Miséria da Filosofia
Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon
Karl Marx
Capítulo II — A Metafísica da Economia Política
§ V — As Greves e as Coalizões dos Operários
"Todo movimento de alta nos salários não pode ter outro efeito senão o de uma alta do trigo, do vinho, etc., isto é, o efeito de uma escassez. Pois, que é o salário? É o preço de custo do trigo, etc.; é o preço integral de todas as cousas. Vamos ainda mais longe: o salário é a proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza e que são consumidos reprodutivamente todos os dias pela massa dos trabalhadores. Ora, dobrar os salários... é atribuir a cada um dos produtores uma parte maior que seu produto, o que é contraditório; e se a alta não atingir senão um pequeno número de indústrias, provocar-se-á uma perturbação geral nas trocas, numa palavra, uma escassez... É impossível, eu o declaro, que as greves seguidas de aumento de salários não levem a um encarecimento geral: isso é tão certo como dois e dois são quatro" (Proudhon, t. I, págs. 110 e 111).
Negamos todas estas asserções, menos que dois e dois são quatro.
Em primeiro lugar, não há encarecimento geral. Se o preço de todas as cousas dobrar ao mesmo tempo que o salário, não haverá alteração nos preços, haverá mudanças apenas nos termos.
Em segundo lugar, uma alta geral dos salários não pode jamais produzir um encarecimento mais ou menos geral das mercadorias. Efetivamente, se todas as indústrias empregassem o mesmo número de operários em relação com o capital fixo ou com os instrumentos de que elas se servem, uma alta geral dos salários produziria uma baixa geral dos lucros e o preço corrente das mercadorias não sofreria nenhuma alteração.
Mas como a relação entre o trabalho manual e o capital fixo não é a mesma nas diferentes indústrias, todas as indústrias que relativamente empregam uma maior massa de capital fixo e menos operários, serão forçadas, mais cedo ou mais tarde, a baixar o preço de suas mercadorias. No caso contrário, no qual o preço de suas mercadorias não baixa, seu lucro se elevará acima da taxa comum dos lucros. As máquinas não são trabalhadores assalariados. Assim, a alta geral dos salários atingirá menos as indústrias que empregam, em comparação com as outras, mais máquinas que operários. Mas a concorrência tendendo sempre a nivelar a taxa dos lucros, aqueles que se elevam acima da taxa ordinária, não poderiam ser senão passageiros. Assim, à parte algumas oscilações, uma alta geral dos salários trará em vez de encarecimento geral, como diz o sr. Proudhon, uma baixa parcial, isto é, uma baixa no preço corrente das mercadorias que se fabricam principalmente com o auxílio das máquinas.
A alta e a baixa do lucro e dos salários não exprimem senão a proporção na qual os capitalistas e os trabalhadores participam do produto de um dia de trabalho, sem influírem, na maior parte dos casos, sobre o preço do produto. Mas que "as greves seguidas de aumento de salários levem a um encarecimento geral, e mesmo a uma escassez" — são dessas ideias que não podem nascer senão no cérebro de um poeta incompreendido.
Na Inglaterra, as greves têm dado regularmente lugar à invenção e ao emprego de algumas máquinas novas. As máquinas eram, pode-se dizer, a arma que os capitalistas empregavam para abater o trabalho especializado em revolta. A self-acting mule [máquina de fiar automática], a maior invenção da indústria moderna, pôs fora de combate os fiandeiros revoltados. Mesmo que as coalizões e as greves não tivessem outro efeito senão o de fazer reagirem contra elas as consequências do gênio mecânico, elas teriam de qualquer modo exercido uma influência imensa sobre o desenvolvimento da indústria.
"Leio, continua o sr. Proudhon, num artigo publicado pelo sr. Léon Faucher... setembro de 1845, que depois de algum tempo os operários ingleses perderam o hábito das coalizões, o que é, sem dúvida, um progresso, pelo qual não devemos senão felicitá-los: mas acho que esta melhoria no moral dos operários decorre sobretudo de sua instrução em matéria econômica. Não é dos manufatureiros, exclamava no "meeting" de Bolton, um operário fiandeiro, que os salários dependem. Nas épocas de depressão os patrões não são, por assim dizer, senão o chicote de que se arma a necessidade, e queiram eles ou não, é preciso que o utilizem. O princípio regulador é a relação entre a oferta e a procura; e os patrões não têm este poder... Até que enfim, exclama o sr. Proudhon, eis os operários bem vestidos, operários modelos, etc., etc., etc. Esta miséria faltava à Inglaterra: ela não atravessará o estreito" (Proudhon, t. I, págs. 261 e 262).
De todas as cidades da Inglaterra, Bolton é aquela onde o radicalismo está mais desenvolvido. Os operários de Bolton, segundo se admite, não podiam ser revolucionários. Quando da grande agitação que se verificou na Inglaterra visando a abolição das leis relativas aos cereais, os fabricantes ingleses não acreditaram poder fazer frente aos proprietários territoriais sem pôr à frente os operários. Mas como os interesses dos operários não se opunham menos aos dos fabricantes que os interesses destes aos dos proprietários territoriais, era natural que os fabricantes levassem desvantagem nos comícios dos operários. Que fizeram os fabricantes? Para salvar as aparências, eles organizaram "meetings" compostos em grande parte de contramestres, de pequeno número de operários que lhes eram devotados e dos amigos do comércio propriamente ditos. Quando, em seguida, os verdadeiros operários tentaram, como em Bolton e em Manchester, participar do debate para protestarem contra estas demonstrações factícias, a entrada lhes foi proibida, com a alegação de que se tratava de um ticket-meeting. Entendem-se por esta palavra os comícios dos quais só podem participar pessoas munidas de ingressos. Entretanto, os cartazes, afixados nas paredes, haviam anunciado comícios públicos. Todas as vezes que havia reuniões como essas os jornais dos fabricantes apresentavam um noticiário vistoso e pormenorizado sobre os discursos pronunciados. Não é preciso dizer que eram os contramestres que pronunciavam esses discursos. Os jornais de Londres os reproduziam literalmente. O sr. Proudhon teve a infelicidade de tomar os contramestres por operários comuns e lhes dá a ordem de não atravessarem o estreito.
Se em 1844 e em 1845 as greves davam menos na vista do que antes, é porque 1844 e 1845 eram os dois primeiros anos de prosperidade para a indústria inglesa depois de 1837. Contudo, nenhuma das trade-unions havia sido dissolvida.
Ouçamos agora os contramestres de Bolton. Segundo eles, os fabricantes não são os donos do salário, porque eles não são os donos do preço do produto, porque não são os donos do mercado mundial. Por este motivo davam a entender que não era preciso fazer coalizões para tirar dos patrões um aumento de salário. O sr. Proudhon, ao contrário, proíbe-lhes as coalizões, receando que uma coalizão seja seguida por uma alta de salários, que ocasionaria uma carestia geral. Não temos necessidade de dizer que apenas num ponto há entendimento cordial entre os contramestres e o sr. Proudhon: é que uma alta de salários equivale a uma alta nos preços dos produtos.
Mas o receio de uma carestia será a verdadeira causa do rancor do sr. Proudhon? Não. Ele, de boa fé, não perdoa aos contramestres de Bolton o não determinarem o valor pela oferta e pela procura e o fato de não fazerem muito caso do valor constituído, do valor que passou ao estado de constituição, da constituição do valor, inclusive a permutabilidade permanente e todas as outras proporcionalidades de relações erelações de proporcionalidade, apoiadas pela Providência.
"A greve dos operários é ilegal, e não é apenas o Código Penal que diz isso, é o sistema econômico, é a necessidade da ordem estabelecida. Que cada operário disponha livremente como indivíduo de sua pessoa e de seus braços, isso pode ser tolerado: mas que os operários tentem por coalizões exercer violência contra o monopólio, é o que a sociedade não pode tolerar" (Tomo I, págs. 235 e 237).
O sr. Proudhon pretende fazer passar um artigo do Código Penal por um resultado necessário e geral das relações da produção burguesa.
Na Inglaterra as coalizões são autorizadas por um ato do Parlamento e foi o sistema econômico que forçou o Parlamento a dar esta autorização por meio da lei. Em 1825, quando, com o ministro Huskisson, o Parlamento foi levado a modificar a legislação, para pô-la ainda mais de acordo com um estado de cousas resultante da livre concorrência, ele teve necessariamente de abolir todas as leis que proibiam as coalizões dos operários. Quanto mais se desenvolvem a indústria moderna e a concorrência, mais elementos existem que provocam e favorecem as coalizões, e desde que as coalizões se tornam um fato econômico, adquirindo cada dia maior consistência, elas não podem tardar a se tornar um fato legal.
Assim, o artigo do Código Penal prova quando muito que a indústria moderna e a concorrência não estavam ainda bem desenvolvidas no tempo da Assembleia Constituinte e do Império.
Os economistas e os socialistas estão de acordo num único ponto: a condenação das coalizões. Todavia, eles motivam de modo diferente seu ato de condenação.
Os economistas dizem aos operários: não entreis em coalizão. Entrando em coalizão, entravareis a marcha regular da indústria, impedireis os fabricantes de satisfazerem os pedidos, perturbareis o comércio e precipitareis a invasão das máquinas que, tornando o vosso trabalho inútil em parte, vos forçam a aceitar um salário ainda mais baixo. Aliás, seria agir em vão, pois vosso salário será sempre determinado pela relação entre a mão-de-obra oferecida e a mão-de-obra procurada e é um esforço tão ridículo quão perigoso o revoltar-vos contra as leis eternas da economia política.
