivos e passar a uma
convalescença assistida” (Eduardo Catroga).
Duas notas que marcam os nossos dias:
- Boletim Estatístico do Banco de Portugal que revela os dados relativos ao saldo das contas externas, positivo em mais de 3,7 mil milhões de euros;
- Opinião do Morgan Stanley, numa nota de research também hoje divulgada, em que o banco abandona as perspetivas de prudência avançadas no Verão em relação a Portugal e aposta na concretização do cenário mais otimista de recuperação económica, alavancado no bom desempenho do setor exportador.
AC
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