OS esCRAVOS
Sinceramente ontem adormeci, ou melhor, nem sei se foi ontem ou se já foi hoje. Já nem me recordo se me despi ou se me deitei com a minha t-shirt do BASTA, pois hoje acordei e esta palavra tão forte estava gravada no meu peito.
BASTA, BASTA, mas BASTA mesmo, de perpetuar esta injustiça, esta desigualdade, esta assimetria profissional.
Pensei, sonhei que depois de ter vivido o que vivi, acordaria finalmente agarrado a um ACT e que seria o meu livro de mesinha de cabeceira, aquele que responderia ao que foram as nossas formas de luta ao logo de todo este tempo.
Não aconteceu, mas está entregue. Agora nem tudo depende de nós, mas tudo o que foi construído para que alcançássemos este momento (e que momento) dependeu e muito de muitas pessoas, arriscaria dizer, da maioria dos ENFERMEIROS, aqueles que se revêm na luta pelas suas justas e merecidas reivindicações.
O processo foi longo, os obstáculos imensuráveis e a dureza das conquistas foi imensa que nem importa recordar, porque eram perfeitamente evitáveis.
Nem todos os apelos que foram lançados, nem todos os convites à união foram recebidos ou foram desconsiderados por quem distraidamente se alheou dos reais problemas dos ENFERMEIROS e do que foi a sua voz de chamamento.
Hoje estão TODOS de parabéns, aqueles, que esforçadamente contribuíram para que todas estas iniciativas decorressem sem mácula e de uma mobilização coletiva sem precedentes, quer qualitativamente, quer quantitativamente.
Reconheço que foram TODOS e porque o FORAM, naquilo que são as suas capacidades e competências, porque para um enfermeiro poder dar corpo a uma manifestação, outro, terá de o substituir no seu local de trabalho. Neste espírito coletivo de união, existiram apenas pequenas manobras de distração que encomendada ou intencionalmente se abateram sobre nós, mas que tiveram o efeito contrário do possivelmente desejado.
Aquilo que retenho e que me preenche a alma está nesta fotografia de uma colega e que demonstra a serenidade, o dever, a beleza e uma simplicidade que traduz o que foram dias e dias de lutas difíceis, de noites sem dormir, de custo individuais assinaláveis, mas que refletem que chegamos ali e que ali está uma parte de nós.
É naquele cravo branco caído, já murcho, amassado, partido, desidratado, a perder a cor, que está representada a força com que o apertamos e o elevamos mais alto gritando cansadamente desesperados por justiça e dignidade.
Apenas isso, apenas estas duas palavras que nos fizeram elevar bem alto os braços, a voz e que depois caíram num pedaço de calçada, que será pontapeado ou colocado no lixo, porque é este inevitavelmente o destino de uma flor tão bonita.
E nós ENFERMEIROS? Continuaremos a ser assim e será este o nosso fim?
Não tenho uma resposta clara, mas a beleza dos cravos também a temos, também pretendemos que nos agarrem, acariciem e admirem, também queremos ser elevados bem alto, mas queremos ficar nas mãos das pessoas, aquelas que estão connosco e que compreendem aquilo que fazemos e somos neste Serviço Nacional de Saúde.
Não pretendemos cair tão rapidamente, nem ser novamente abandonados no chão de onde nos levantamos. Nós temos muita vida, uma vida NOSSA e muitas outras para ajudar a construir. Não vamos desistir.
Não ficaria bem comigo mesmo se não escrevesse isto e confesso que era minha intenção descansar esta semana, nem que tivesse de olhar constantemente para esta fotografia, mas por vezes a injustiça é de tal forma ENORME que me incomoda e permitam-me que discorde das críticas que foram efetuadas a um colega nosso, a um dos NOSSOS representantes e que apesar de sermos livres de escrever e\ou dizer o que pensamos, não deixa de magoar, ler determinadas coisas, quando o cansaço de uma semana linda, intensa, magnifica, maravilhosa da enfermagem, onde o NOSSO coração ficou recheado do verdadeiro sentimento do que é ser enfermeiro, ainda não tinha ainda sido debelado e já muita energia estava a ser canalizada para criticar o Presidente do Sindicato dos Enfermeiros e outros, no final de um dia sem memória.
Porquê, mas porquê? Podemos até discordar de algumas ideias, de algumas propostas, disto ou daquilo, mas este colega, esteve CONNOSCO na marcha, na manifestação, com a sua bandeira e com a sua t-shirt do Basta. Esteve presente, no seu anonimato e na sua linda tenra idade, caminhou ao NOSSO lado.