Os socialistas dizem aos operários: não entreis em coalizão porque, afinal, o que é que ganhareis? Uma elevação de salários? Os economistas provarão até à evidência que os poucos níqueis que poderíeis ganhar, em caso de êxito, por alguns momentos, seriam seguidos de uma baixa permanente. Hábeis calculadores poderão vos provar que serão precisos anos para recuperardes, considerado apenas o aumento do salário, as despesas que tivestes de fazer para organizar e manter as coalizões.
E, na nossa qualidade de socialista, nós diremos que, pondo de lado esta questão de dinheiro, antes e depois não sereis menos operários e os patrões serão sempre os patrões. Assim, nada de coalizões, nada de política, pois promover coalizões não é fazer política?
Os economistas querem que os operários permaneçam na sociedade tal como ela se formou e tal como eles a consignaram e sancionaram nos seus manuais.
Os socialistas querem que os operários deixem onde ela se encontra, a sociedade velha, para poderem melhor entrar na sociedade nova que eles lhes preparam com tanta previdência.
Apesar de uns e de outros, apesar dos manuais e das utopias, as coalizões não cessaram um momento de se manifestar e de se ampliar com o desenvolvimento e o crescimento da indústria moderna. E isso se verifica a tal ponto nos nossos dias, que o grau atingido pelas coalizões num país assinala nitidamente o grau que ele ocupa na hierarquia do mercado mundial. A Inglaterra, onde a indústria atingiu o mais alto grau de desenvolvimento, apresenta as coalizões mais vastas e melhor organizadas.
Na Inglaterra, não se ficou nas coalizões parciais, que não tinham outro escopo senão uma greve passageira, e que desapareciam com ela. Formaram-se coalizões permanentes, trade-unions que constituem um baluarte para os operários nas suas lutas com os industriais. E presentemente todas estas trade-unions locais encontram um ponto de união na National Association of United Trades, cujo comitê central fica em Londres, e que já conta 80.000 membros. A formação destas greves, coalizões, trade-unions caminhou simultaneamente com as lutas políticas dos operários que constituem agora um grande partido político com a denominação de Cartista.
É sob a forma de coalizões que sempre se verificam as primeiras tentativas dos trabalhadores no sentido de se associarem.
A grande indústria aglomera num só lugar uma multidão de pessoas desconhecidas umas das outras. A concorrência divide seus interesses. Mas a manutenção do salário, este interesse comum que têm contra o patrão, reúne-as num mesmo pensamento de resistência — coalizão. Assim, a coalizão tem sempre um duplo objetivo, o de fazer cessar a concorrência entre os operários, para poderem fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primeiro objetivo de resistência não foi senão a manutenção dos salários, à medida que os capitalistas por sua vez se reúnem num mesmo pensamento de repressão, as coalizões, a princípio isoladas, formam-se em grupos, e diante do capital sempre unido, a manutenção da associação torna- se mais necessária para os operários do que a do salário. Isto é de tal modo verdadeiro, que os economistas ingleses se mostram muito espantados de ver os operários sacrificarem uma boa parte do salário em favor das associações que, aos olhos destes economistas, não foram criadas senão para a defesa do salário. Nesta luta — verdadeira guerra civil — reúnem-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários para uma batalha futura. Uma vez chegada a esse ponto, a associação adquire um caráter político.
As condições econômicas tinham a princípio transformado a massa da população do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, esta massa já é uma classe diante do capital, mas não o é ainda em si mesma. Na luta, da qual assinalamos apenas algumas fases, esta massa se reúne, se constitui em classe em si mesma. Os interesses que ela defende tornam-se interesses de classe.
Mas a luta de classe com classe é uma luta política.
Na burguesia, temos duas fases a distinguir: aquela durante a qual ela se constituiu em classe sob o regime da feudalidade e da monarquia absoluta, e aquela em que, já constituída em classe, derrubou a feudalidade e a monarquia, para fazer da sociedade uma sociedade burguesa. A primeira destas fases foi a mais longa e nela foram necessários os maiores esforços. Ela também havia começado por coalizões parciais contra os senhores feudais.
Muitas pesquisas têm sido feitas para se poder descrever as diferentes fases históricas que a burguesia percorreu, desde a comuna até sua constituição como classe.
Mas quando se trata de se apresentar um relato exato das greves, das coalizões e das outras formas nas quais os proletários realizam diante de nossos olhos a sua organização como classe, vemos que certas pessoas são tomadas de um temor real, ostentando outras um desdém transcendental.
Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo das classes. A libertação da classe oprimida implica, pois necessariamente, a criação de uma sociedade nova. Para que a classe oprimida possa se libertar, é preciso que as forças produtivas já adquiridas e as relações sociais existentes não possam mais existir lado a lado. De todos os instrumentos de produção, a maior força produtiva é a própria classe revolucionária. A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas que podiam se engendrar no seio da velha sociedade.
Quererá isto dizer que depois da queda da antiga sociedade haverá uma nova dominação de classe, resumindo-se num novo poder político? Não.
A condição de libertação da classe trabalhadora é a abolição de todas as classes, do mesmo modo como a condição de libertação do Terceiro-Estado, da ordem burguesa, foi a abolição de todos os estados e de todas as ordens.
A classe trabalhadora substituirá, no curso de seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito, pois que o poder político é precisamente o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil.
No período de espera, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de classe contra classe, luta que, levada à sua mais alta expressão, é uma revolução total. Aliás, devemos nos admirar de que uma sociedade, fundada na oposição das cousas, chegue à contradição brutal, a um choque corpo-a-corpo como última solução?
Não digais que o movimento social exclui o movimento político. Não haverá jamais movimento político que não seja social ao mesmo tempo.
Não será senão numa ordem de cousas na qual não haja mais classes e antagonismo de classes, que as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas. Até lá, nas vésperas de cada remodelação geral da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre:
"O combate ou a morte: a luta sanguinária ou o nada. É assim que inelutavelmente se apresenta a questão. George Sand"
JERÓNIMO = KARL MARX;
ANTÓNIO COSTA = PROUDHON
(A cena é imaginária, mas oportuna)
Miséria da Filosofia
Capítulo I - Uma Descoberta Científica
JERÓNIMO = KARL MARX;
ANTÓNIO COSTA = PROUDHON
(A cena é imaginária, mas oportuna)
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Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon
Karl Marx
Apêndice I - Proudhon Julgado por Karl Marx
[Carta a J. B. Von Schweitzer](1)
Londres, 24 de janeiro de 1865.
Desejais uma crítica pormenorizada das obras de Proudhon. Lamento que me falte tempo para atender ao vosso desejo. E, além disso, não tenho a mão nenhum de seus escritos. Entretanto, para dar uma prova de boa vontade, envio-vos, à pressa, estas poucas notas.
Não me recordo dos primeiros ensaios de Proudhon. Sua obra de escolar sobre a língua universal testemunha a sem-cerimônia com que versou problemas para a solução dos quais lhe faltavam os conhecimentos mais elementares.
Sua primeira obra — Que é a Propriedade? — é de muito a melhor que escreveu. Ela faz época, se não for pela novidade do que diz, pelo menos pela maneira nova e ousada de tudo dizer. Os socialistas franceses, cujos escritos ele conhecia, tinham, como era natural, não somente criticado de diversos pontos de vista a propriedade, mas também a haviam utopicamente suprimido. Em seu livro, Proudhon está para Saínt-Simon e para Fourier assim como, aproximadamente, Feuerbach está para Hegel. Comparado a Hegel, Feuerbach é bem pobre. Entretanto, depois de Hegel, ele fez época, porque acentuava pontos desagradáveis para a consciência cristã e importantes para o progresso da crítica filosófica, mas deixados por Hegel num claro-escuro místico.
O estilo deste escrito de Proudhon é ainda, se posso assim dizer, fortemente musculado, e é o estilo que, na minha opinião, constitui o seu grande mérito. Vê-se que mesmo quando reproduz, Proudhon descobre que aquilo que diz é novo para ele e que apresenta como tal.
A audácia provocadora com que ergue a mão sobre o santuário econômico, os paradoxos espirituais com que zomba do vulgar senso comum burguês, sua crítica corrosiva, sua amarga ironia, tendo aqui e ali um sentimento de revolta profunda e verdadeira contra as infâmias da ordem de coisas estabelecida, seu espírito revolucionário, eis o que eletrizou os leitores de Que é a Propriedade?, e constitui um poderoso estímulo desde a aparição do livro. Numa história rigorosamente científica da economia política, este escrito mereceria apenas uma menção. Mas estes livros sensacionais desempenham nas ciências o mesmo papel que têm na literatura. Tomai, por exemplo, o Ensaio sobre a população de Malthus. A primeira edição é simplesmente um panfleto "sensacional" e, além disso, um plágio de princípio a fim. E, entretanto, que impulso deu estapasquinada ao gênero humano!
Se eu tivesse sob os olhos o livro de Proudhon, ser-me-ia fácil, por meio de alguns exemplos, mostrar a sua primeira maneira. Nos capítulos que ele mesmo considerava os melhores, imita o método antinômico de Kant, o único filósofo alemão que ele então conhecia, através de traduções, e deixa uma forte impressão que para ele, como para Kant, as antinomias não se resolvem senão "além" do entendimento humano, o que significa que o seu próprio entendimento é incapaz de resolvê-las.
Entretanto, a despeito de seus ares de iconoclasta, já nesta sua primeira obra se encontra esta contradição: Proudhon, de um lado, faz o processo da sociedade do ponto de vista e com os olhos do pequeno camponês (mais tarde do pequeno-burguês) francês, e, de outro lado, aplica-lhe o padrão que lhe transmitiram os socialistas.
