segunda-feira, 10 de março de 2014

O EMPREENDEDOR+ISMO


O que une e separa a inglesa Virgin e a minhota Betweien

Para dois investigadores da Universidade de Coimbra, dirigentes do BE, o empreendedorismo dá “sentido à ‘grande transformação’” na sociedade. Mas muito empreendedorismo não é sinal de desenvolvimento.
Os dois doutorandos contaram as vezes que a palavra empreendedorismo surgiu nos programas dos partidos com lugar no Parlamento RENATO CRUZ SANTOS
Sir Richard Branson, fundador do grupo Virgin, já proclamou 2014 “O Ano do Empreendedor”. A palavra tornou-se omnipresente. Uma campanha contra o seu uso abusivo até foi lançada pela Betweien, uma empresa spinoff da Universidade do Minho. Durante todo o primeiro trimestre deste ano, é proibido proferir essa palavra dentro das suas instalações. Quem prevaricar paga um euro.Primeiro, os sociólogos José Soeiro e Adriano Campos entenderam que o empreendedorismo se tornara num dos conceitos fulcrais nas políticas de promoção de emprego. Depois, puseram-se a analisar o seu uso na política, na economia, na educação, na formação. Deverão apresentar o trabalho, que aqui se adianta, no congresso nacional de sociologia, em Abril, em Évora.
A palavra está longe de ser neutra. Os dois doutorandos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra contaram quantas vezes surgiu nos programas de partidos com lugar na Assembleia da República. No do PSD, 29 vezes, no do CDS, oito, no do PS cinco, nos da CDU e do BE zero. Já precariedade aparece 15 vezes no programa da CDU, 10 no do BE, uma nos do PS e PSD, zero no do CDS.
No programa do PSD, cita Campos, lê-se que o partido “interiorizou que o empreendedorismo é uma revolução silenciosa que será no século XXI mais importante que a revolução industrial foi no século XIX”. Já no Governo, criou uma secretaria de Estado do Empreendedorismo, entretanto transformada em Inovação, um conselho nacional, presidido pelo primeiro-ministro, uma série de medidas específicas.
Presente em documentos legais, o empreendedorismo atravessa o discurso de associações, fóruns empresariais, institutos públicos. Tornou-se, diz Soeiro, que é dirigente do BE, “um conceito central do imaginário económico e do quadro semiótico a partir do qual a sociedade se pensa a si própria”. “A nossa hipótese é que o sucesso se poderá compreender pelo modo como este conceito permite dar um sentido à ´grande transformação’ que está em curso, explicando a erosão da condição salarial, o processo de precarização do trabalho, as novas formas de gestão flexível ou o desmantelamento do Estado Social, precisamente através do ideal do indivíduo autónomo e criativo”, explica.
Segundo Campos e Soeiro, o discurso sobre empreendedorismo parte de um diagnóstico determinista: a passagem de uma era de emprego para uma era de trabalho. E aponta um caminho capaz de superar tamanho obstáculo: o “espírito empreendedor”, mistura de criatividade, iniciativa, flexibilidade, independência, tolerância à incerteza, capacidade de assumir riscos, sentido de liderança, que faria do empreendedor uma espécie de super-homem.
Concluíram isso depois de analisar manuais dos cursos do Instituto de Emprego e Formação Profissional e de assistir a algumas formações da responsabilidade da Associação de Jovens Empresários. Numa delas, numa feira, no Porto, encontraram um antigo vendedor de automóveis, com microfone de lapela, frente a uns 90 estudantes e desempregados, a maior parte do sexo feminino, a dizer: “Se calhar há muito desemprego porque andamos todos à procura de emprego!”
“O sucesso é uma questão de atitude”, apregoava o tal formador. “Se querem ter sucesso, têm de seguir a fórmula MET ao quadrado.” Que significava aquilo? As pessoas avançaram várias hipóteses, mas foram incapazes de acertar. No fim, ele desvendou a “fórmula do sucesso”: “Mexam Esse Traseiro ao quadrado!”
É como se, depois de terem estado naquela sala, com aquele homem, a receber aquela lição, o sucesso ou insucesso de cada uma daquelas pessoas dependesse de cada uma daquelas pessoas. Não interessaria tanto o contexto económico, a flutuação do mercado laboral, o sentido das políticas públicas, mas as suas predisposições individuais, as suas competências, o seu comportamento, diz Soeiro.
