sábado, 26 de outubro de 2019

TENTATIVA DE APOUCAR OS ENFERMEIROS UMA CONSTANTE DA MINISTRA DA SAÚDE


VEJAM-SE  ALGUNS PEDAÇOS DE UM PARECER DE QUEM SABE:


MORAIS LEITÃO
GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS
Como já referido, a principal diferença entre as duas carreiras consiste no respetivo âmbito de aplicação: enquanto a carreira de enfermagem se aplica aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho (cf. artigo 2.o do Decreto-Lei n.° 247/2009), a carreira especial de enfermagem aplica-se a enfermeiros sujeitos a relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas (cf. artigo 2.o do Decreto Lei n.° 248/2009).
Apesar de ambas as carreiras passaram a estruturar-se nas categorias de enfermeiro e enfermeiro principal (cf. artigo 7.o do Decreto-Lei n.° 247/2009 e 7.o do Decreto-Lei n.° 248/2009), o artigo 23.o do Decreto-Lei n.° 248/2009 extinguiu a carreira de enfermagem criada nos termos do Decreto-Lei n.° 437/91 e revogou este mesmo diploma, nos termos do seu artigo 28.9. Com efeito, a carreira de enfermagem em regime de emprego público, agora designada como carreira especial de enfermagem, passou a estar submetida ao regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 e daí que este diploma tenha procedido à revogação do diploma de 1991, bem como à regulação da transição da carreira de enfermagem criada por este último diploma para a nova carreira.
Neste contexto, o artigo 23.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 248/2009 estabeleceu que «[t]ransitam para a categoria de enfermeiro principal os trabalhadores que sejam titulares das categorias de enfermeiro- chefe e de enfermeiro supervisor, desde que o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que tenham direito não seja inferior ao montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da primeira posição da categoria de enfermeiro
principal».
Por seu turno, o artigo 24.o estabeleceu a possibilidade de serem determinadas as categorias que subsistem, nos termos do artigo 106.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro'.
Foi o que veio a ocorrer com o Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro, cujo artigo 6.o, sob a epígrafe «Categorias subsistentes», consignou o seguinte:
«1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, as categorias de enfermeiro chefe e de enfermeiro-supervisor da carreira de enfermagem, previstas no Decreto-Lei n.o 437/91, de 8 de novembro
Esta disposição, inserida em diploma entretanto revogado pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, com ressalva das disposições transitórias entre as quais se inclui, previa que, em caso de impossibilidade de transição dos trabalhadores «em virtude do grau de complexidade funcional e, ou, do conteúdo funcional da carreira em que se encontram integrados ou da categoria de que são titulares e, ou, das regras do reposicionamento remuneratório», as categorias correspondentes subsistem nos termos em que atualmente se encontram previstas.
MORAIS LEITÃO
Assim:
À data da criação da respetiva categoria pelo Decreto-Lei n.° 437/91, os enfermeiros supervisores distinguiam-se dos enfermeiros chefes por exercerem funções, que apelidaríamos de direção”, que envolviam a supervisão e avaliação destes últimos, bem como uma colaboração próxima com o cargo de enfermeiro diretor, o qual era nomeado de entre enfermeiros da categoria de enfermeiros supervisores, mas já não da categoria de enfermeiros chefes; As categorias, e as diferenças entre as categorias, de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor mantiveram se em virtude de ter sido determinado, pelo Decreto-Lei n.° 122/2010, que essas mesmas categorias subsistiriam nos termos previstos no Decreto-Lei n.o 437/91.
O Decreto-Lei n.° 71/2019 veio, no entanto, introduzir alterações muito significativas em relação à situação do pessoal incluído na categoria dos enfermeiros supervisores, por comparação com a do pessoal abrangido na categoria dos enfermeiros chefes.
Entre essas alterações cabe destacar as seguintes:
As categorias da carreira especial de enfermagem passaram a ser três, isto é, os enfermeiros, os enfermeiros especialistas e os enfermeiros gestores (artigo 7.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do artigo 4.o do Decreto-Lei n.° 71/2019); As funções de direção passam a ser exercidas, na sequência de procedimento concursal, por enfermeiros gestores com pelo menos três anos de antiguidade nessa categoria (artigo 18.°, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 248/2009, na redação do artigo 4.o do Decreto-Lei n.° 71/2019);
2 Que não se confundem com as exercidas no cargo de enfermeiro diretor.
Ml