Podemos discordar da cor do seu cabelo ou da gravata que habitualmente não usa, mas não podemos ignorar que estamos a lutar por um Acordo Coletivo de Trabalho que a equipa dele trabalhosamente construiu e que pelo qual desde 2009 lutam, por ser a forma mais clara, objetiva e segura de conseguirmos uma profissão de respeito e respeitada.
Gritamos tanto pela palavra RESPEITO, e ainda não tínhamos visto as fotografias todas destes momentos, este já estava a ser violado.
Os meus pais sempre me ensinaram a respeitar os mais velhos e pelo menos a ouvi-los naquilo que foram as suas experiências de vida, pois nos fornecerão pistas importantes para enfrentar as dificuldades da vida. Posso até discordar, mas nunca desrespeitar.
Que fique claro, que estes cravos caíram ali, muito pela sua intervenção, pelo espírito de luta da sua equipa e pela sua incansável determinação na defesa da profissão e no devolver a esta o que entretanto perdeu.
É muito ingrato, pelo menos, senti isso, pois foram palavras do colega José Azevedo, no final da Enorme Manifestação dos ENFERMEIROS do dia 11 no Porto, que tudo faria para mobilizar as pessoas para a Manifestação de Enfermeiros em Lisboa no dia 15 de Setembro e que tudo faria para disponibilizar o transporte a quem quisesse e pudesse ir.
Tanto o fez, como também esteve presente, quando poderia estar no recato do seu sofá, mas não, não o fez por protagonismo, ou por uma carreira melhor para ele. Fe-lo por NÓS e pela NOSSA profissão.
Também referiu bem alto, que não deveríamos ter medo, que ele estaria a ali para nos defender das ameaças e das injustiças e que nos agradecia imenso o sentimento de carinho e apoio que estava a receber.
Com ele imensas pessoas trabalharam neste sentido, muitas até completamente anónimas, mas que se empenharam numa causa e se desdobraram em trabalho para que o objetivo fosse cumprido, numa articulação de esforços, entre diferentes estruturas, para que o resultado fosse este.
Queria deixar o reconhecimento e o agradecimento especial a TODOS sem exceção, mas em particular aos colegas da FENSE, os quais acompanhei de perto o seu trabalho, esforço e dedicação que canalizaram para que o NOSSO coração ficasse recheado de emoção. Para eles, os votos de que essas ausências familiares se traduzam num futuro melhor para todos.
A todos os colegas que não pertencendo diretamente à FENSE, mas que acreditam nas suas propostas e que levaram a cabo várias iniciativas que deram um brilho especial a esta semana, como foram as Manifestações do dia 11/09 e que articuladas com a FENSE desenvolveram um trabalho EXCECIONAL.
A todos os colegas que ao longo da semana organizaram múltiplos eventos em todo país, ao reconhecimento do espírito de iniciativa, criatividade e mobilização.
Aos colegas que passaram a nossa mensagem para o exterior através dos meios de comunicação social, e dos quais me orgulho tanto, e dos quais sinto que existe mesmo muito potencial na NOSSA profissão, mas que não querem reconhecer.
Aos colegas que de uma forma ou de outra divulgaram a mensagem, que enviaram mensagens de apoio de vários locais do mundo, de diferentes unidades de saúde, de vários serviços, de diferentes categorias, um enorme agradecimento.
Aos diferentes Movimentos Espontâneos, com especial destaque para os EESMO que têm demonstrado uma enorme determinação, união e espirito de colaboração e articulação com a FENSE, do qual nos deveremos sempre orgulhar e recordar o que foi o seu desenvolvimento.
À Ordem dos Enfermeiros que nunca nos abandonou e que esteve sempre presente.
A todos aqueles que asseguraram os cuidados mínimos.
A todos aqueles que respeitaram a opção dos não grevistas.
A todos aqueles que sentiram a ENFERMAGEM como a única coisa que nos move.
A todos sem exceção o muito OBRIGADO.
Os cravos ficaram lá, mas nós voltamos e voltamos mais fortes. Teremos de continuar firmes e não cair em precipitações.
Saber distinguir o que é ironia, humor, assuntos sérios, mas saber retirar o que de melhor há em cada um de nós, porque temos muito de bom e isso é o que importa.
O desafio passa por valorizar esses aspetos positivos e ignorar o que existe de negativo, porque este é e sempre será menor e menos significativo.
Que a beleza desta e tantas outras fotografias nos traga a paz tão desejada.
PELA ENFERMAGEM continuaremos todos juntos rumo ao tão desejado e merecido ACT.
PÚBLICO
CM
DN
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