A jovem Margaret Sanger e o chamado “Birth Control”

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Amor ou Liberdade?  
Eu vi uma mulher dormindo. Em seu sono ela sonhava que a Vida estava em sua frente, trazendo um presente em cada uma das mãos, numa delas, trazia o Amor, na outra, a Liberdade. E ela disse à mulher: “Escolhe!” A mulher aguardou durante um longo tempo; por fim, ela disse: “A liberdade!” E a vida lhe respondeu: “Escolhestes bem. Se tivesse dito ‘o Amor’, eu teria te dado o que pedias; e teria me afastado de ti para nunca mais retornar.  Agora não está longe o dia em que retornarei, e neste dia te darei os dois presentes na mesma mão”.
Olive Schreiner (Poema inserido por Margaret Sanger no último capítulo do seu livro Pivot of civilization). 
Começamos nossa nova postagem com um poema no mínimo controverso. Ele foi utilizado por uma das pessoas que mais influenciaram a mentalidade contraceptiva mundial no último século. De certo poucos a conhecem, porém seu legado até hoje é motivo de grande pesar por todos que lutam pela vida. 
Não é o caso aqui aprofundarmos toda sua história, mas tão somente construir bases para entendermos o caminho do pensamento contraceptivo nos últimos tempos, passando sobretudo pelos pelos documentos do Sagrado Magistério que tratam do assunto, inclusive de como este pensamento tomou conta de alas dentro da própria Igreja. Infelizmente nesta trajetória não há como deixar de fora personagens que distoam do pensamento evangélico. 
Começamos refletindo na postagem anterior (ver aqui) que o século passado marcou profundamente o pensamento do homem em diversas áreas. Mesmo com os avanços tecnológicos, que teoricamente deveriam buscar o conforto e o bem-estar geral, a humanidade continua sem sentir a liberdade almejada. 
Muitos acreditavam que uma revolução sexual, com a quebra de “tabus”, traria ao homem a satisfação que romperia as marcas das frustrações e vazios implantados na humanidade. Mas como haver uma revolução sexual se junto com o sexo estava o risco da concepção? 
Esta tal “liberdade” não conseguiria ser bem sucedida se não fosse conquistado pela ciência o domínio sobre algo que o homem também não tinha poder, a procriação. 
“Resolvido o problema” com o advento dos métodos contraceptivos, a revolução sexual impulsiona o homem a encontrar a liberdade tão almejada pelo menos na sua sexualidade. Claro que os problemas continuaram, não se pode negar as mazelas causadas por alguns métodos à saúde feminina, às gravidezes indesejadas (os métodos não são 100% eficazes), e no meio de tudo isso, ao uso do abortamento como método contraceptivo.
Com os métodos contraceptivos a humanidade parecia enfim respirar aliviada, pois as conquistas sociais das revoluções do final do Século IX e início do Século XX não trouxeram a paz e liberdade para a humanidade. Porém o que vemos, e que assim como aquelas “conquistas”, a revolução sexual continua cravando na sociedade vazios interiores e desapegos a princípios e valores fundamentais para a alma.
E uma jovem teve um papel preponderante nesta história. 
Margaret Louise Higgins, mais conhecida como Margaret Sanger nasceu em 14 de setembro de 1879 em Corning, distriro de  Nova Iorque. Ela foi uma ativista feminista estadunidense do controle de natalidade e do direito ao aborto legal como método de controle populacional e para evitar nascimentos de crianças com doenças hereditárias graves.[1] 
Sanger se dizia sensível às queixas das mulheres por razões social, econômica ou de saúde, somando-se a essas necessidades, transformações resultantes da industrialização e da urbanização que as despertaram para reivindicar o direito à educação, ao voto e à regulação da fecundidade. Na Europa, especialmente na Inglaterra, o movimento foi liderado por Marie Stopes (RODRIGUES, 1990).[2]
Três linhas de pensamento foram formadas nesse período: a das feministas, que consideravam a contracepção um direito fundamental da mulher; a dos neomalthusianos que a defendiam como meio para melhorar a situação da pobreza; e a dos eugenistas, que viam no controle da natalidade um caminho para melhorar a qualidade genética (AVILA, 1992).[3]
Interessante é que Margaret Sanger era a sexta filha, de um total de onze filhos de sua mãe Purcell Higgins, católica fervorosa.
Para entendermos sua influencia neste processo seguem algumas datas importantes do seu ativismo: 
1912: Começa a escrever uma coluna no New York Call, entitulado “What Every Girl Should Know.” 
1916: Levou o governo americano a legalizar a contracepção; 
1917: Funda o periódico “Birth Control Review” 
1921: Funda a ABCL (American Birth Control League). 
1922: Publica o livro “Pivot of civilization” –resumido em: “Nós tranformaremos o mundo pela contracepção” 
1923: Abre a primeira clínica de controle de natalidade, com ajuda financeira crucial de John D. Rockefeller, Jr.‘s. No mesmo ano ela forma o Comite Nacional de Legislação Federal para o Controle da Natalidade (National Committee on Federal Legislation for Birth Control). 