iv)
Procedeu-se à densificação do conteúdo funcional da nova categoria de enfermeiro gestor em termos substancialmente idênticos aos do conteúdo funcional da categoria de enfermeiro chefe, nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 437/91 (cf. artigos 10.0-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do Decreto-Lei n.o 71/2019, e 8.', n.o 1, do Decreto-Lei n.° 437/91), conforme se retira da tabela constante do Anexo 1 ao presente parecer; Para além disso, procedeu-se à densificação das competências do enfermeiro com funções de direção em termos substancialmente idênticos ao conteúdo funcional da categoria de enfermeiro supervisor, nos termos previstos no Decreto-Lei n.o 437/91 (cf. artigos 18.°-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do Decreto Lei n.° 71/2019, e 8.', n.° 2, do Decreto-Lei n.o 437/91), conforme se retira do da tabela constante do Anexo 2 ao presente parecer; Determinou-se a transição automática, e com dispensa de quaisquer formalidades, dos enfermeiros chefes e dos enfermeiros supervisores para a categoria de enfermeiro gestor (artigo 8.°, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 71/2019); Finalmente, revogou-se o artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, que previa a subsistência das carreiras de enfermeiro chefe e de enfermeiro supervisor, previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 (artigo 12.o, alínea c), do Decreto-Lei n.° 71/2019].
vi)
Por outras palavras, antes do Decreto-Lei n.° 71/2019, as categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor da carreira especial de enfermagem mantiveram-se com o conteúdo funcional previsto no Decreto-Lei n.o 437/91, não obstante as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 248/2009, em virtude da sua determinação como categorias subsistentes, nos termos do Decreto-Lei n.° 122/2010.
Todavia, o Decreto-Lei n.° 71/2019 eliminou a manutenção das duas categorias como subsistentes, revogando o artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, integrou os enfermeiros chefes e os enfermeiros supervisores na nova categoria de enfermeiros gestores, ao mesmo tempo que definiu o conteúdo funcional desta última em termos idênticos aos previstos no diploma de 1991 para a categoria de enfermeiro chefe. Por outro lado, as funções que até aí eram exercidas pelos enfermeiros supervisores passaram a ser exercidas apenas pelos enfermeiros com cargos de direção.

Isto significa que ao serem integrados na nova categoria de enfermeiro gestor os enfermeiros supervisores passam a ter um conteúdo funcional igual aos dos enfermeiros chefes, isto é, passam a ter um conteúdo funcional próprio de uma categoria inferior àquela de que transitaram.
Para além disso, os enfermeiros com funções de direção (ou seja, os que assumirem cargos de direção, na sequência de concurso) passam a ter competências correspondentes ao conteúdo funcional próprio da categoria de enfermeiro supervisor.
Deste modo, tudo se passa como se os enfermeiros supervisores fossem despromovidos para a categoria de enfermeiro chefe, uma vez que a nova categoria de enfermeiro gestor para a qual transitaram tem um conteúdo funcional igual ao daquela última, tendo que sujeitar-se a um procedimento concursal para o exercício de funções de direção, o que é o mesmo que dizer, para o exercício de competências correspondentes àquelas que estavam abrangidas pelo conteúdo funcional da sua categoria antes da transição para a nova categoria de enfermeiro gestor (e que efetivamente exerciam).
Seria dificil pensar num caso mais flagrante de violação da categoria do trabalhador, baixando-a para uma categoria inferior. Este comportamento, caso fosse adotado diretamente pelo empregador público, seria, sem dúvida, violador da garantia dos trabalhadores em funções públicas previsto no artigo 72., n.° 1, alínea e), da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho. Estando em causa uma atuação do legislador, deve a mesma ser confrontada com o disposto na Constituição, em especial com o princípio da proteção da confiança.
Antes, porém, de se avançar para uma avaliação jurídico-constitucional da medida legislativa em causa, importa averiguar em que medida o abaixamento da categoria dos enfermeiros supervisores através da respetiva transição para a categoria de enfermeiros gestores, com um conteúdo funcional idênticos ao da antiga categoria de enfermeiros chefes, põe em causa os próprios princípios que enformam a relação de emprego público, ou, em termos mais gerais, e na parte em que esta se rege dos mesmos princípios, põe em causa os princípios que enformam a relação jurídica de trabalho, designadamente como a nossa doutrina e jurisprudência os vêm entendendo.


