quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

NÃO É POR FALAR QUE DEVE SER CASTIGADO


Parlamento recusa petição contra Sócrates na RTP por ser ilegal

Parecer negativo foi aprovado por unanimidade. Petição chegou às 138 mil assinaturas.
O antigo primeiro-ministro assina um espaço de comentário semanal aos domingos na TV pública ENRIC VIVES-RUBIO



A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprovou nesta quarta-feira um parecer negativo sobre uma petição contra o programa do ex-primeiro-ministro José Sócrates na RTP. A petição reuniu 138 mil assinaturas online e deu entrada na Assembleia da República a 14 de Janeiro deste ano.
O parecer, elaborado pela deputada do PS Isabel Moreira, sustenta que a petição "é manifestamente ilegal", à luz da Constituição, designadamente dos artigos sobre liberdade de expressão e da entidade que regula os órgãos de comunicação social. Hugo Velosa, do PSD, corroborou a ideia de ilegalidade da iniciativa.
"Esta é uma petição impossível de discutir e entra na ilegalidade. Não podemos impor que os órgãos de comunicação social sejam impedidos de ouvir quem quer que seja", afirmou.
Na mesma linha, o deputado do PCP João Oliveira concorda com o parecer, mas lembra que os peticionários não reclamam nenhuma posição por parte da Assembleia da República, dizendo que se recusam a aceitar a presença de Sócrates na RTP. "A fundamentação encontrada [no parecer] pode ser excessiva", sustentou.
Uma posição contrariada por Isabel Moreira, que considera haver um "pedido explícito" na petição. "Ou é platónico ou tem um pedido explícito", afirmou a deputada socialista.
Depois de o parecer ser aprovado por unanimidade, o próprio presidente da comissão, Fernando Negrão, disse congratular-se com a votação, já que um resultado diferente "seria compactuar com a limitação de direitos".
A petição deu entrada na Comissão de Ética, mas esta câmara decidiu que o parecer devia ser elaborado pelos deputados de Assuntos Constitucionais. Na iniciativa, os subscritores dizem recusar a presença do primeiro-ministro na RTP, por ser paga com o dinheiro dos contribuintes, e por considerarem que houve "gestão danosa" por parte de José Sócrates no exercício do cargo.
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Estudo mostra que boys ajudam a controlar administração pública

Tese de doutoramento de investigadora de Aveiro analisou 11 mil nomeações em 15 anos e concluiu que a maioria serviu para recompensar lealdades partidárias.
Estudo confirma cargos por recompensa política DANIEL ROCHA
Acabado de tomar posse como primeiro-ministro, em 1995, António Guterres prometia que ia acabar com os jobs for the boys, ou seja, que as nomeações para cargos públicos iam deixar de obedecer a critérios partidários. Quase 20 anos depois, um estudo, cuja análise começa em 1995, revela precisamente que as nomeações para os cargos dirigentes na administração pública são influenciadas pelos partidos políticos.
Na investigação da Universidade de Aveiro (UA) foram detectados dois tipos de motivações por trás das nomeações para cargos na cúpula da administração central: o “controlo de políticas públicas” e a “recompensa por serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos”, segundo a autora, Patrícia Silva. “É difícil dizer que uma nomeação ocorra só por causa de um dos motivos, que por vezes se conjugam”, explica ao PÚBLICO.
As conclusões apoiam-se numa base de dados de 11 mil nomeações e em entrevistas a “51 dirigentes políticos, ministros e observadores privilegiados da política portuguesa”, que, “na sua larga maioria, confirmam essa influência partidária”. “Há um alinhamento [ideológico] entre os partidos que estão no governo e as pessoas à frente” da administração pública, nota Patrícia Silva. A investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA justifica esta realidade com a necessidade de os governos terem um programa para executar.
Para além disso, há o recurso por parte dos governos à informação. “Há uma preocupação de a pessoa que foi nomeada contactar o ministro antes de tomar uma decisão”, observa a autora do estudo Novos dilemas, velhas soluções? Patronagem e governos partidários. A influência é exercida mesmo “quando o ministro não consegue nomear a cabeça da instituição”, acabando por indicar pessoas para cargos mais baixos.
Por outro lado, “as motivações de recompensa surgem associadas às posições hierárquicas intermédias e a posições nos gabinetes ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista financeiro”, conclui a investigação, que incide sobre um período temporal que abarca dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD-CDS (Durão Barroso/Santana Lopes).
O estudo compara ainda, ao nível legislativo, várias realidades de outros países e a autora verificou que a influência partidária nas nomeações para cargos públicos “não é exclusiva de Portugal”. “Nos casos de uma administração pública permanente como no Reino Unido, os ministros sentem-se desconfortáveis em trabalhar com essas administrações, nomeiam special advisors e contornam estas limitações”, explica Patrícia Silva.
“Impacto económico tremendo”
A influência dos partidos nas nomeações na administração pública é “uma realidade conhecida e um dos maiores problemas do país, com um impacto económico tremendo”, observa o vice-presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica, Paulo Morais, em declarações ao PÚBLICO.
“Só por milagre um boy de uma juventude partidária, habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num organismo público”, critica Morais. O investigador reconhece que “há milagres, mas a regra é que [os nomeados] tomem decisões incompetentes e erradas”.
O dirigente da TIAC admite que, no “círculo mais restrito da execução de políticas, se recrutem pessoas de confiança [dos governos], mas sempre com competência”, sublinhando que “esse critério da confiança faz sentido num universo de cem pessoas, não de cem mil”.
O actual Governo lançou, em 2012, as bases de uma reforma do regime de selecção para cargos públicos, com a fundação da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). O objectivo é escrutinar de forma mais eficaz o processo de recrutamento para cargos públicos, ou seja, tentar acabar com os jobs for the boys, como havia prometido Guterres.
“A tendência é valorizar o mérito e não a fidelidade”, garante ao PÚBLICO o presidente da Cresap, João Bilhim. O responsável não se mostra surpreendido com as conclusões do estudo. “O último Governo de Sócrates assumiu isso [nomeações influenciadas por partidos] como um dado”, observa.
Bilhim afirma que a administração pública vai deixar de estar dependente dos partidos no governo, algo que é garantido pela própria legislação que prevê cargos de cinco anos. “Digo nas entrevistas que não estamos a recrutar políticos, mas sim profissionais capazes de lidar com todas as cores políticas”, afirma o presidente da Cresap.
Paulo Morais considera ainda ser cedo para se fazer uma avaliação do novo paradigma, mas nota que, “em teoria, é melhor que o anterior”. “A questão é saber se vem romper com o modelo anterior ou se o vai branquear.”

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