1927: Sanger ajuda a organizar o primeiro World Population Conference in Geneva
Estas foram algumas das várias ações desta influente mulher, enquadrada por muitos pesquisadores no rol das 100 personalidades mais influentes do século XX, e que ainda lançou as bases e foi presidente durante alguns anos da Federação Internacional do Planejamento Familiar (“International Planned Parenthood Organization”). Com ajuda de grandes financiadores como os Rockefeller, tornou a IPPF na grande fomentadora das políticas contraceptivas e abortivas do mundo. 
Sanger também foi fortemente influenciada pela visão eugênica impregnada nas mesas dos pensadores norte americanos do início do século passado. Em Um Plano para a Paz (1932), Sanger propôs a criação de um departamento no Congresso Americano para: 
Manter as portas da imigração fechadas à entrada de certos estrangeiros cuja condição seja reconhecidamente prejudicial à força da raça, tais como retardados mentais e disléxicos, idiotas, lentos, loucos, portadores de sífilis, epiléticos, criminosos, prostitutas profissionais e outros nesta classe barrados pela lei de imigração de 1924.[4] 
E, seguindo: 
Aplicar uma estrita e rígida política de esterilização e segregação àquele grau da população cuja prole já seja manchada por algum defeito ou cujas características genéticas passadas de pai para filho sejam tais que traços censuráveis possam ser transmitidos aos descendentes[5]
A partir de Sanger o pensamento contraceptivo se espalha em larga escala pelo mundo inteiro, tanto pela influência da IPPF dentro da ONU, tanto pela descoberta da pílula em1958, assim como pelo início do uso do DIU em larga escala. 
O “Birth Control” transforma a opinião mundial, e muitos passam a crer na sexualidade livre da procriação e no prazer como único fim à sexualidade. Enfim a libertação sexual, para libertação feminina e da sociedade frente às normas vigentes. 
Porém nem todos se calam. 
A Igreja como sempre denuncia o pensamento contraceptivo, mesmo que para isso sua imagem frente a opinião pública mundial não seja bem vista. Trataremos deste assunto mais pra frente em outras postagens. 
Outros como o filósofo Paul Ricoeur, em 1960 atenta a humanidade para o risco da “mentalidade anticoncepcional”: 
Há, a princípio, aquilo que eu chamaria a queda na insignificância… Tudo o que torna o encontro sexual fácil favorece também a queda ao grau zero do sentido e do valor.[6] 
Ou ainda: 
Pode acontecer que amanhã o maior problema seja preservar o valor expressivo e significativo da sexualidade. Mas, se for este o problema de amanhã, não será já o problema de hoje?… os partidários do “birth control” deveriam estar conscientes de que a contracepção, considerada geralmente como uma simples técnica, contribui para precipitar a sexualidade na insignificância.[7] 
Continuaremos nosso trajeto até a Humanae Vitae nos próximos posts, mas antes, segue abaixo um outro texto de Pierre Chaunu e Georges Suffert para reflexão, até mais!!! 
 A Peste Branca [8] 
Nada anuncia as pestes. Na véspera , a cidade parece feliz; homens e mulheres vão ao trabalho, ao lazer, como fizeram, assim parece, desde a eternidade. No dia seguinte , a catástrofe, o impensável e o trágico tornam-se corriqueiros. Os homens e as mulheres abandonam suas esperanças e seus sonhos. O que adianta imaginar uma primavera, um amor, outros costumes, uma verdadeira justiça, pois o amanhã não terá mais lugar? 
A peste está aí. Uma das mais sorrateiras que o mundo jamais conheceu: a peste branca. Nenhum cadáver de rato anunciou a sua chegada. São as extravagâncias nos traçados das curvas do crescimento econômico, da inflação, da natalidade que atraíram a atenção dos cientistas, esses vigilantes. Eles retomaram os seus cálculos, verificaram as previsões feitas, interrogaram os seus colegas. As estatísticas lá estavam, duras como o sílex. Então alguns se inquietaram. Pois, como anunciar aos homens que mais uma vez a peste acaba de desembarcar? 
O que é a peste branca? A desesperança generalizada. A indiferença perante a vida, a recusa de todo o sistema de valores, o egoísmo apresentado como a mais refinada das belas-artes… os homens nunca morrem a não ser por idéias… e se eles decidem que a vida não tem sentido, a história muito menos, que o amor dos outros é impossível e o ódio sem objeto, se eles tiram as conseqüências lógicas desta série de instituições vagas – o dia de hoje, não mais lutar, não ter descendência – eles escolhem aquilo que é preciso chamar de suicídio coletivo. 

[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Margaret_Sanger  
[2]  COELHO, E. A. C. et al. O planejamento familiar no Brasil contexto das políticas de saúde: determinantes históricos.Rev.Esc.Enf.USP, v. 34, n. 1, p. 37-44, mar. 2000.
[3] Ibidem.
[4] Sanger, “A Plan For Peace”, Birth Control Review, April 1932, p. 106  
[5] ibidem  
[6] Paul Ricoer, “La merveille, l’errance, l’énigme”, Esprit, 28, 1960.  
[7] Paul Ricoeur, “Wonder, erotism and enigma”, Cross Currents, 14, 1964.  
[8] Pierre Chaunu e Georges Suffert, La peste blanche. Comment éviter le suicide de l’Occident, Paris, Gallimard, 1976.