3. A situação jurídica dos enfermeiros supervisores
A Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, adiante LGTFP) estabelece um regime próprio em matéria de conteúdo funcional da atividade dos trabalhadores, mas comunga com o Código de Trabalho de uma regra comum: a proibição da despromoção ou desvalorização profissional.
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MORAIS L
GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS
Estabelece o artigo 80.", n.o 1 da LGTFP que a «cada carreira, ou a cada categoria em que se desdobre uma carreira, corresponde um conteúdo funcional legalmente descrito», acrescentando o n.o 2 que «o conteúdo funcional de cada carreira ou categoria deve ser descrito de forma abrangente, dispensando pormenorizações relativas às tarefas nele abrangidas».
Acrescenta o artigo 81.° que «a descrição do conteúdo funcional nos termos do artigo anterior não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional», admitindo assim que estas funções afins sejam exercidas a título principal, e não apenas acessório, ao contrário do que estabelece o Código do Trabalho, mas, como limite, o de que isso não acarrete uma desvalorização profissional.
Na mesma linha, o artigo 72.o, n.o 1, alínea e) da referida lei determina que é proibido ao empregador «baixar a categoria do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei» (sendo que nos termos do Código do Trabalho a mudança do trabalhar para categoria inferior só pode ser feita mediante acordo do mesmo).
Em matéria de mobilidade, matéria na qual a relação jurídica de emprego público enforma de especificidades relevantes relativamente ao Código de Trabalho, a lei estabelece também que «a mobilidade intercarreiras ou categorias depende da titularidade de habilitação adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição» (artigo 93.°, n.° 1 ), e acrescenta que «quando a mobilidade opere para categoria inferior da mesma carreira ou para carreira de grau de complexidade funcional inferior ao da carreira em que se encontra integrado ou ao da categoria de que é titular, o acordo do trabalhador nunca pode ser dispensado» (artigo 94.o, n.o 2).
Encontramos, assim, na jurisprudência, diversos acórdãos em que se procede à análise da licitude da alteração do conteúdo das funções atribuídas a trabalhadores em funções públicas, analisando com generosidade essa possibilidade, mas afirmando sempre como limite o de que a alteração não corresponda a uma desvalorização profissional.


Veja-se por exemplo, concluindo pela inexistência de uma despromoção, o Acórdão do TCA Norte de 20-3-2015, processo 00097/13.3BECBR (a propósito do anterior regime jurídico que, nesta matéria era idêntico ao atual): «Por um lado, note-se que o artigo 113.° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, e aplicável ao caso dos autos, deve ser lido conjugadamente com o disposto na lei que aquele regime veio regulamentar, ou seja, a Lei n.° 28-A/2008, de 27 de fevereiro, que veio definir e regular os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. Ora, de acordo com o disposto na citada Lei n.° 28-A/2008, os trabalhadores contratados por tempo indeterminado exercem as suas funções
BE
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA W ASSOCIADOS