Aliás, o próprio título do livro indicava a sua insuficiência. A questão estava muito mal colocada para que se lhe pudesse responder corretamente. A propriedade greco-romana tinha sido substituída pela propriedade feudal, esta pela propriedade burguesa, A própria história tinha se encarregado desse modo da crítica das relações de propriedade do passado. Para Proudhon, a questão a ser tratada eram as relações da moderna propriedade burguesa. À pergunta visando saber quais eram estas relações não se podia responder senão com uma análise crítica da economia política, abrangendo o conjunto destas relações de propriedade, não na sua expressão jurídica de relações de vontade mas na sua forma real de relações de produção material. Como Proudhon subordina o conjunto destas relações econômicas à noção jurídica da propriedade, ele não podia ir além da resposta já dada por Brissot antes de 1789 nos mesmos termos: "A Propriedade é o roubo"(2).
A conclusão que se pode tirar de tudo isso é que as noções jurídicas do burguês sobre o roubo se aplicam também a seus lucros honestos. De outro lado, como o roubo, enquanto considerado como violação da propriedade, pressupõe a propriedade, Proudhon se embaraça nas mais variadas espécies de noções confusas e bizarras sobre a verdadeira propriedade burguesa.
Durante minha estada em Paris em 1844, entrei em relações pessoais com Proudhon. Relembro esta circunstância porque até um certo ponto sou responsável pela sua "sophistication", palavra que os ingleses empregam para designar a falsificação de uma mercadoria. Em longas discussões, muitas vezes prolongadas durante noites inteiras, eu lhe injetava hegelianismo — com grande prejuízo para ele, pois que não sabendo alemão, não podia estudar a coisa a fundo. O que eu havia começado, o sr. Karl Grun, depois de minha expulsão da França, continuou. E este professor de filosofia alemã tinha sobre mim a vantagem de nada entender daquilo que ensinava.
Pouco tempo antes da publicação de sua segunda obra importante — a Philosophie de la Misère, etc. — Proudhon anunciou-a numa carta cheia de pormenores — que me dirigiu, na qual se encontram entre outras cousas estas palavras:
"Espero vossa férula crítica."
E logo esta caiu sobre ele (em minha Miséria da Filosofia, etc., Paris, 1847), de maneira a desfazer para sempre a nossa amizade.
Pelo que ficou dito, podeis ver que a Philosophie de la misère ou Système des contradictions économiques devia, enfim, dar resposta à pergunta: Que é a propriedade? Com efeito, Proudhon não começara seus estudos econômicos senão depois da publicação de seu primeiro livro: tinha descoberto que, para resolver a questão por ele colocada, era preciso apresentar não invectivas, mas uma análise da economia política moderna. Ao mesmo tempo, tentou estabelecer o sistema das categorias econômicas por meio da dialética. A contradição hegeliana devia substituir a insolúvel antinomia de Kant, como meio de desenvolvimento.
Para a crítica destes dois grossos volumes devo indicar-vos a minha réplica. Mostrei nela, entre outras cousas, quão pouco tinha Proudhon penetrado o mistério da dialética científica, e como, de outro lado, partilhava ele das ilusões da filosofia "especulativa": em vez de considerar as categorias econômicas como expressões teóricas de relações de produção históricas correspondendo a um grau determinado do desenvolvimento da produção material, sua imaginação as transforma em ideias eternas, preexistentes a toda realidade, e desta maneira, por um desvio, ele se vê de novo no seu ponto de partida, o ponto de vista da economia burguesa(3).
Em seguida, mostro quão defeituosos e rudimentares são os seus conhecimentos da economia política, cuja crítica, entretanto, pretendia fazer, e como, com os utopistas, ele se põe à procura de uma pretensa "ciência", que devia fornecer-lhe uma fórmula já acabada para a "solução da questão social", em vez de ir buscar a ciência no conhecimento crítico do movimento histórico, movimento que deve ele próprio produzir as condições materiais da emancipação social. O que demonstro sobretudo é que Proudhon não tem senão ideias imperfeitas, confusas e falsas sobre a base de toda a economia política, o valor permutável, circunstância que o leva a ver os fundamentos de uma nova ciência numa interpretação utópica da teoria do valor de Ricardo. Enfim, resumo meu julgamento geral sobre seu ponto de vista nestas palavras:
"Cada relação econômica tem um lado bom e um lado mau: é o único ponto em relação ao qual o sr. Proudhon não se desmente. O lado bom, ele o vê exposto pelos economistas; o lado mau, ele o vê denunciado pelos socialistas. Toma de empréstimo aos economistas a necessidade de relações eternas, toma de empréstimo aos socialistas a ilusão de não ver na miséria senão a miséria. Está de acordo com uns e outros ao querer conformar-se com a autoridade da ciência. A ciência, para ele, reduz-se às minúsculas proporções de uma fórmula científica; é o homem que anda à procura de fórmulas. É assim que o sr. Proudhon se gaba de haver feito a crítica da economia política e do comunismo: ele está abaixo de uma e de outra cousa. Abaixo dos economistas, porque, como filósofo, que tem a seu alcance uma fórmula mágica, acreditou poder se dispensar de entrar em pormenores puramente econômicos; abaixo dos socialistas, porque não tem nem bastante coragem, nem luzes bastantes para se elevar, não fosse especulativamente, acima do horizonte burguês.
... Ele quer planar como homem de ciência acima dos burgueses e dos proletários; e não é senão o pequeno-burguês oscilando constantemente entre o capital e o trabalho, entre a economia política e o comunismo."
Por duro que pareça este julgamento, sou obrigado a mantê-lo ainda hoje, palavra por palavra. Mas é preciso não esquecer que no momento em que declarei e provei teoricamente que o livro de Proudhon não era senão o Código do socialismo pequeno-burguês, este mesmo Proudhon foi anatematizado como arqui-revolucionário ao mesmo tempo pelos economistas e pelos socialistas de então. Foi por isso que mais tarde eu não juntei minha voz à daqueles que soltavam altos brados sobre sua "traição" à revolução. Não era sua a culpa se, mal compreendido a princípio por outrem e por ele mesmo, não tivesse correspondido a esperanças que nada justificava.
A Philosophie de la Misère, comparada com Que é a Propriedade? faz ressaltar muito desfavoravelmente todos os defeitos da maneira de expor de Proudhon. O estilo é frequentemente o que os franceses chamam de empolado. Um aranzel pretensioso e "especulativo", que se apresenta como filosofia alemã, é encontrado em todas as páginas onde a perspicácia gaulesa não aparece. O que ele nos buzina ao ouvido, num tom de saltimbanco e de fanfarrão, são os elogios que faz de si mesmo, uma lenga-lenga enfadonha e eternas bazófias sobre a sua pretensa ciência. No lugar do calor verdadeiro e natural que anima o seu primeiro livro, neste, em muitos lugares, Proudhon declama sistematicamente, e se aquece a frio. Acrescentai a isso o pedantismo canhestro e desagradável do autodidata que quer passar por erudito, do antigo operário que perdeu seu orgulho de se saber pensador independente e original, e que agora, como "parvenu" da ciência, julga ter de se pavonear e de se gabar daquilo que não é e daquilo que não tem. Além disso, seus sentimentos de pequeno merceeiro que o impelem a atacar de uma maneira inconveniente e brutal, mas que não é nem penetrante, nem profunda, nem mesmo justa, um homem como Cabet, sempre respeitável por motivo de seu papel político no seio do proletariado, enquanto se mostra amável para com um Dunoyer (conselheiro de Estado, é verdade), que não tem importância senão por ter pregado com uma seriedade cômica, através de três grossos volumes insuportavelmente enfadonhos, um rigorismo assim caracterizado por Helvetius:
"Pretende-se que os miseráveis sejam perfeitos."
Com efeito, a revolução de Fevereiro surgiu muito fora de tempo para Proudhon que, poucas semanas antes, havia precisamente provado de maneira irrefutável que "a era das revoluções" tinha passado para sempre. Entretanto, sua atitude na Assembleia Nacional não merece senão elogios, ainda que ela demonstre a sua pouca compreensão da situação. Depois da insurreição de Junho esta atitude era um ato de grande coragem. Ela teve ainda esta consequência feliz de que o sr. Thiers, em sua resposta às proposições de Proudhon, publicada em seguida na forma de livro, desvendou o frágil pedestal de criança sobre o qual se erguia este pilar intelectual da burguesia francesa.
Os últimos feitos e gestos econômicos de Proudhon foram a sua descoberta do "Crédito gratuito" e do "Banco do Povo" que devia concretizá-lo. Em meu livro Zur Kritik der politischen Oekonomie (Crítica da Economia Política, Berlim, 1859 págs. 59-64) encontra-se a prova de que estas ideias proudhonianas se fundam numa completa ignorância dos primeiros elementos da economia política burguesa: a relação entre a mercadoria e o dinheiro; enquanto que sua realização prática não era senão a reprodução de projetos bem anteriores e melhor elaborados. Não há dúvida, é mesmo perfeitamente evidente, que o desenvolvimento do crédito, que serviu na Inglaterra, no começo do século XVIII, e, mais recentemente, no começo do nosso século, para transferir as riquezas de uma classe para outra, poderia servir também, em certas condições políticas e econômicas, para acelerar a emancipação da classe operária. Entretanto, considerar o capital que rende juros como forma principal do capital, querer fazer de uma aplicação particular do crédito, da pretensa abolição da taxa de juro, a base da transformação social — eis uma fantasia que é o que há de mais próprio de um merceeiro. Encontramo-la também já elucubrada con amore pelos porta-vozes da pequena burguesia inglesa do século XVII. A polêmica de Proudhon contra Bastiat a propósito do capital que rende juros (1850) está muito abaixo da Philosophie de la Misère. Ele conseguiu deixar-se bater até por Bastiat e grita e esbraveja de uma maneira cômica todas as vezes que seu adversário lhe acerta um golpe.
