O Rei (do corte) Vai Nu
O nosso bastonário entrou com grande estrondo e estilhaçou o silêncio e a complacência de que
tem beneficiado o gestor da troika na saúde.
Na entrevista ao jornal i promete vir aos serviços de saúde falar
com os colegas, verificar in loco as condições e fazer um relatório
circunstanciado. MUITO BEM. É o que esperamos que faça quem nos representa mas
aplaudimos na mesma, pois sabemos que só assim os estrangulamentos e problemas
serão denunciados e resolvidos, contornando o centralismo e a lei da rolha que
o ministério impôs.
Tem toda a razão quando exorciza o aumento
de burocracias, em especial a lentidão exasperante dos sistemas
informáticos, que irritam e nos impedem de fazer mais consultas, tanto é o
tempo à espera para emitir receitas, atestados, justificação de transportes e
muita outra papelada.
Também é o papel do bastonário pôr
fim ao racionamento e falta de acesso aos medicamentos, o que nos dói muito
a nós médicos mas dói ainda mais aos doentes de hepatite e a outros que agora
não conseguem aceder aos medicamentos que necessitam. Mas que não haja ilusões:
os recursos nunca chegarão para todos os medicamentos inovadores aos preços que
os laboratórios querem cobrar; contudo podemos garantir equidade, com uma
comissão nacional de sábios que escolha os que têm melhor custo-eficácia que
serão depois prescritos em todo o país.
Apreciei a denúncia da desvalorização
progressiva do SNS que vem sendo promovida pelo ministério, dentro da
ideologia do Estado mínimo, enquanto se vão alimentando os grupos da saúde o
que contribui para proletarização da classe, a qual fica entalada entre quem
muito nos esfola e quem pouco nos paga. A desmotivação é total porque aos
problemas e à falta de recursos com que temos que trabalhar juntam-se cortes
verdadeiramente obscenos e ENORMES aumentos de impostos.
O bastonário brilhou na análise que fez
do estado das urgências e da obsessão com os cortes.
É inadmissível termos pacientes que
jazem 3 dias numa maca na urgência ou que ficam internados num serviço com 200%
de ocupação, muitas vezes com o mesmo número de pessoal. Não lembra ao diabo,
nem ao mais requintado fariseu, fazer de conta que os cortes enormes não
afetam a capacidade dos serviços. Como não é aceitável que, por não haver
enfermeiros e auxiliares, os médicos tenham que fazer tarefas que não lhes
competem, havendo tantos profissionais com capacidade e desejo de trabalhar.
Todos sabemos que no inverno as
urgências e as medicinas têm muito maior procura, o que em parte pode ser
resolvido com um diagnóstico mais rápido e uma alta mais expedita. Impunha-se
também ter capacidade excedentária neste período e melhor articulação com os
restantes cuidados, primários e continuados. Mas o ministério cortou as
pernas aos CSP e aos CCI, que podiam resolver a maior parte dos problemas
aliviando a pressão e os custos dos hospitais.
Depois a tutela bloqueia os concursos
e empata as promoções, assim não se consegue colmatar a saída e a
aposentação de inúmeros colegas, fartos e cansados de ser maltratados e mal
pagos.
Desta maneira paga-se mais e temos
piores serviços, como se vê facilmente nos corredores
dantescos das urgências e nas condições degradantes e desumanas em que se
encontram as medicinas.
Esta situação espelha bem o que acontece
quando se invertem as prioridades: em vez de colocar primeiro a saúde, a
qualidade e a segurança do doente e só depois as finanças, endeusaram-se os
cortes na despesa. As boas práticas e a excelência clínica levam a melhor
saúde e também a menores gastos de forma duradoura – fazer bem é quase sempre a
forma mais barata de fazer medicina. A obsessão pelos cortes vai conduzir a menor qualidade, com mais infeções e
erros clínicos, o que irá originar depois mais despesa, menor saúde e qualidade
de vida dos doentes.
Continuaremos a ver a administração a
evitar e a transferir doentes graves e que dão prejuízo, sob o olhar
condescendente dum ministério que só sabe cortar e diminuir o SNS. Estas poupanças vão-nos sair muito caras e vai ser muito difícil
reconstituir o que está a ser destruído e desvalorizado.
A. Bastonada
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