não outras) e de irreversibilidade (impossibilidade de lhe ser atribuída categoria inferior à que detiver em determinado momento)». E concluía: «um principio inafastável no dominio em análise é que não cabe qualquer ato da autoridade administrativa competente ou do superior hierárquico do funcionário que represente um prejuízo para o desenvolvimento da carreira do funcionário»4.
Ora, mesmo considerando a generosa dimensão que a jurisprudência reconhece ao conteúdo funcional que pode ser atribuído a um trabalhador em funções públicos, não existem dúvidas de que, numa situação paralela à aqui em apreço decidida por um empregador, ou por uma norma regulamentar, a jurisprudência concluiria pela existência de uma desvalorização profissional (e assim pela ilegalidade da decisão ou norma em causa), uma vez que se trataria de determinar que os enfermeiros supervisores passassem a exercer funções equivalentes às da categoria inferior (as de enfermeiro chefe), e podendo aceder às funções que exerciam mediante concurso (o que significa que nem sequer esse acesso lhes seria garantido, uma vez que o concurso seria sempre para lugares escassos).
Refira-se a esse propósito, embora em matéria de contrato de trabalho, um caso em que foram retiradas ao trabalhador funções de direção e orientação, equiparando-o aos trabalhadores que estavam sob sua orientação, no qual, já em 1997, decidia o STJ no Acórdão de 16.11.1994, proc. 004237, que «o trabalhador tem direito a exercer uma atividade correspondente à categoria para que foi contratado. A entidade patronal, ao retirar aos Autores as funções de direção e orientação, coordenação técnica e disciplinar que exerciam, igualando-os àqueles trabalhadores que estavam sob a sua orientação disciplinar, levou a cabo uma efetiva e real despromoção dos Autores, desrespeitando, assim o direito que lhes assistia, nos termos do artigo 59.° da Constituição da República e dos artigos 19, 21, 22, 23, 24 e 43 LCT). Poderia ter sido escrito para o nosso caso.
Em matéria de reestruturação de empresa, afirmou também o STJ no Acórdão do STJ, 24.04.2002, proc. 025567, que «no caso de restruturação de empresa, os trabalhadores devem ser colocados em cargos equivalentes aos que vinham exercendo, atendendo-se para isso às tarefas nucleares de cada categoria profissional, não sendo legalmente permitido que de qualquer reestruturação resulte para o trabalhador uma despromoção.»
Embora isso extravase o âmbito do presente parecer, pode referir-se que nesta matéria a doutrina vai mesmo mais longe e defende que aquilo que a lei estabelece é um direito dos trabalhadores a «progredirem ou ascenderem nas respetivas categorias e/ou atingirem posições remuneratórias superiores, atendendo ao seu mérito e ao seu tempo de serviço. O direito de progressão no posto de trabalho está previsto na alinea e) do n.o 1 do artigo 79.o da LTFP e do n.o 4 do artigo