Há alguns anos Proudhon escreveu uma tese sobre os impostos, num concurso, ao que suponho, promovido pelo governo do cantão de Vaud. Dissipou-se aqui o último clarão de gênio: não ficou senão o pequeno-burguês em toda a sua pureza.
Os escritos políticos e filosóficos de Proudhon têm todos o mesmo caráter dúplice e contraditório que encontramos em seus trabalhos econômicos. Além disso, eles têm apenas uma importância local limitada à França. Todavia, seus ataques à religião e à Igreja tinham um grande mérito local numa época em que os socialistas franceses se vangloriavam de seus sentimentos religiosos como de uma superioridade sobre ovoltaireanismo do século XVIII e sobre o ateísmo alemão do século XIX. Se Pedro, o Grande, abateu a barbárie russa com a barbárie, Proudhon fez o que pôde para destruir a frase francesa pela frase.
Aquilo que não se pode mais considerar apenas como maus escritos, mas simplesmente como vilanias — que todavia estavam de perfeito acordo com o sentimento merceeiro — são o livro sobre o golpe de Estado, no qual coqueteia com L. Bonaparte e se esforça por torná-lo aceitável para os operários franceses, e o que escreveu contra a Polônia, a qual, em homenagem ao Czar, ele trata com um cinismo de cretino.
Proudhon foi muitas vezes comparado com J. J. Rousseau. Nada podia ser mais falso. Ele se parece mais com Nicolas Linguet, cuja Théorie des lois civiles é, aliás, uma obra de gênio.
A natureza de Proudhon levava-o à dialética. Mas não tendo jamais compreendido a dialética científica, ele não chegou senão ao sofisma. Na verdade, isso decorria de seu ponto de vista pequeno-burguês. O pequeno-burguês, do mesmo modo como nosso historiador Raumer, diz sempre de um lado e de outro lado. Duas correntes opostas, contraditórias, dominam seus interesses materiais e, como consequência, suas opiniões religiosas, científicas e artísticas, sua moral, enfim, todo o seu ser. Ele é a contradição viva. Se é, além disso, como Proudhon, um homem de espírito, ele poderá logo brincar com suas próprias contradições e transformá-las, segundo as circunstâncias, em paradoxos surpreendentes, vistosos e às vezes brilhantes. Charlatanismo científico e acomodamentos políticos são inseparáveis de semelhante ponto de vista. Não resta mais senão um móvel, a vaidade do indivíduo, e como acontece com todos os vaidosos, não se trata senão de alcançar o efeito do momento, o êxito do dia. Desse modo se perde necessariamente o simples tato moral que preservou um Rousseau, por exemplo, de qualquer compromisso, mesmo aparente, com os poderes existentes.
A posteridade talvez dirá, para caracterizar esta fase mais recente da história francesa, que Luís Bonaparte foi o seu Napoleão e Proudhon o Rousseau—Voltaire.
Vosso devotado,
Karl Marx
NB: Para uma atualização de quem fala de quem, aconselhamos a trazer para a atualidade estes 2 interventores:
Imaginem que Proudhon é António Costa, o Goês;
Karl Max será o Jerómino de Sousa, em miniatura (José Azevedo)
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Miséria da Filosofia
Resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon
Karl Marx
Capítulo I - Uma Descoberta Científica
§ III — Aplicação da Lei das Proporcionalidades de Valor
A) A moeda
O ouro e a prata são as primeiras mercadorias cujo valor tenha chegado a se constituir.
O ouro e a prata são, pois, as primeiras aplicações do "valor constituído"... pelo sr. Proudhon. E como o sr. Proudhon constitui os valores dos produtos determinando-os pela quantidade comparativa de trabalho neles fixada, a única cousa que tinha de fazer era provar que as variações sobrevindas no valor do ouro e da prata se explicam sempre pelas variações do tempo de trabalho que é preciso para os produzir. O sr. Proudhon não pensa nisso. Não fala do ouro e da prata como mercadoria, fala deles como moeda.
Toda a lógica, se houver lógica, consiste em escamotear a qualidade que tem o ouro e a prata de servir de moeda, para benefício de todas as mercadorias que têm a qualidade de serem avaliadas pelo tempo do trabalho. Decididamente há mais ingenuidade do que malícia nesta escamoteação.
Um produto útil, sendo avaliado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-lo, é sempre aceitável em troca. Testemunham-no, exclama o sr. Proudhon, o ouro e a prata que se encontram nas condições que desejo de "permutabilidade". Assim, o ouro e a prata são o valor chegado ao estado de constituição, a incorporação da ideia do sr. Proudhon. Ele não podia ser mais feliz na escolha de seu exemplo. O ouro e a prata, além da qualidade que possuem de ser uma mercadoria, avaliada como qualquer outra mercadoria pelo tempo de trabalho, têm ainda a de ser agente universal de troca, de ser moeda. Tomando agora o ouro e a prata como uma aplicação do "valor constituído" pelo tempo do trabalho, nada mais fácil do que provar que toda mercadoria cujo valor seja constituído pelo tempo do trabalho será sempre permutável, será moeda.
Uma questão muito simples se apresenta ao espírito do sr. Proudhon. Por que têm o ouro e a prata o privilégio de ser o tipo do "valor constituído"?
"A função particular que o uso atribuiu aos metais preciosos de servir de agente ao comércio é puramente convencional, e qualquer outra mercadoria poderia, menos comodamente talvez, mas com a mesma autenticidade desempenhar este papel: os economistas o reconhecem e mais de um exemplo pode ser citado. Qual é, pois, a razão desta preferência geralmente dada aos metais, para servirem de moeda, e como se explica esta especialidade das funções, sem semelhante na economia política, do dinheiro?... Ora, é possível restabelecer a série de onde a moeda parece ter sido destacada, e, consequentemente reconduzir esta a seu verdadeiro princípio?"
Colocando a questão nestes termos, o sr. Proudhon já supôs a moeda. A primeira questão que deveria ter colocado era de saber porque, nas trocas tais como são constituídas atualmente, se teve de individualizar, por assim dizer, o valor permutável, criando um agente especial de troca. A moeda não é uma cousa, é uma relação social. Por que é a relação da moeda uma relação da produção, como qualquer outra relação econômica, tal como a divisão do trabalho, etc.? Se o sr. Proudhon se tivesse inteirado bem desta relação, não teria visto na moeda uma exceção, um membro destacado de uma série desconhecida ou a ser encontrada de novo.
Ele teria reconhecido, ao contrário, que esta relação é um elo, e, como tal, intimamente ligado a todo o encadeamento das outras relações, e que esta relação corresponde a um modo de produção determinado nem mais nem menos do que a troca individual. Que faz ele? Começa por destacar a moeda do conjunto do modo de produção atual, para fazer dela mais tarde o primeiro membro de uma série imaginária, de série a ser de novo encontrada.
Uma vez que se tenha reconhecido a necessidade de um agente particular de troca, ou seja a necessidade da moeda, só resta explicar porque esta função particular é atribuída ao ouro e à prata, de preferência a qualquer outra mercadoria. É esta uma questão secundária que não se explica mais pelo encadeamento das relações de produção, mas pelas qualidades específicas inerentes ao ouro ou à prata como matéria. Se, depois de tudo isso, os economistas, nessa conjuntura "se puseram fora do domínio da ciência, se se dedicaram à física, à mecânica, à história, etc.", como diz, censurando-os, o sr. Proudhon, eles não fizeram senão aquilo que deviam fazer. A questão não é mais do domínio da economia política.
"Aquilo que nenhum dos economistas, diz o sr. Proudhon, viu ou compreendeu é a razão econômica, que determinou, em favor dos metais preciosos, o favor de que gozam."
A razão econômica que ninguém, e não sem razão, viu ou compreendeu, o sr. Proudhon a viu, compreendeu e legou à posteridade.
"Ora, aquilo que ninguém notou é que, de todas as mercadorias, o ouro e a prata são as primeiras cujo valor chegou à constituição. No período patriarcal, o ouro e a prata são ainda regateados e se trocam em barras, mas já com uma tendência visível ao domínio e com uma preferência marcada. Pouco a pouco os soberanos apoderam-se desses metais e neles colocam a sua chancela: e desta consagração soberana nasce a moeda, ou seja, a mercadoria por excelência, aquela que, a despeito de todos os abalos do comércio, conserva um valor proporcional determinado e se faz aceitar em todos os pagamentos... O traço distintivo do ouro e da prata decorre, repito-o, de que, graças às suas propriedades metálicas, às dificuldades de sua produção, e sobretudo à intervenção da autoridade pública, eles conquistaram logo, como mercadorias, a fixidade e a autenticidade."
Dizer que, de todas as mercadorias, o ouro e a prata foram as primeiras cujo valor chegou à constituição, ou seja, depois de tudo o que precede, que o ouro e a prata foram as primeiras a chegar ao estado de moeda, eis a grande revelação do sr. Proudhon, eis a verdade que ninguém tinha descoberto antes dele.
Se, com estas palavras, o sr. Proudhon quis dizer que o ouro e a prata são mercadorias cujo tempo de produção foi conhecido mais cedo do que o de todas as outras, isto seria ainda mais uma das suposições com que ele está sempre pronto a obsequiar seus leitores. Se quiséssemos recorrer a essa erudição patriarcal, diríamos ao sr. Proudhon que o tempo necessário para produzir os objetos de primeira necessidade, tais como o ferro, etc., foi conhecido em primeiro lugar. Deixaremos de lado o arco clássico de Adam Smith.
