quarta-feira, 16 de julho de 2014

AS FITAS QUE FAZEM PARA RETARDAR O INEVITÁVEL PAPEL ENFERMEIRO NOS CSP

Médicos cubanos em missão têm de informar chefias de relações amorosas

16/07/2014 - 10:48
A culpa de ter alimentado o sonho médico de Ernesto não deixa Javier Vera sossegar. Até 2008, o médico espanhol que trabalha em Portugal há 12 anos participou em palestras e formações em Havana, ligado à Sociedade de Medicina Interna Cubana. Aficionado da medicina baseada na evidência, que procura avaliar as tecnologias mais eficazes e económicas com base em resultados tangíveis, conseguiu passar o bichinho para o jovem estudante de Medicina em Cuba, conta o jornal i.

A última vez que Ernesto lhe escreveu, em Dezembro de 2008, era finalmente especialista em Medicina Interna. Estava à espera de saber em que hospital seria colocado e tinha grandes ambições.

"Queria partilhar convosco a minha alegria, sabendo que tantos de vocês acompanharam nos últimos anos o meu desejo de conseguir este título", escreveu a Javier. O espanhol dá-lhes os parabéns e, na volta do correio, Ernesto conta-lhe que gostava de trabalhar no hospital central de Havana Hermanos Ameijeiras, mas não lhe cabe decidir onde é colocado. Expressa também, "se possível", a vontade de "dar um salto maior tão grande como o Atlântico." Javier oferece-lhe trabalho mas Ernesto não torna a responder.

O médico, também cônsul honorário de Espanha em Portimão, demorou anos a juntar os fios desta história, o que também não se perdoa. Agora que terminou, começou por divulgar vários trechos nas redes sociais. Em Junho, publicou um artigo na revista "USA Hispanic Press" onde denuncia um "mercado de novos negreiros", de que acredita que Ernesto foi vítima. E acusa o governo português, de há cinco anos receber brigadas médicas, num acordo com Cuba para minorar a falta de médicos de família no país, mas que acaba por pactuar com o que considera ser uma exportação de profissionais em condições que, podendo ser válidas em Cuba, à luz das leis nacionais são escravatura.

A história começa em Junho de 2000. Javier, então com 28 anos e ainda a terminar o internato de Medicina Interna no Hospital Juan Ramón Jimenez, em Huelva, vai ao Congresso Mundial de Medicina Interna em Cancun. Na plateia, conhece uma cubana recém-formada em medicina familiar. Laura ia casar na semana seguinte e fala-lhe do futuro marido, Ernesto, queria tirar Medicina Interna. Trocam contactos e, em 2002, quando Javier é convidado para uma visita a Cuba para colaborar na organização no congresso de Medicina Interna como membro organizador europeu, conhece o cubano, ainda a estudar medicina. "Era um rapaz cheio de entusiasmo. Nas palestras parecia que era ele que discursava, contrapondo argumentos e citando os vários autores."

Voltam a ver-se nesse ano e a partir daí mantêm contacto, sobretudo por email. Falam das virtudes da Medicina e Ernesto diz-lhe que quer esforçar-se para se aperfeiçoar. Javier continua a ir a Cuba, onde colabora na discussão de casos com médicos do hospital Ameijeiras e do Profilactorio Nacional Obrero de Cuba, estância de medicina do trabalho aberta a quadros qualificados do Estado. Até que Ernesto termina a especialidade e não torna a responder.

À procura de explicações junto dos seus contactos em Cuba, dizem-lhe que foi de missão para a Venezuela, onde já tinha estado três meses: "Pensei que fosse um estágio." Depois , um dia recebe um email de Laura, a dizer que Ernesto desapareceu. Javier estranhou, o casal que tinha conhecido seis anos antes tinha então dois filhos: "Pensei que se tivessem divorciado." Como não tornou a receber resposta, continuou a indagar. Só em 2011 o seu director de serviço no Hospital em Huelva, que também tinha ligação à comunidade médica em Cuba, o despertou. "Estava a tentar desertar e teve um acidente."

Desertar de quê? 

"Estava a tentar desertar de quê?", lembra a sua interrogação. Só a partir daí, diz, juntou as "coisas estranhas" das suas viagens a Cuba. Nos primeiros encontros com Laura e Ernesto, recorda que uma vez os impediram de entrar no seu hotel para beber um copo, sem justificação. Não esquece também uma festa de aniversário de um chefe de serviço do Ameijeiras, a que não queria ir com a mulher por pensar ser mais uma boca na casa de um médico e professor que, de acordo com o que sabia, teria como vencimento 30 CUC, a moeda nacional em Cuba, o equivalente a 30 dólares.

