quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CARTA DE ALGUÉM PARA NINGUÉM

Carta ao Sr. Ministro da Saúde de Portugal:
Gabo-lhe, desde já, a ousadia do seu Secretário de Estado Manuel Teixeira, em emitir este comunicado, principalmente nesta altura em questão e especialmente quando a culpa desta greve, basicamente, é vossa, mas não consigo deixar passar a tentativa de, mais uma vez, manipular a opinião pública contra os enfermeiros portugueses. E já agora, quando lhe dá mais jeito mesmo?! Diga lá.
Alega pois, o sr. Manuel Teixeira que “sem questionar o direito constitucional à greve, solicita-se que, tendo em conta o interesse público e o cenário epidemiológico extraordinário atual, se dignem avaliar a oportunidade da paragem laboral já decretada, as consequências nos cuidados prestados às pessoas e a percepção social sobre a greve e os seus riscos”.
Primeiro Sr. Ministro, deveria informar o seu secretário de estado que, durante a greve dos enfermeiros, o nosso código deontológico não permite que sejam sonegados os cuidados de saúde essenciais e mínimos condizentes com o bem estar do doente, pelo que esta mesma greve jamais colocaria em risco a vida de alguém, pelo que o seu Ministério escusa de se vir preocupar em praça pública com isso. Talvez na altura do Orçamento, essa preocupação devesse ser mais emergente, principalmente na altura de cortar milhões de euros às gestões públicas..digo eu. O que distingue a minha profissão da sua, por exemplo, é que nós nas greves trabalhamos, ao contrário dos dias de trabalho normais para si, serem dias de greve aos Portugueses.
Aproveito para lhe fazer uma breve exposição da minha carreira. Comecei numa clínica privada em Viseu, consegui contrato com o Hospital de Santa Maria, tendo depois seguido o conselho do seu chefe de governo, e emigrei para Inglaterra, à procura de respeito salarial e reconhecimento social, num país que não sendo o meu, me oferecia isso desde o dia que aterrei. Contudo, as saudades do meus país, e a vontade de lutar por um futuro melhor, trouxeram-me rapidamente de volta. Assim, estabeleci-me no meu actual local de exercício profissional, o Serviço de Urgência do Hospital de Vila Franca de Xira. Ouviu falar, presumo.
Ainda assim, acrescento a informação de como é o dia-a-dia dum enfermeiro, que, ao contrário do Sr. Ministro, não se levanta da sua cadeira apenas para aparecer quando há câmaras de televisão apontadas. Fique ainda sabendo, que o exercício da minha profissão não justifica 50 secretários de estados e uma inúmera frota automóvel topo de gama renovável todos os biénios. Não, os enfermeiros apenas se limitam a acrescentar riqueza ao estado, sem para isso usufruir de recursos desnecessários e dignos da cultural megalomania lusitana.
Na sexta feira passada, quando o sr. Ministro ainda nunca tinha ouvido falar de Legionella, dirigi-me ao meu local de trabalho, onde foram diagnosticados os primeiros de muitos casos. Como calculará, ou não pois sentado na poltrona fica difícil avaliar o terreno, a afluência nesse dia ao meu serviço de urgência foi ligeiramente anormal. O que nunca impediu "a prestação de cuidados de saúde", como teme o seu ministério. No Domingo, entrei às 8h da manhã e o cenário com que me deparei, é indiscritível. A afluência simplesmente suplantava todas as previsões. O que eu vi, naquele local, foram enfermeiros que, tendo hora de entrada, abdicaram da hora de saída, pois o trabalho e o número de pessoas assim o exigia. Não ouvi reclamações, lamúrias ou qualquer apelo à rebelião social por parte destes profissionais. Movidos simplesmente pela adrenalina da situação, e a vontade inerente de chegar a todos os pacientes, foram incansáveis no combate a este flagelo. Na segunda feira, sabendo das necessidades dos mesmos colegas e dos pacientes, alguns dos enfermeiros que se apresentavam para o turno da noite, fizeram-no 3 horas mais cedo, de livre vontade, enquanto outros abdicaram da sua folga e do seu descanso familiar para irem trabalhar durante a noite. Pergunto sr. Ministro, de quantos dias de descanso já o senhor abdicou na vida? 
Desde o início do surto, tive o prazer de privar cerca de 6 a 7 horas com o meu filho de 8 meses. Sabe porquê, sr. Ministro? Porque mesmo sem me ter sido IMPOSTO, eu me apresentei ao meu local de serviço durante estes dias, para trabalhar em turnos de 12 horas, ou mais. E como eu, muitos colegas meus. Profissionais que, todos os meses, lhes vêm negados os seus direitos de serem ressarcidos dum salário justo com a responsabilidade que acarreta o cargo.
Podia continuar infindavelmente a expor situações onde o profissionalismo dos Enfermeiros sempre, mas SEMPRE se iria sobrepor ao seu, ao dos seus secretários de estado, e a todos os governantes deste país, pelo que este apelo sr. Ministro, é uma afronta, mais uma aliás, a uma profissão que coloca os direitos dos utentes sempre à frente dos seus. E, mais uma vez, perante uma situação onde os portugueses de nós precisaram, nós não os decepcionámos nem falhámos com a nossa missão.
Por isso, não tentem manipular a opinião pública contra alguém que nunca vos falhou. Ao contrário do seu ministério. E já agora, não se esqueça de continuar a fechar os olhos aos enfermeiros que ganham 300 a 500€ abaixo do que está previsto na lei..E pronto, quando lhe der jeito avise. Para nos poder continuar a ignorar.
Sinceramente,
um enfermeiro deste país.

Joel Marques



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Olha, afinal enganei-me... Venho por este meio agradecer ao Sr. Ministro pelos 8 Enfermeiros a mais no meu serviço, neste dia de serviços mínimos, cujo ordenado será pago apesar de aderirmos à greve. Afinal este surto de doença não contagiosa, cujas vítimas teriam cuidados garantidos com ou sem greve, veio demonstrar duas coisas:
1. Se o Ministro pede (e não "ordena" pois isso é competência dos tribunais através de requisição civil) aos Enfermeiros para estarem presentes nos hospitais em dia de greve, é sinal que fazemos falta. Agradeço o voto de confiança! Só não percebo é porque somos tratados abaixo de cão...
2. Ficamos a ter conhecimento da total ignorância do Sr. Paulo face aquilo que é realmente uma greve de Enfermagem, onde a saúde dos doentes internados nunca fica em risco precisamente graças a essa coisa mágica e que ninguém entende (nem ele), que são os "Serviços Mínimos". Sim, nós (ao contrário dos trabalhadores dos transportes, educação e afins) quando fazemos greve trabalhamos à mesma pois tratamos de PESSOAS e não de bestas como os jornalistas de opinião e governantes que têm proferido as maiores barbaridades acerca desta greve.
Foi bom, dia 21 vai ser melhor ainda!


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