Todavia, depois de tudo isso, como pode o sr. Proudhon falar ainda da constituição de um valor, pois que um valor não se constitui jamais por isso? Ele é constituído, não pelo tempo que é preciso para produzi-lo isoladamente, mas pela relação com a quantidadede todos os outros produtos que podem ser criados no mesmo tempo. Assim, a constituição do valor do ouro e da prata supõe a constituição já dada de um grande número de outros produtos.
Não é, pois, a mercadoria que chegou, no ouro e na prata, ao estado de "valor constituído", é o "valor constituído" do sr. Proudhon que chegou, no ouro e na prata, ao estado de moeda.
Examinemos agora, de mais perto, estas razões econômicas que, segundo o sr. Proudhon, valeram ao ouro e à prata a vantagem de serem erigidos em moeda mais cedo do que todos os outros produtos, passando pelo estado constitutivo do valor.
Estas razões econômicas são: "a preferência acentuada" já no "período patriarcal", e outras circunlocuções do próprio fato, que aumentam a dificuldade, pois que multiplicam o fato multiplicando os incidentes que o sr. Proudhon faz sobrevir para explicarem o fato. O sr. Proudhon ainda não esgotou todas as razões pretensamente econômicas. Eis uma de uma força soberana, irresistível:
"É da consagração pelo soberano que nasce a moeda: os soberanos se apossam do ouro e da prata e neles colocam sua chancela".
Assim, a simples vontade dos soberanos é, para o sr. Proudhon, a razão suprema em economia política!
Verdadeiramente, é preciso ser desprovido de todo conhecimento histórico para ignorar que são os soberanos que, sempre, sofreram as condições econômicas, cujas leis jamais são ditadas por eles. A legislação, tanto a política como a civil, não faz senão enunciar, verbalizar o poder das relações econômicas.
Foi o soberano que se apossou do ouro e da prata para fazer deles os agentes universais de troca, neles imprimindo sua chancela, ou não foram, ao contrário, estes agentes universais de troca que se apoderaram do soberano, forçando-o a imprimir neles a sua chancela e a dar-lhes uma consagração política?
A marca que se tem imprimido e se imprime na prata não é a de seu valor, mas a de seu peso. A fixidade e a autenticidade de que fala o sr. Proudhon não se aplicam senão ao título da moeda, e este título indica quanto existe de matéria metálica no pedaço de prata amoedada.
"O único valor intrínseco de um marco de prata, diz Voltaire com o bom senso que todos lhe reconhecem, é um marco de prata, uma meia-libra com peso de 8 onças. O peso e o título são os únicos a constituírem este valor intrínseco" (Voltaire, Système de Law).
Mas a questão de se saber quanto vale uma onça de ouro e de prata continua a subsistir. Se uma caxemira da casa Graivd Colbert ostentasse a marca da fábrica: pura lã, esta marca da fábrica ainda nada vos diria do valor da caxemira. Restaria sempre saber qual o valor da lã.
"Filipe I, rei de França, diz o sr. Proudhon, mistura à libra tornesa de Carlos Magno um terço de liga, imaginando que tendo só ele monopólio da fabricação das moedas, pode fazer aquilo que fazem todos os comerciantes que têm o monopólio de um produto. Com efeito, era esta alteração das moedas que tanto censuravam a Filipe e a seus sucessores! Um raciocínio muito justo, do ponto de vista da rotina comercial, mas muito falso em ciência econômica, esse que diz que, sendo a oferta e a procura a regra dos valores, pode-se, seja pela produção de uma escassez artificial, seja pelo açambarcamento da fabricação, fazer subir a apreciação e, portanto, o valor das coisas, e que isso é verdadeiro tanto para o ouro como para a prata, para o trigo como para o vinho, para o azeite e o tabaco. Contudo, a fraude de Filipe não foi quase suspeitada, pois que sua moeda foi reduzida ao seu justo valor, perdendo ele ao mesmo tempo aquilo que acreditara ganhar sobre seus súditos. A mesma coisa aconteceu depois a todas as tentativas análogas."
Em primeiro lugar, já foi demonstrado, muitas e muitas vezes, que quando o príncipe resolve alterar a moeda, é ele que sai perdendo. O que havia ganho uma só vez, com a primeira emissão, ele o perde todas as vezes que as moedas falsificadas lhe voltam às mãos sob a forma de impostos, etc. Mas Filipe e seus sucessores souberam se pôr a salvo desta perda, pois, uma vez posta em circulação a moeda alterada, nada havia de mais urgente para eles do que ordenar uma refundição geral das moedas, na antiga base.
E, além disso, se Filipe I tivesse realmente raciocinado como o sr. Proudhon, ele não teria raciocinado bem, "do ponto de vista comercial". Nem Filipe I nem o sr. Proudhon não demonstram possuir gênio mercantil, quando imaginam que se pode alterar o valor do ouro do mesmo modo que o de qualquer outra mercadoria pela única razão de ser seu valor determinado pela relação entre a oferta e a procura.
Se o rei Filipe tivesse ordenado que um moio de trigo passasse a chamar-se dois moios de trigo, ele teria sido um "escroc". Ele teria enganado todos os que vivem de rendas, todos os que, tendo de receber cem moios de trigo, recebessem apenas cinquenta. Suponhamos o rei como devedor de cem moios de trigo; ele não teria que pagar senão cinquenta. Mas no comércio cem moios jamais teriam valido mais de cinquenta. Trocando-se o nome não se muda a cousa. A quantidade de trigo, seja oferecida, seja procurada, não será nem diminuída nem aumentada tão-somente por essa mudança de nome. Assim, a relação entre a oferta e a procura sendo igualmente a mesma, apesar desta alteração de nome, o preço do trigo não sofrerá nenhuma alteração real. Falando de oferta e de procura das cousas, não se fala da oferta e da procura do nome das cousas. Filipe I não era um fabricante de ouro ou de prata, como diz Proudhon: ele era fabricante do nome das moedas. Fazei passar vossas caxemiras francesas por caxemiras asiáticas: é possível que enganeis um comprador ou dois. Mas a fraude, uma vez conhecida, as caxemiras a que destes o nome de asiáticas voltarão ao preço das caxemiras francesas. Dando um falso rótulo ao ouro e à prata, o rei Filipe I não podia enganar senão enquanto a fraude não era conhecida. Como qualquer outro negociante, ele enganaria os fregueses por uma falsa qualificação da mercadoria: isso não poderia durar muito tempo. Mais cedo ou mais tarde, teria de sofrer os rigores das leis comerciais. Seria isso que o sr. queria provar? Não. Segundo ele, é do soberano e não do comércio que o dinheiro recebe seu valor. E, efetivamente, o que provou? Que o comércio é mais soberano que o soberano. Que o soberano ordene que um marco passe a ser dois marcos, mas o comércio dirá sempre que esses dois marcos não valem senão o primeiro marco.
Mas com isso a questão do valor determinado pela quantidade de trabalho não deu sequer mais um passo. Resta sempre decidir se estes dois marcos, que voltam a ser o marco anterior, são determinados pelo custo de produção ou pela lei da oferta e da procura.
O sr. Proudhon continua:
"Há ainda a considerar que se, no lugar de alterar as moedas estivesse no poder do rei dobrar a sua massa, o valor permutável do ouro e da prata teria logo baixado de metade, sempre por esta razão de proporcionalidade e de equilíbrio."
Se esta opinião, que o sr. Proudhon partilha com outros economistas, é justa, ela constitui uma prova em favor da doutrina da oferta e da procura desses economistas, e de nenhum modo em favor da proporcionalidade do sr. Proudhon. Pois, qualquer que seja a quantidade de trabalho fixada na massa duplicada de ouro e de prata, seu valor cairia de metade, a procura tendo permanecido a mesma e a oferta tendo dobrado. Ou então, será que, por acaso, a lei de proporcionalidade se confundiria desta vez com a lei tão desdenhada da oferta e da procura? Esta justa proporcionalidade do sr. Proudhon é com efeito de tal modo elástica, ela se presta a tantas variações, a tantas combinações e permutas, que bem poderia coincidir uma vez com a relação entre a oferta e a procura.
Tornar "toda mercadoria aceitável na troca, se não de fato, pelo menos de direito", baseando-se no papel que representam o ouro e a prata, é desconhecer este papel. O ouro e a prata não são aceitáveis de direito senão porque o são de fato, e o são de fato porque a organização atual da produção tem necessidade de um agente universal de troca. O direito não é senão o reconhecimento do fato.
Como vimos, o exemplo do dinheiro como aplicação do valor passado ao estado de constituição não tinha sido escolhido pelo sr. Proudhon senão para fazer passar de contrabando toda a sua doutrina de permutabilidade, ou seja, para demonstrar que toda mercadoria avaliada pelo seu custo de produção deve chegar ao estado de moeda. Tudo isso estaria certo, se não fosse o inconveniente de que precisamente o ouro e a prata, enquanto moeda, são de todas as mercadorias as únicas que não são determinadas pelo seu custo de produção: e isso é de tal modo verdadeiro que na circulação elas podem ser substituídas pelo papel. Enquanto houver uma certa proporção, observada entre as necessidades e circulação e a quantidade de moeda emitida, seja moeda em papel, em ouro, em platina ou cobre, não se poderá falar de uma proporção a observar entre o valor intrínseco (o custo de produção) e o valor nominal da moeda. Sem dúvida, no comércio internacional, a moeda é determinada, como qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho. Mas é que também o ouro e a prata, quando passam para o comércio internacional, são meios de troca como produto e não como moeda, o que equivale a dizer que perdem este caráter de "fixidade e autenticidade", de "consagração pelo soberano", que formam para o sr. Proudhon o seu caráter específico. Ricardo compreendeu tão bem esta verdade que, depois de ter baseado todo o seu sistema no valor determinado pelo tempo de trabalho, e depois de ter dito que "o ouro e a prata, assim como todas as outras mercadorias, não têm valor senão na proporção da quantidade de trabalho necessária para os produzir e fazê-los chegar ao mercado", acrescenta que o valor da moeda não é determinado pelo tempo de trabalho fixado na sua matéria, mas somente pela lei da oferta e da procura.