Era isso que invocavam os médicos que apanhava a guiar táxis nas ruas de Havana, mesmo o podologista de quem se tornou amigo e lhe fazia desconto: 30 dólares por um dia de passeio, preço em conta para o que cobram os guias em Havana, mas ainda assim uma fortuna para quem ganha isso num mês. Quando aceitou o convite, mandaram-no buscar de limusina ao hotel. Ao chegar à casa, encontrou uma festa com 200 pessoas. Teve vergonha de oferecer a garrafa de vinho que levava. Na festa, conheceu elementos do Partido Comunista de Cuba. O anfitrião insistia sempre em pagar as refeições, algo que nunca viu fazer. Havia uma "ligação" entre o exercício da medicina, os privilégios e interesses de Cuba na formação dos médicos. Não sabia até que ponto.

Dois tipo de cubanos 

Por viver no Algarve, onde foram destacados alguns dos médicos de Cuba que vieram para Portugal em 2009, até já tinha escrito a Havana a reconhecer a salvação de Portugal no âmbito sanitário. Começou a tentar puxar informações a cubanos que conhecia, sem sucesso. Um deles, Álvaro, era seu colega em Portimão desde 2007. Nunca tinham falado sobre o passado, mas perguntou-lhe directamente. Depois de uma missão para Moçambique, não voltou a Cuba. Após conseguir regularizar a sua situação no país, trabalhando em agências de trabalho, emigrou para Portugal.

Javier começou então a perceber que havia "dois tipos de médicos cubanos", como resume. Colegas que encontrava nos serviços em Portugal e em Espanha, com percursos idênticos. E os outros, que integravam as brigadas médicas, cumpriam o seu trabalho mas não tinham o mesmo comportamento:. "Pessoas que chegavam, trabalhavam e iam embora sem saber como nem português."
Continuava contudo a faltar informação e a sua especialização médica exigia as tais "provas tangíveis" para as suas suspeitas. Até porque as notícias sobre dissidências de médicos cubanos no estrangeiro, como as que dão conta de oito casos por dia na Venezuela em 2013, são evidências recentes. Muito mais as declarações recentes como as de oficiais cubanos, que em Abril assumiram que as missões de saúde cubana têm um carácter solidário mas também económico. Para este ano, estima-se que a exportação de técnicos de saúde renda mais de 8 mil milhões de dólares à ilha, revelou na Assembleia Nacional de Havana a directora-geral do Ministério do Comércio Exterior e do Investimento Estrangeiro cubano Dagmar Gonzalez Grau.

Para Javier Vera, as pontas só começaram a juntar-se quando surgiu o projecto do centro médico em Vila Real de Santo António, inaugurado há dois meses. Acedeu a um acordo entre a autarquia e os Serviços Médicos Cubanos, que punha escrito o rumor e denúncia de largos meses: os médicos cubanos só recebem uma pequena fatia do montante pago a Cuba. Para perceber porque o fazem, pediu a um colega cubano que lhe contasse os detalhes. Javier garante ser esse o relato que publica no "USA Hispanic Press", o resultado de duas horas de conversa em Janeiro das quais saiu com "vergonha", própria e alheia.

Segundo descreve Javier, Adriano estava em missão na Venezuela em 2008 quando lhe comunicaram que estava a ter lugar um processo de selecção para Portugal. O salário seria de 300 euros mensais no país e outros 300 euros que seriam depositados numa conta bancária em Cuba. Mais do que os valores praticados então na missão venezuelana. A deslocação daria ainda direito a casa em Cuba, computador com internet e uma pensão de 80 dólares mensais para os familiares directos que estivessem alojados na sua casa durante a ausência - regalias e valores inexistentes para os médicos que fiquem na ilha.

64 horas de trabalho 

Na estadia, segundo relatou Adriano, o controlo é apertado: são supervisionados por um chefe de missão, a quem teriam de reportar qualquer deslocação. Não teriam vínculo contratual com Portugal, mas receberiam através da Embaixada de Cuba. Após assumirem o contrato, caso desaparecessem, seriam considerados desertores e teriam uma pena de prisão de 15 anos caso regressassem a Cuba.

NB: Podiam fazer um filme.
Se José Manuel Silva  do Pombal dos marqueses colaborar, nós também daremos uma ajuda.

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