D. Quixote de La Manche de M.Cervantes é um exemplo do uso de palavras, que já não dizem as mesmas coisas, porque o paradigma pensante e expressante mudou.
Na época da ciência "mathesis universalis"D. Quixote permanecia no paradigma da "analogia", onde tudo é feito à imagem e semelhança de Deus. Deus está na Natureza, só é necessário escolher o sentido para o procurar e encontrar: literal, metafórico, anagógico, escatológico.
As alucinações de D.Quixote, que nos moinhos via castelos, nos rebanhos, exércitos, nos odres, gigantes... eram leituras do real num paradigma diferente, e só.
Peguemos nas práticas médicas anteriores ao SNS, que o Dr. A. Arnaut legalizou.
Vejamos qual era o comportamento do Médico, nos hospitais da Misericórdia, maioritários, fora das 3 maiores cidades; Porto, Coimbra, Lisboa.
O seu trabalho era gratuito, para os indigentes, à procura do doente, que pudesse ser transferido para as clínicas privadas , porque tinha posses. No fundo, os mais ricos eram a moeda de troca, no tratamento gratuito dos mais pobres, nos hospitais das Misericórdias.
Veio o SNS e a funcionarização dos Médicos acelera-se, por todo o canto e esquina.
O "medicocentrismo" instala-se, no SNS.
A primeira consequência negativa foi tirarem Médicos treinados e sabedores dos Centros de Saúde e porem, por concurso, regado a rios de água-benta, os rejeitados dos hospitais; a segunda escolha.
E que aconteceu às clínicas privadas?
Continuaram a funcionar, com os Médicos que, antes do SNS, trabalhavam gratuitamente, para os Hospitais das Misericórdias; agora, trabalham para os mesmos, mas nacionalizados pelo "Camarada Vasco", nos anos de 1975, e pagos pelos impostos dos cidadãos, já não pagos pelos cortejos de oferendas do povo.
E nem se aperceberam disso, pois as práticas, com ligeiras diferenças, entre as quais o trabalho pago no ex-hospital da Misericórdia; o proprietário da leirinha e da vaquinha continuou, ingenuamente, a ir ser operado, às vezes, sem necessidade, nas clínicas privadas, também estas ligadas às "Ordens Terceiras", o receptáculo das colheitas feitas nos Hospitais das Misericórdias de proximidade com o povo, em grande parte.
Nasce, aqui, uma necessidade fictícia; a invenção do regime de exclusividade, para tapar os olhos, de quem olha para o lado, para não ver; (até o inspector das finanças, meu conhecido e consulente, pagou a conta sem recibo, para não lhe darem os nós ao contrário e os pontos com fio do norte, confessava). E os Médicos de confiança e experiência, lá iam cumprindo as duas missões; a, anteriormente caritativa, agora estatal pública, já bem paga, para o que não fazem, e a privada, paga ao preço da tabela, embora com direito a visitas e a ir morrer a casa ou ao hospital público, onde há Enfermeiros a toda a hora, se as coisas se complicarem, no privado, de recursos escassos.
Há dias li, num jornal, que não tem nada a ver com paradigmas ultrapassados, que ao fundirem os serviços de urgência, num só, os doentes diminuiram, porque as urgências de um deles eram inventadas nos Centros de Saúde para um desonesto esquema de abastecimento de clientela às clínicas privadas. Mudam-se os tempos, mas...
Isto acontece tão próximo do Bastonário da Ordem dos Médicos, quem consegue ver, porque está muito próximo dos seus olhos. Bem prega o Frei Tomás...
Em que difere isto do esquema das antigas Misericórdias?
Nos nomes e no tempo, o método nem, sequer é original...
Nessas Misericórdias, o Médico trabalhava gratuitamente e era o próprio, regra geral, a fazer os dois papeis: o de angariador e o de operador/cirurgião.
Hoje, com a funcionarização do medicocentrismo, a rede alargou-se, diversificando-se por outros participantes, produtos e produtores, nomeadamente, às "forças do mal", na classificação de Matthiasd Rath.
Mas, para facilitar a leitura do paradigma passado, enxertaram-lhe a variante { SIGIC }: em vez de encaminharem o cliente para a privada, transformaram o mesmo local, em "público", para esperar e, em "privado", para receber a cirurgia, que nunca recebeu, no sistema de produção normal.
Já que não tem leirinha nem vaquinha o Etado que as pague, em dinheiro, para sustentabilidade do SNS, leia-se "funcionarização" da Classe Médica!
Deste modo, fica o fenómeno da exclusividade disfarçado, pois tudo é feito, no mesmo espaço e tempo, graças a Kant, que inventou essas duas categorias; "espaço e tempo", a que outros chamam "o aqui e agora".
O método usado é o dos incentivos, mas montado ao contrário; quanto menos fizer na produção normal, onde nada acontece, por isso; mais ganham nos incentivos, da produção anormal (SIGIC).
Qualquer reforma, no SNS e na sua tão falada sustentabilidade, passa pela "desquixotização", do paradigma reinante; estar a lê-lo, interpretando o actual, à luz do paradigma anterior; trabalhar de graça nas Misericórdias, para ganhar algum, nas Ordens Terceiras, também relegiosas.
Fez-se o SNS, mas não se cuidou de lhe podar os rebentos parasitas (nas videira os lavradores chamam-lhes ladrões, porque roubam a energia, seiva da videira), que encarecem o SNS, ao incentivar o incumprimento, de que resultam o SIGIC hospitalar, ou a USF-B, nos CSP.
Mas isto, até os que estão a fingir de cegos e os que se armaram em espertos e foram mandados plantar pés de burro para o Alentejo, conseguem ver.
Por isso, enquanto não "desfuncionarem" a "funcionarização" da LIBÉRRIMA CLASSE MÉDICA, que nunca se adaptou ao estatuto de funcionário público, não falem de reformas, sem que a vossa mãe não vos ponham pimenta na língua e, porque um dia, quando menos esperarem, Deus e o Diabo caem-vos em cima.
A equipa do Ministério da Saúde, em vez de pensar nesta perspectiva, ainda agrava mais a situação, ao contratar mais Médicos, que vão cronicizando as maleitas do SNS, pois quem dá o que sabe a mais não é obrigado, obviamente. Não culpemos os Médicos, pois diz o Zé: «Em terra de cegos, mesmo que fingidos, quem tem olho vivo e pé ligeiro; é Rei».
A mudança tem de ser radical: Médico funcionário ou Médico liberal.
Imaginem que faziam o mesmo à Classe dos Advogados?
Que faria, um qualquer herói, que até podia ser o mesmo Arnaut, num SNJ (Serviço Nacional de Justiça)?
Com amizade,
José Azevedo
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