"Embora o papel não tenha valor intrínseco, se se limitar a sua quantidade, seu valor de troca pode, contudo, igualar o valor de uma moeda metálica da mesma denominação ou de barras avaliadas em espécie. É ainda pelo mesmo princípio, ou seja, pela limitação da quantidade da moeda, que peças de baixo teor podem circular com o mesmo valor que elas teriam tido se seu peso e teor fossem os fixados pela lei e não de acordo com o valor intrínseco do metal puro que contivessem. Eis porque na história das moedas inglesas vemos que nosso numerário jamais foi depreciado na mesma proporção em que foi alterado. A razão está em que jamais ele foi multiplicado na proporção de sua depreciação" (Ricardo, loc. cit.).
"Este exemplo deveria bastar, parece-me, para convencer o autor de que a base de qualquer valor é, não a quantidade de trabalho necessária para produzir uma mercadoria, mas a necessidade que se tem dela, equilibrada pela sua raridade."
Assim, a moeda, que para Ricardo não é mais um valor determinado pelo tempo de trabalho, do que se aproveita J. B. Say como exemplo para convencer Ricardo de que os outros valores não poderiam também ser determinados pelo tempo de trabalho, esta moeda, digo, tomada por J. B. Say como exemplo de um valor determinado exclusivamente pela oferta e pela procura, torna-se para o sr. Proudhon o exemplo por excelência da aplicação do valor constituído... pelo tempo do trabalho.
Para terminar, se a moeda não é um "valor constituído" pelo tempo de trabalho, ela muito menos ainda poderia ter qualquer cousa de comum com a justa "proporcionalidade" do sr. Proudhon. O ouro e a prata são sempre permutáveis porque têm a função particular de servir como agente universal de troca, e de nenhum modo porque existem numa quantidade proporcional ao conjunto das riquezas; ou, para dizer ainda melhor, eles são sempre proporcionais porque, os únicos entre todas as mercadorias, servem de moeda, de agente universal da troca, seja qual for a sua quantidade em relação ao conjunto das riquezas.
"A moeda em circulação não deveria jamais ser abundante a ponto de regurgitar; pois, se se baixar o seu valor, aumentar-se-á na mesma proporção a quantidade, e aumentando o seu valor, diminuir-se-á a sua quantidade " (Ricardo).
"Que imbróglio é a economia política!" exclama o sr. Proudhon.
"Maldito ouro!" exclama comicamente um comunista (pela boca do sr. Proudhon). Seria o mesmo que dizer: maldito trigo, malditas vinhas, malditos carneiros! Pois,
"do mesmo modo como o ouro e a prata, todo valor comercial deve chegar à sua exata e rigorosa determinação".
A ideia de fazer chegar os carneiros e as vinhas ao estado de moeda não é nova. Na França, ela pertence ao século de Luís XIV. Nessa época, como o dinheiro começasse a estabelecer todo o seu poderio, era motivo de queixas a depreciação de todas as outras mercadorias, e todos aguardavam com ansiedade o momento em que "todo valor comercial" pudesse ser levado à sua exata e rigorosa determinação, ao estado de moeda. Eis aqui o que já encontramos em Bois-Guillebert, um dos mais antigos economistas da França:
"O dinheiro, então, com este aparecimento de concorrentes em grande número, que serão as próprias mercadorias restabelecidas no seu justo valor, será colocado nos seus limites naturais" (Économistes financiers du XVIII?º siècle, pág. 422, ed. Daire).
Vê-se que as primeiras ilusões da burguesia são também as últimas.
B) O excedente do trabalho
"Encontramos nas obras de economia política esta hipótese absurda: Se o preço de todas as cousas fosse dobrada... Como se o preço de todas as cousas não fosse a proporção das coisas, e como se pudesse dobrar uma proporção, uma relação, uma lei! (Proudhon, t. I, pág. 81).
Os economistas caíram neste erro, por não terem sabido fazer a aplicação da "lei de proporcionalidade" e do "valor constituído".
Infortunadamente, na própria obra do sr. Proudhon, t, I, pág. 110, encontra-se esta hipótese absurda:
"se o salário subisse de modo geral, os preços de todas as coisas subiria".
Ademais, se se encontra nas obras de economia política a frase em questão, ali também encontramos sua explicação.
"Quando se diz que o preço de todas as mercadorias sobe ou baixa, exclui-se sempre uma ou outra das mercadorias: a mercadoria excluída é em geral o dinheiro ou o trabalho."(Encyclopcedia Metropolitana or Universal Dictionary of Knowledge, vol. IV, no artigo Political Economy, por Senior, London, 1836). (Ver também, sobre esta expressão, J. Stuart Mill, Essays on some unsettled questions of political economy, London, 1844, e Tooke, An history of prices, etc. London, 1838).
Passemos agora à segunda aplicação do "valor constituído", e de outras proporcionalidades cujo único defeito é de serem pouco proporcionadas; e vejamos se o sr. Proudhon é aí mais feliz do que namonetização dos carneiros.
"Um axioma geralmente admitido pelos economistas é o de que todo trabalho deve deixar um excedente. Esta proposição é para mim de uma verdade universal e absoluta: é o corolário da lei da proporcionalidade, que se pode considerar como o sumário de toda a ciência econômica. Mas, peço perdão aos economistas, o princípio de que todo trabalho deve deixar um excedente não tem sentido na sua teoria, e não é suscetível de nenhuma demonstração" (Proudhon).
Para provar que todo trabalho deve deixar um excedente, o sr. Proudhon personifica a sociedade: ele cria uma sociedade-pessoa, sociedade que não é, bem longe disso, a sociedade das pessoas, pois que tem suas leis à parte nada tendo de comum com as pessoas de que se compõe a sociedade, assim como sua "inteligência própria", que não é a inteligência comum dos homens, mas uma inteligência que não é dotada do senso comum. O sr. Proudhon reprova aos economistas o não terem compreendido a personalidade deste ser coletivo. Queremos opor-lhe a seguinte passagem de um economista americano que reprova nos outros economistas precisamente o contrário:
"A entidade moral (the moral entity), o ser gramatical (the grammatical being) chamado sociedade foi revestido de atribuições que não têm existência real senão na imaginação daqueles que com uma palavra fazem uma cousa... Eis o que deu lugar a muitas dificuldades e a deploráveis enganos na economia política " (Th. Cooper, Lectures on the Elements of Political Economy, Columbia, 1826).
"Este princípio do excedente do trabalho, continua o sr. Proudhon, não é verdadeiro para os indivíduos senão porque ele emana da sociedade, que lhes confere assim o benefício de suas próprias leis."
O sr. Proudhon quererá dizer com isso simplesmente que a produção do indivíduo social ultrapassa a do indivíduo isolado? É deste excedente da produção dos indivíduos associados sobre a dos indivíduos não associados que o sr. Proudhon quer falar? Se for assim, poderemos citar-lhe cem economistas que exprimiram esta simples verdade sem todo o misticismo de que se cerca o sr. Proudhon. Eis o que diz, por exemplo, o sr. Sadler:
"O trabalho combinado apresenta resultados que o trabalho individual jamais seria capaz de produzir. Assim, à medida que a humanidade aumenta em número, os produtos da indústria reunida excederão de muito a importância de uma simples adição calculada sobre este aumento... Tanto nas artes mecânicas como nos trabalhos da ciência, um homem pode atualmente fazer mais num dia que um indivíduo isolado durante toda a sua vida. O axioma dos matemáticos, segundo o qual o todo é igual às partes reunidas, não é verdadeiro quando aplicado a este assunto. Quanto ao trabalho, este grande pilar da existência humana (the great pillar of human existence), pode-se dizer que o produto dos esforços acumulados excede de muito tudo aquilo que os esforços individuais e separados poderão jamais produzir " (T. Sadler, The law of popvtr lation, London, 1830).
Voltemos ao sr. Proudhon. O excedente do trabalho, diz ele, explica-se pela sociedade-pessoa. A vida desta pessoa segue leis opostas às que fazem o homem agir como indivíduo, cousa que ele quer provar com"fatos".