Parece-lhe haver uma socialização precoce desta narrativa. Multiplicam-se cursos para crianças e adultos. Os investigadores depararam-se até com um curso para bebés: a prometer desenvolver, com os pais, “comportamentos e atitudes chave” que ajudarão o respectivo filho a ser um empreendedor.
O ministro da Educação, Nuno Crato, anunciou que está a preparar modos de incluir no ensino básico e secundário temas como empreendedorismo, criatividade e inovação. Não falou em criar novas disciplinas, mas em aproveitar as que existem para discutir “temas de empreendedorismo e desenvolver a criatividade através de projectos próprios que ensinem a participar no futuro da vida económica".
Há pelo menos 338 unidades curriculares de empreendedorismo no ensino superior – boa parte deles nas universidades públicas. Já há até diversos mestrados a decorrer – com os nomes de “empreendedorismo”, “empreendedorismo económico”, “empreendedorismo social”.
No entender destes dois investigadores, esta “concepção individualista e comportamental na abordagem dos problemas sociais, como o desemprego e a pobreza, está a contaminar as políticas sociais”. O trabalho ganhou um estatuto de “única forma de respeitabilidade social”. Apesar de não haver emprego, toda a gente tem de trabalhar. “Um indivíduo que recebe um apoio social e não faz qualquer coisa – quanto mais não seja limpar uma mata – não é merecedor desse apoio social”, enfatiza Soeiro, numa alusão a medidas como a de “actividade socialmente útil”, um programa que convoca beneficiários de rendimento social de inserção para trabalhar sem cobrar até 15 horas por semana distribuídas por três dias para entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos.
Subjacente ao discurso do empreendedorismo, torna, está “uma espécie de utopia liberal de uma sociedade de empresários”. Portugal, lembra, até “tem um número particularmente alto de trabalhadores independentes e de empresários em nome individual”. Todavia, em grande parte dos casos, tal situação não é mais do que uma forma de associar um vínculo precário a funções subordinadas.
Ter muita gente a trabalhar por conta própria nem sequer é um indicador de desenvolvimento. “É nos países mais pobres que há mais auto-emprego”, remata. É que “há menos planeamento, menos capacidade de investimento, menos concentração e massa crítica”. Eis alguns exemplos: no Gana, por exemplo, 67% da população activa, no Bangladesh 75%, na Noruega 7%, nos EUA 9%.
Os judeus entre os fantasmas do passado, a extrema-direita e a Rússia
Várias organizações têm em curso programas de apoio caso a situação piore na Ucrânia. Há judeus nos dois lados da barricada do conflito e que foram alvo de violência, mas ninguém sabe bem de que lado.Dmitro Iarosh, líder do Sector Direito, movimento abertamente anti-semita DAVID MDZINARISHVIL/REUTERS
O ambiente de medo dos judeus na Ucrânia ficou bem resumido numa frase de um dos principais líderes religiosos da comunidade, aconselhando aos judeus para deixarem Kiev e a Ucrânia. “Não queremos tentar o destino”, disse Reuven Azman. A Agência Judaica, organização que gere a imigração para Israel dos judeus da diáspora, já disse que tem um mecanismo de ajuda pronto a ser usado caso seja necessário. Mas há quem sinta que a questão judaica está a ser usada para a luta entre dois campos, um pró e outro anti-Rússia.
A violência aumentou. Houve ataques a sinagogas, em Kiev e no Sul da Ucrânia – pedras a partir vidros, cocktails Molotov contra a entrada, graffiticom suásticas e as palavras “morte aos judeus”. Dois estudantes de uma yeshiva (escola religiosa) foram espancados na capital.
Os fantasmas regressaram. Afinal foi na Ucrânia (Odessa, 1821) que houve o primeiro pogrom – o termo em russo que se tornou comum para descrever perseguições violentas a judeus na Ucrânia e Sul da Rússia entre 1881 e 1884, segundo o dicionário do Museu do Holocausto. Foi na Ucrânia, lembra o diário israelita Ha’aretz, que houve o julgamento Beilis: um judeu foi condenado pela morte de um rapaz de 12 anos, para alegadamente usar o seu sangue. Foi o último caso de acusação a um judeu por este “crime” na Europa – mas ainda hoje há peregrinações à campa do rapaz por pessoas que acreditam na veracidade do mito anti-semita.