4. Conformidade jurídico-constitucional das normas do artigo 18.o do Decreto-Lei n.° 247/2009,
na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 71/2019, e do artigo 8.°, n.o 1, deste último diploma
As exigências dos princípios da boa-fé e da confiança dirigem-se, não apenas à Administração Pública, através do princípio da boa-fé consagrado no artigo 266.°, n.°2, da Constituição e no artigo 6.o-A do CPA, mas também ao legislador, o qual não pode deixar de os observar nas modificações do ordenamento que decida efetuar; por outras palavras, o legislador está vinculado aos princípios em causa no desempenho da sua atividade o que significa que tais princípios levantam limites à atividade legislativa.
5 Os direitos e os deveres do trabalhador público, Feliciano Santinho, in Direito das Relações Laborais na Administração Pública, CEJ, 2018, p.377, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo fiscal/eb DRLAP 2018.pdf
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De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional a violação do princípio da confiança pelo legislador pressupõe que sejam postas em causa «expetativas legitimamente fundadas» dos particulares, que essa afetação de expectativas <constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar» e ainda que a mesma afetação não haja sido determinada «pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes», havendo que recorrer, quanto à determinação de tal prevalência, ao princípio da proporcionalidade (cf. Acórdão n.° 287/90, do Tribunal Constitucional).
Posteriormente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.o 158/2008 veio tornar claro que a exigência de a afetação de expectativas constituir uma mutação da ordem jurídica com que os destinatários das normas não pudessem razoavelmente contar foi estabelecida «para situações em que os cidadãos detinham apenas meras expectativas legitimas, sendo obviamente distinta a situação quando estejamos perante situações de direitos já completamente formados e, ainda mais, de direitos já exercitados».
Na linha do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 128/2009, são os seguintes os requisitos que devem verificar-se para invocar uma violação do princípio da confiança: (i) o legislador adotar comportamentos capazes de gerar nos particulares expetativas de continuidade; (ii) essas expetativas serem legítimas e justificadas; (iii) os particulares terem feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento do legislador; (iv) não ocorrerem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a expetativa dos particulares ou do direito atribuído ao respetivo titular.
Em primeiro lugar, parece claro que o legislador adotou, através do artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, comportamentos capazes de gerar expectativas de continuidade, através da consideração das categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 como categorias subsistentes.
Em segundo lugar, nem sequer estamos perante simples expectativas legítimas, mas verdadeiros direitos subjetivos atribuídos com base na lei e sucessivamente garantidos pela lei. Com efeito, se expectativa houve a mesma consubstanciou-se no artigo 24.o do Decreto-Lei n.° 248/2009, que consignou que «[e]m diploma próprio podem ser determinadas as categorias que subsistem, nos termos do artigo 106.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro». O Decreto-Lei n.° 122/2010 transformou tal expectativa num verdadeiro direito subjetivo.
Em terceiro lugar, parece claro que os particulares, isto é, os enfermeiros supervisores da carreira especial de enfermagem abrangidos pelo âmbito de aplicação dos diplomas aqui em causa, fizeram planos de vida tendo em conta a perspetiva da continuidade de comportamento do legislador. Por outras palavras, os enfermeiros em causa confiaram que a
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determinação das categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor previstas no Decreto-Lei n.° 437/91 como categorias subsistentes, de acordo com o artigo 6.o do Decreto-Lei n.° 122/2010, seria respeitada pelo Decreto-Lei n.o 71/2019.
Em quarto lugar, não ocorre uma razão de interesse público que justifique em ponderação, a não continuidade do respeito das categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor como categorias subsistentes.