"A descoberta de um processo econômico não pode jamais dar ao inventor um lucro igual ao que proporciona à sociedade... Já se notou que as empresas ferroviárias são uma fonte de riqueza menor para os que as exploram do que para o Estado... O preço médio do transporte das mercadorias em veículos de tração animal é de 18 cêntimos por tonelada e por quilômetro, sendo as mercadorias carregadas e descarregadas nos armazéns. Calculou-se que por este preço uma empresa ferroviária comum não obteria senão 10% de lucro líquido, resultado aproximadamente igual ao de uma empresa de transporte de tração animal. Mas admitamos que a celeridade do transporte por estrada de ferro esteja para a de tração animal como 4 está para 1: como na sociedade o tempo é o próprio valor, com igualdade de preço a estrada de ferro apresentará sobre a tração animal uma vantagem de 400%. Contudo, esta vantagem enorme, muito real para a sociedade, está bem longe de se realizar na mesma proporção para a empresa que explora a tração animal, pois, enquanto proporciona à sociedade uma melhor-valia de 400%, não retira, a empresa, 10%. Com efeito, suponhamos, para tornar a cousa ainda mais sensível, que a empresa ferroviária eleve suas tarifas para 25 cêntimos, o da empresa de tração animal permanecendo em 18: a primeira perderá imediatamente todas as suas consignações. Expedidores, destinatários, toda gente voltará à "malbrouke", à carroça, se for preciso. A locomotiva será abandonada: uma vantagem social de 400% será sacrificada a uma perda de 35%. A razão disso é fácil de descobrir: a vantagem que resulta da rapidez da estrada de ferro é inteiramente social, e cada indivíduo dela não participa senão numa proporção mínima (não nos esqueçamos de que não se trata neste momento senão dos transportes de mercadorias), enquanto que a perda atinge direta e pessoalmente o consumidor. Um benefício social igual a 400 representa para o indivíduo, numa sociedade de somente um milhão de homens, quatro décimos de milésimo; enquanto que uma perda de 33% para o consumidor suporia um "déficit" social de 33 milhões" (Proudhon).
Pode-se admitir que o sr. Proudhon exprima uma celeridade levada ao quádruplo por 400% da celeridade primitiva; mas que ponha em relação a porcentagem de celeridade com a porcentagem do lucro e que forme uma proporção entre duas relações que, podendo ser medidas separadamente por porcentagens, são, contudo, incomensuráveis entre elas — é estabelecer uma proporção entre as porcentagens e deixar de lado as denominações.
Porcentagens são sempre porcentagens, 10% e 400% são comensuráveis: estão um para o outro assim como 10 está para 400. Logo, conclui o sr. Proudhon, um lucro de 10% vale quarenta vezes menos do que uma celeridade quadruplicada. Para salvar as aparências, ele diz que, para a sociedade, o tempo é o valor (time is money). Este erro provém do fato de se lembrar ele confusamente de que existe uma relação entre o valor e o tempo do trabalho, apressando-se em assimilar o tempo do trabalho ao tempo do transporte, o que equivale a dizer que identifica os foguistas, os guardas e outros poucos trabalhadores, cujo tempo de trabalho não é senão o tempo de transporte, com a sociedade inteira. Desse modo, eis a celeridade transformada em capital, e neste caso, ele tem plenamente razão de dizer: "Um lucro de 400% será sacrificado a uma perda de 35 % ". Depois de ter estabelecido como matemático esta estranha proposição, ele nos dá a explicação da mesma como economista.
"Um lucro social igual a 400 representa para o indivíduo, se a sociedade for somente de um milhão de homens, quatro décimos de milésimo." De acordo: mas não se trata de 400, trata-se de 400%, e um lucro de 400% representa para o indivíduo 400%, nem mais nem menos. Seja qual for o capital, os dividendos serão determinados sempre na relação de 400%. Que faz o sr. Proudhon? Ele toma as porcentagens pelo capital, e como se receasse que sua confusão não fosse bastante manifesta, bastante "sensível", continua:
"Uma perda de 33% para o consumidor suporia um "déficit" social de 33 milhões"; 33% de perda para o consumidor permanecem 33% de perda para um milhão de consumidores. Como pode dizer em seguida o sr. Proudhon que o "déficit" social, no caso de uma perda de 33%, se eleva a 33 milhões, quando não conhece nem o capital social nem mesmo o capital de um só dos interessados? Assim, não bastava ao sr.Proudhon ter confundido o capital e as porcentagens; ele vai além de si mesmo identificando o capital empregado numa empresa e o número dos interessados.
"Suponhamos, com efeito, para tornar a cousa ainda mais sensível", um capital determinado. Um lucro social de 400%, repartido por milhão de participantes, interessados cada um em 1 franco, dá 4 francos de lucro, por indivíduo, e não 0,0004, como pretende o sr. Proudhon. Do mesmo modo, uma perda de 33% para cada um dos participantes representa um "déficit" social de 330.000 francos e não de 33 milhões (100:33 = 1.000.000: 330.000).
O sr. Proudhon, preocupado com sua teoria da sociedade pessoal, esquece-se de fazer a divisão por 100, obtendo assim 330.000 francos de perda; mas 4 francos de lucro por indivíduo perfazem para a sociedade 4 milhões de francos de lucro. Resta para a sociedade um lucro líquido de 3 milhões 670.000 francos. Esta conta exata demonstra justamente o contrário daquilo que quis demonstrar o sr. Proudhon: é que os lucros e perdas da sociedade não estão em razão inversa aos lucros e perdas dos indivíduos.
Depois de ter retificado estes simples erros de puro cálculo, vejamos um pouco as consequências às quais se chegaria se se quisesse admitir para as estradas de ferro esta relação entre celeridade e capital, tal como o sr. Proudhon a apresenta, menos os erros de cálculo. Suponhamos que um transporte quatro vezes mais rápido custe quatro vezes mais; este transporte não daria menos lucro que a tração animal que é quatro vezes mais lento e tem a quarta parte das despesas. Assim, se a tração animal cobra 18 cêntimos, a estrada de ferro poderia cobrar 72 cêntimos. Esta seria de acordo com o "rigor matemático" a consequência das suposições do sr. Proudhon, sempre sem os seus erros de cálculo. Mas eis que subitamente ele nos diz que se, em vez de 72 cêntimos a estrada de ferro não cobrasse senão 25, ela perderia imediatamente todas as suas consignações. Decididamente, é preciso voltar à "malbrouke", e mesmo à carroça. Entretanto, se tivéssemos um conselho a dar ao sr. Proudhon, esse seria o de não se esquecer em seu"Programa da associação progressiva" de fazer a divisão por 100. Mas, pobre de nós, não poderemos esperar que nosso conselho seja ouvido, pois o sr. Proudhon está de tal modo encantado com seu cálculo "progressivo" correspondente à "ocasião progressiva", que exclama com muita ênfase:
"Já fiz ver no capítulo II, pela solução da antinomia do valor, que vantagem de qualquer descoberta útil é incomparavelmente menor para o inventor, faça ele o que fizer, do que para a sociedade; levei a demonstração deste ponto até o rigor matemático!"
Voltemos à ficção da sociedade pessoa, ficção que não tinha outro fim senão o de provar esta simples verdade: uma invenção nova que permita produzir com a mesma quantidade de trabalho uma maior quantidade de mercadorias faz baixar o valor venal do produto. A sociedade consegue, pois um lucro, não obtendo mais valores permutáveis, mas obtendo mais mercadorias pelo mesmo valor. Quanto ao inventor, a concorrência faz cair sucessivamente seu lucro até o nível geral dos lucros. O sr. Proudhon provou esta proposição como o queria fazer? Não. Isso não o impede de censurar aos economistas o ter deixado de fazer esta demonstração. Para provar-lhe o contrário, citaremos apenas Ricardo e Lauderdale — Ricardo, chefe da escola que determina o valor pelo tempo do trabalho, Lauderdale, um dos mais intransigentes defensores do valor pela oferta e procura. Desenvolveram ambos a mesma tese.
"Aumentando constantemente a facilidade da produção, diminuímos constantemente o valor de algumas das cousas produzidas anteriormente, embora por este meio não somente tornamos maior a riqueza nacional, como aumentamos a faculdade de produzir para o futuro... Quando por meio de máquinas ou dos nossos conhecimentos de física forçamos os agentes naturais a executarem a obra que os homens antes executavam, o valor permutável dessa obra, como consequência, cai. Se se precisasse de dez homens para porem em movimento um moinho de trigo, e se se descobrisse que por meio de vento ou água o trabalho destes dez homens pudesse ser poupado, a farinha que seria o produto da ação do moinho cairia de valor desde esse momento, proporcionalmente à soma de trabalho poupado; e a sociedade seria enriquecida com todo o valor das cousas que o trabalho destes homens poderia produzir, os fundos destinados ao sustento dos trabalhadores não sofrendo com isso a menor diminuição" (Ricardo).
Lauderdale, por sua vez, diz:
"O lucro dos capitais provém sempre do fato de suprirem eles uma porção de trabalho que o homem deveria executar com suas mãos, ou do fato de levarem a efeito uma porção de trabalho acima dos esforços pessoais do homem e que este não poderia executar por si mesmo. O pequeno lucro que obtêm em geral os proprietários das máquinas, em comparação com o preço do trabalho que suprem, fará talvez nascer dúvidas sobre a justeza desta opinião. Uma bomba a vapor, por exemplo, tira num dia mais de água de uma mina de carvão do que trezentos homens transportando o líquido sobre as costas, mesmo com o auxílio de tinas; e não é de duvidar que ela substitua o trabalho dos homens com muito menos despesas. Esse é o caso de todas as máquinas. O trabalho que se fazia por meio da mão do homem, a qual substituíram, elas devem fazê-lo por um preço mais baixo... Suponhamos que uma patente seja dada ao inventor de uma máquina que faz o trabalho de quatro; como o privilégio exclusivo impede qualquer concorrência, menos a que resulta do trabalho dos operários, é claro que o salário destes, em toda a duração do privilégio, será a medida do preço que o inventor deve conferir aos seus produtos. Isto significa que, para assegurar o uso, ele exigirá um pouco menos que o salário do trabalho que a máquina supre. Mas ao expirar o privilégio, outras máquinas da mesma espécie serão usadas e concorrerão com a sua. Ele regulará então seu preço pelo princípio geral, fazendo-o depender da abundância das máquinas. O lucro dos fundos empregados... embora resulte de um trabalho substituído, é enfim regulado, não pelo valor deste trabalho mas, como em todos os outros casos, pela concorrência entre os proprietários dos fundos; e o grau do mesmo é sempre fixado pela proporção entre a quantidade dos capitais oferecidos para esta função e a procura que se "manifesta".
