sábado, 21 de dezembro de 2013

O REI VAI NU, DIZ O MIUDO


O Rei (do corte) Vai Nu
O nosso bastonário entrou com grande estrondo e estilhaçou o silêncio e a complacência de que tem beneficiado o gestor da troika na saúde.
Na entrevista ao jornal i promete vir aos serviços de saúde falar com os colegas, verificar in loco as condições e fazer um relatório circunstanciado. MUITO BEM. É o que esperamos que faça quem nos representa mas aplaudimos na mesma, pois sabemos que só assim os estrangulamentos e problemas serão denunciados e resolvidos, contornando o centralismo e a lei da rolha que o ministério impôs.
Tem toda a razão quando exorciza o aumento de burocracias, em especial a lentidão exasperante dos sistemas informáticos, que irritam e nos impedem de fazer mais consultas, tanto é o tempo à espera para emitir receitas, atestados, justificação de transportes e muita outra papelada.
Também é o papel do bastonário pôr fim ao racionamento e falta de acesso aos medicamentos, o que nos dói muito a nós médicos mas dói ainda mais aos doentes de hepatite e a outros que agora não conseguem aceder aos medicamentos que necessitam. Mas que não haja ilusões: os recursos nunca chegarão para todos os medicamentos inovadores aos preços que os laboratórios querem cobrar; contudo podemos garantir equidade, com uma comissão nacional de sábios que escolha os que têm melhor custo-eficácia que serão depois prescritos em todo o país.
Apreciei a denúncia da desvalorização progressiva do SNS que vem sendo promovida pelo ministério, dentro da ideologia do Estado mínimo, enquanto se vão alimentando os grupos da saúde o que contribui para proletarização da classe, a qual fica entalada entre quem muito nos esfola e quem pouco nos paga. A desmotivação é total porque aos problemas e à falta de recursos com que temos que trabalhar juntam-se cortes verdadeiramente obscenos e ENORMES aumentos de impostos.
O bastonário brilhou na análise que fez do estado das urgências e da obsessão com os cortes.
É inadmissível termos pacientes que jazem 3 dias numa maca na urgência ou que ficam internados num serviço com 200% de ocupação, muitas vezes com o mesmo número de pessoal. Não lembra ao diabo, nem ao mais requintado fariseu, fazer de conta que os cortes enormes não afetam a capacidade dos serviços. Como não é aceitável que, por não haver enfermeiros e auxiliares, os médicos tenham que fazer tarefas que não lhes competem, havendo tantos profissionais com capacidade e desejo de trabalhar.

Todos sabemos que no inverno as urgências e as medicinas têm muito maior procura, o que em parte pode ser resolvido com um diagnóstico mais rápido e uma alta mais expedita. Impunha-se também ter capacidade excedentária neste período e melhor articulação com os restantes cuidados, primários e continuados. Mas o ministério cortou as pernas aos CSP e aos CCI, que podiam resolver a maior parte dos problemas aliviando a pressão e os custos dos hospitais.

Depois a tutela bloqueia os concursos e empata as promoções, assim não se consegue colmatar a saída e a aposentação de inúmeros colegas, fartos e cansados de ser maltratados e mal pagos.
Desta maneira paga-se mais e temos piores serviços, como se vê facilmente nos corredores dantescos das urgências e nas condições degradantes e desumanas em que se encontram as medicinas.
Esta situação espelha bem o que acontece quando se invertem as prioridades: em vez de colocar primeiro a saúde, a qualidade e a segurança do doente e só depois as finanças, endeusaram-se os cortes na despesa. As boas práticas e a excelência clínica levam a melhor saúde e também a menores gastos de forma duradoura – fazer bem é quase sempre a forma mais barata de fazer medicina. A obsessão pelos cortes vai conduzir a menor qualidade, com mais infeções e erros clínicos, o que irá originar depois mais despesa, menor saúde e qualidade de vida dos doentes.
Continuaremos a ver a administração a evitar e a transferir doentes graves e que dão prejuízo, sob o olhar condescendente dum ministério que só sabe cortar e diminuir o SNS. Estas poupanças vão-nos sair muito caras e vai ser muito difícil reconstituir o que está a ser destruído e desvalorizado.
A. Bastonada

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