Parece, assim, claro, em função do exposto, que as normas dos artigos 10.0-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do Decreto-Lei n.° 71/2019, 18.o-B do Decreto-Lei n.° 248/2009, na redação do Decreto-Lei n.° 71/2019, 8., n.o 1, do Decreto-Lei n.° 71/2019 e artigo 12.o, alínea c), do Decreto-Lei n.° 71/2019 consubstanciam uma clara violação do princípio da proteção da confiança, insito no artigo 2.o da Constituição.
A violação do princípio da proteção da confiança ocorre, quanto à primeira norma indicada (novo artigo 10.0-B do Decreto-Lei n.° 248/2009), por esta envolver uma determinação do conteúdo funcional da nova categoria de enfermeiro gestor em termos substancialmente idênticos aos do conteúdo funcional da categoria de enfermeiro chefe, nos termos previstos no Decreto-Lei n.°437/91. Por outras palavras, tudo se passa como se o enfermeiro supervisor transitasse, afinal, para uma categoria --a de enfermeiro chefe - inferior àquela que atualmente ocupa.
Quanto à segunda norma (novo artigo 18.0-B do Decreto-Lei n.° 248/2009), a violação do identificado princípio constitucional ocorre em virtude de a mesma proceder a uma densificação das competências do enfermeiro com funções de direção em termos substancialmente idênticos ao conteúdo funcional da categoria de enfermeiro supervisor, nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 437/91. Ou seja, o enfermeiro supervisor tem atualmente de se submeter a concurso para exercer funções que correspondem já à categoria de que transitou.
Finalmente, as terceira e quarta normas [artigos 8.°, n.o 1, e 12.", alínea c), do Decreto-Lei n.° 71/2019) enfermam do mesmo vicio de inconstitucionalidade porquanto eliminam as categorias de enfermeiro chefe e de enfermeiro supervisor, previstas no Decreto-Lei n.o 437/91, determinando a transição automáticas dos enfermeiros providos naquelas categorias para a nova categoria de enfermeiro gestor, sem retirar todas as consequências da consideração daquelas categorias, agora eliminadas, como subsistentes nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Seria, em suma difícil encontrar um caso mais claro de violação do princípio da confiança pelo legislador, evidenciado à saciedade, aliás, pela simples consideração da evolução legislativa ocorrida quanto às categorias de enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor da carreira especial de enfermagem.
laco
MORAIS LEITÃO GALVÃO TELES, SOARES DA SILVA & ASSOCIADOS

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Proposta de redação legislativa que salvaguarde os direitos dos enfermeiros supervisores
Como é bom de ver, a questão de inconstitucionalidade aqui em causa coloca-se relativamente a todos aqueles que no momento da entrada em vigor da lei eram titulares da categoria de enfermeiro supervisor. A lei não estabeleceu nenhuma norma transitória que salvaguarde a respetiva situação profissional.
Importa assim ponderar como superar tal inconstitucionalidade.
Ora, afigura-se que a redação do diploma em questão não permite uma interpretação conforme à Constituição no sentido de entender que os atuais enfermeiros supervisores poderiam manter as funções de direção que vêm desempenhando, sem necessidade de se submeterem a concurso. Na verdade, como referido, a lei determina que para o exercício de tais funções será sempre necessário a submissão a um concurso e não estabelece qualquer exceção. Por sua vez, o artigo 8.o já referido limita-se a determinar a transição para a categoria de enfermeiro gestor, sem mais.
Será assim necessário aprovar uma norma transitória que salvaguarde a situação dos enfermeiros supervisores, e que lhes garanta que mantêm o conteúdo funcional que já lhes era reconhecido e que efetivamente correspondia às funções que exerciam (mantendo assim as funções de direção ainda que as mesmas corresponda ao que hoje a lei determina).
Nestes termos, para assegurar a constitucionalidade do diploma em apreço no que se refere aos enfermeiros supervisores sugerimos que seja alterado o artigo 8.", n.o 1 do Decreto-Lei n.o 71/2019, de 27 de maio, nos termos seguintes:
Artigo 8.
Transições
1.
2.
[atual n.° 1] Os trabalhadores enfermeiros titulares da categoria de enfermeiro supervisor que transitam para a categoria de enfermeiro gestor nos termos do número anterior mantêm as funções de direção, as quais passam a ter o conteúdo funcional previsto no artigo 18.°- B do Decreto-lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, sem necessidade de abertura de procedimento concursal

3. Só será aberto procedimento concursal para o exercício de funções de direção para os lugares de direção não
preenchidos pelos enfermeiros referidos no número anterior ou quando vagarem os lugares ocupados pelos
mesmos. 4. [atual n.° 2] 5. [atual n.°3] 6. O disposto no presente artigo, com exceção dos n.os 1, 2 e 3, aplica-se aos trabalhadores enferineiros com
contrato de trabalho celebrado com entidades públicas empresariais do setor da saúde, exceto se abrangidos por
instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que regule a estrutura da correspondente carreira. 7. [atual n.° 5]
Lisboa, 24 de setembro de 2019





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