Vemos, por fim, que, enquanto o lucro for maior do que nas outras indústrias, haverá capitais que se lançarão na indústria nova, até que a taxa dos lucros tenha descido ao nível comum.
Acabamos de ver que o exemplo da estrada de ferro não era muito adequado para lançar alguma luz sobre a ficção da sociedade pessoa. Contudo, o sr. Proudhon retoma intrepidamente a sua exposição:
"Esclarecidos estes pontos, nada mais fácil do que explicar como o trabalho deve deixar a cada produtor um excedente".
O que agora se segue pertence à antiguidade clássica. É um conto poético feito para repousar o leitor das fadigas que lhe deve ter causado o rigor das demonstrações matemáticas que o precedem. O sr.Proudhon dá à sociedade pessoa o nome de Prometeu, cujos altos feitos ele glorifica nestes termos:
"Prometeu, logo ao sair do seio da natureza, acorda para a vida numa inércia cheia de encantos, etc., etc. Prometeu põe-se à obra e, desde o primeiro dia, o primeiro dia da segunda criação, a produção de Prometeu, isto é, sua riqueza, seu bem-estar, é igual a dez. No segundo dia, Prometeu divide seu trabalho, e sua produção torna-se igual a cem. No terceiro dia, e em cada um dos dias seguintes, Prometeu inventa máquinas, descobre novas utilidades dos corpos, novas forças na natureza... cada passo de sua indústria, a soma de sua produção se eleva e lhe anuncia um aumento de felicidade. E, enfim, como para ele consumir é produzir, é claro que cada dia de consumo, não fazendo desaparecer senão o produto da véspera, deixa um excedente de produção para o dia seguinte".
Este Prometeu do sr. Proudhon é uma personagem engraçada, tão fraca em matéria de lógica como em economia política. Enquanto este novo Prometeu apenas nos ensina a divisão do trabalho, o emprego das máquinas, a exploração das forças naturais e do poder científico, multiplicando as forças produtivas dos homens e dando um excedente em comparação com o que produz o trabalho isolado, ele não teve senão a infelicidade de ter chegado muito tarde. Mas desde que Prometeu se põe a misturar produção com consumo, ele se torna realmente grotesco. Consumir, para ele, é produzir; ele consome no dia seguinte o que produziu na véspera, e é assim que tem sempre um dia a haver; este dia adiantado é o seu "excedente de trabalho". Mas consumindo no dia seguinte aquilo que produziu na véspera, terá sido preciso que no primeiro dia, que não teve véspera, ele tenha trabalhado para dois dias, a fim de ter depois um dia adiantado. Como pôde Prometeu conseguir no primeiro dia este excedente sem que houvesse então nem divisão de trabalho, nem máquinas, nem outros conhecimentos das forças físicas a não ser a do fogo? Assim, a questão, mesmo tendo sido levada "até o primeiro dia da segunda criação", não deu um passo à frente. Esta maneira de explicar as coisas se prende ao mesmo tempo ao grego e a hebraico, é ao mesmo tempo mística e alegórica, e dá perfeitamente ao sr. Proudhon o direito de dizer:
"Demonstrei pela teoria e pelos fatos o princípio de que todo trabalho deve deixar um excedente."
Os fatos são o famoso cálculo progressivo; a teoria é o mito de Prometeu.
"Mas, continua o sr. Proudhon, este princípio tão exato quanto uma proposição de aritmética, está ainda longe de ser válido para todo o mundo. Enquanto que, pelo progresso da indústria coletiva, cada dia de trabalho individual obtém um produto cada vez maior, e, como consequência necessária, enquanto que o trabalhador, com o mesmo salário, deveria tornar-se cada dia mais rico, existem na sociedade Estados que prosperam e outros que decaem".
Em 1770, a população dos Reinos Unidos da Grã-Bretanha era de 15 milhões, e a população produtiva de 3 milhões. O poder científico da produção igualava, aproximadamente, uma população de 12 milhões de indivíduos a mais: havia, pois, em suma, 15 milhões de forças produtivas. Assim, o poder produtivo estava para a população como 1 está para 1, e o poder científico estava para o poder manual como 4 está para 1.
Em 1840 a população não ia além de 30 milhões: a população produtiva era de 6 milhões, enquanto que o poder científico atingia 650 milhões, o que significa que ele estava para a população inteira assim como 21 está para 1, e para o poder manual como 108 está para 1.
Na sociedade inglesa, o dia de trabalho adquiriu, pois, em setenta anos, um excedente de 2.700% de produtividade, o que significa que em 1840 produziu vinte e sete vezes mais do que em 1770. Segundo o sr.Proudhon, seria necessário colocar esta questão: por que o operário inglês de 1840 não se tornou vinte e sete vezes mais rico do que o de 1770? Colocando semelhante questão, supor-se-ia naturalmente que os ingleses teriam podido produzir estas riquezas, sem que as condições históricas nas quais elas foram produzidas, tais como acumulação privada dos capitais, a divisão moderna do trabalho, a oficina automática, a concorrência anárquica, salariato, enfim, tudo o que se baseia sobre o antagonismo das classes tivesse existido. Ora, essas eram, precisamente as condições de existência necessárias para o desenvolvimento das forças produtivas e do excedente de trabalho. Assim, foi preciso, para obter este desenvolvimento das forças produtivas e este excedente de trabalho, que houvesse classes que prosperassem e outras que definhassem.
Que é, pois, afinal, este Prometeu que o sr. Proudhon ressuscitou? É a sociedade, são as relações sociais baseadas no antagonismo das classes. Essas relações são, não relações entre indivíduo e indivíduo, mas entre operário e capitalista, entre rendeiro e proprietário de terras, etc. Anulai estas relações e tereis destruído toda a sociedade, e vosso Prometeu não será mais do que um fantasma sem braços nem pernas, ou seja, sem oficina automática, sem divisão de trabalho, privado enfim de tudo aquilo que lhe havia sido dado a princípio para que pudesse obter este excedente de trabalho.
Se, pois, na teoria, bastava, como faz o sr. Proudhon, interpretar a fórmula do excedente do trabalho no sentido da igualdade, sem ter em consideração as condições atuais da produção, deveria bastar, na prática, fazer entre os operários uma repartição igualitária de todas as riquezas atualmente adquiridas, sem nada mudar nas condições atuais da produção. Esta partilha não asseguraria um grau muito grande de conforto a cada um dos participantes.
Mas o sr. Proudhon não é tão pessimista como se poderia supor. Como a proporcionalidade é tudo para ele, não poderia deixar de ver no Prometeu tal como nos apresenta, isto é, na sociedade atual, um começo de realização de sua ideia favorita.
"Mas por toda parte o progresso da riqueza, ou seja, a proporcionalidade dos valores, é também a lei dominante; e quando os economistas opõem às queixas do partido social o aumento progressivo da fortuna pública e as melhorias introduzidas na condição das classes mesmo as mais desventuradas, eles proclamam, sem que o percebam, uma verdade que é a condenação de suas teorias".
Que é, com efeito, a riqueza coletiva, a fortuna pública? É a riqueza da burguesia, e não a de cada burguês em particular. Pois bem! Os economistas não fazem outra coisa senão demonstrar como, nas relações de produção tais como existem, a riqueza da burguesia se desenvolveu e como deve ainda aumentar. Quanto às classes operárias, é ainda uma questão muito contestada a de saber se sua condição melhorou depois do crescimento da riqueza pretensamente pública. Se os economistas nos citam, em apoio de seu otimismo, o exemplo dos operários ingleses que trabalham na indústria algodoeira, eles não veem a sua situação senão nos raros momentos de prosperidade do comércio. Estes momentos de prosperidade estão, nas épocas de crise e de estagnação, na "justa proporcionalidade" de 3 para 10. Mas talvez ainda, falando de melhoria, os economistas tenham querido falar destes milhões de operários que tiveram de perecer, nas Índias Orientais, para proporcionarem ao milhão e meio de operários ocupados na Inglaterra na mesma indústria três anos de prosperidade sobre dez.
Quanto à participação temporária no aumento da riqueza pública, é diferente. O fato de participação temporária explica-se pela teoria dos economistas. Ele é sua confirmação e de nenhum modo sua "condenação", como diz o sr. Proudhon. Se houvesse alguma coisa a condenar, isso seria certamente o sistema do sr. Proudhon, que reduziria, como o demonstramos, o operário ao mínimo de salário, apesar do aumento das riquezas. Não é senão reduzindo-o ao mínimo de salário, que ele terá feito uma aplicação da justa proporcionalidade dos valores, do "valor constituído" — pelo tempo de trabalho. É porque o salário, em consequência da concorrência, oscila acima e abaixo do preço dos víveres necessários ao sustento do operário, que este pode participar por pouco que seja do desenvolvimento da riqueza coletiva, mas podendo também morrer de miséria. Essa é toda a teoria dos economistas, que não se deixam iludir.
Depois de suas longas divagações a respeito das estradas de ferro, de Prometeu e da nova sociedade a ser reconstituída com o "valor constituído", o sr. Proudhon se recolhe; a emoção o domina e ele exclama num tom paternal:
"Eu adjuro os economistas a se interrogarem um momento, no silêncio de seu coração, longe dos preconceitos que os perturbam e sem ter em consideração os empregos que ocupam ou que esperam ocupar, os interesses que desservem, os sufrágios que ambicionam, as distinções onde sua vaidade se embala, e que digam se até hoje o princípio segundo o qual todo trabalho deve deixar um excedente lhes havia aparecido com esta cadeia de preliminares e de consequências que nós levantamos".
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