Semelhante (AO MUNDO)
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Bocage, in 'Rimas'
E,
O VELHO DO RESTELO
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- Mas um velho, de aspecto venerando,
- Que ficava nas praias, entre a gente,
- Postos em nós os olhos, meneando
- Três vezes a cabeça, descontente,
- A voz pesada um pouco alevantando,
- Que nós no mar ouvimos claramente,
- C'um saber só de experiências feito,
- Tais palavras tirou do experto peito:
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- — "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
- Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
- Ó fraudulento gosto, que se atiça
- C'uma aura popular, que honra se chama!
- Que castigo tamanho e que justiça
- Fazes no peito vão que muito te ama!
- Que mortes, que perigos, que tormentas,
- Que crueldades neles experimentas!
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- — "Dura inquietação d'alma e da vida,
- Fonte de desamparos e adultérios,
- Sagaz consumidora conhecida
- De fazendas, de reinos e de impérios:
- Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
- Sendo digna de infames vitupérios;
- Chamam-te Fama e Glória soberana,
- Nomes com quem se o povo néscio engana!
97
- — "A que novos desastres determinas
- De levar estes reinos e esta gente?
- Que perigos, que mortes lhe destinas
- Debaixo dalgum nome preminente?
- Que promessas de reinos, e de minas
- D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
- Que famas lhe prometerás? que histórias?
- Que triunfos, que palmas, que vitórias?
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- Os Lusíadas, Canto IV, 94-97[5]
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