Hoje haverá 200 mil judeus na Ucrânia. Apesar de pequena, é a terceira maior comunidade de judeus na Europa, e tem prosperado mesmo com a ameaça sempre a pairar. Uma das organizações que dão apoio aos judeus da Ucrânia desde a queda do comunismo, a JDC (American Jewish Joint Distribution Committee,) aumentou a distribuição de ajuda em toda a Ucrânia, e especialmente na Crimeia, e tem planos de contingência caso a situação piore, disse o porta-voz Michael Geller ao PÚBLICO.Também a Agência Judaica pôs ao dispor um mecanismo de emergência estabelecido depois de um ataque que matou um professor e três crianças judias em Toulouse, prevendo verbas para fortalecer a segurança – a organização não quis, no entanto, adiantar pormenores sobre os preparativos.
Aqui culpam sempre os judeus,
De Kiev, Josef Zissels, líder do Congresso Judaico Euro-Asiático e um dos líderes religiosos ucranianos, falou com o PÚBLICO ao telefone, numa mistura de alta voz e intérprete. Diz que há vários riscos para os judeus na Ucrânia: o primeiro são ataques espontâneos de multidões caóticas – “é um risco baixo, negligenciável”. O segundo tem que ver com “grupos radicais” que existem no país – é um que considera manter-se inalterado nos últimos anos, e também avalia como baixo. Para Zissels, o grande problema é outro: “O das provocações russas.”
Outros concordam. “Não acho que o anti-semitismo tenha piorado de repente”, comentou o rabino Yonathan Markovich, em declarações aoHa’aretz. “Aqui culpam sempre os judeus por qualquer problema. Há um ditado: 'Se não há água na torneira, é porque os judeus a beberam’”, conta. O rabino também suspeita de que, em alguns casos, os ataques possam ser obra de elementos pró-Moscovo, como um ataque a uma sinagoga da zona russa “que poderá ter sido uma provocação” com a intenção de desacreditar a oposição a Ianukovich.
O mesmo diz um antigo soldado israelita que comandou uma unidade de activistas na Praça Maidan, numa entrevista à Jewish Telegraphic Agency. À frente de uma unidade de 40 jovens homens e mulheres, Delta (que não quis revelar o seu verdadeiro nome) acha que há um objectivo de “desacreditar a revolução”. Essa foi aliás, nota, uma das razões para se juntar aos manifestantes. A outra foi ver “civis, sem qualquer preparação, serem trucidados por militares”. Curiosamente, Delta, de kippa (solidéu) sob o capacete, costuma ir à sinagoga de Azman, o rabino mais preocupado com o anti-semitismo.
Mas é inegável que palavras e símbolos usados por alguns dos activistas na Praça da Independência são abertamente anti-semitas e neonazis, como é o caso dos membros do Sector Direito, um movimento de extrema-direita radical que foi dos mais activos nas acções violentas da revolução da Maidan. Outro líder religioso ouvido pelo Ha’artez, o rabino Reuven Stamov, comenta que há “muitas coisas desagradáveis”, mas sublinha que “até agora tem havido uma distância entre palavras e acção”. Zissels acrescenta: “Há mais grupos neonazis na Rússia do que aqui na Ucrânia.”
Stamov acha que não é altura para ninguém ir embora. “Quando há uma revolução, é um período difícil para todos, não só judeus.”
Sublinhando que a comunidade não tem uma posição unificada e que está nos dois lados da barricada, o Ha’aretz diz que o dilema de muitos judeus na Ucrânia é como falar contra o anti-semitismo quando estão conscientes de que o que quer que digam pode ser usado por qualquer um dos lados para os seus próprios ganhos políticos.
Mark Levin, director da NCSJ, organização de apoio a judeus na Rússia, Ucrânia, Estados Bálticos e Eurásia, diz que “ninguém sabe toda a verdade” sobre quem estará por trás dos ataques, que não são, em sua opinião, surpreendentes. “O anti-semitismo é ainda, infelizmente, uma questão na Ucrânia. Piora e melhora.”

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