Livre circulação de doentes na União Europeia entra hoje em vigor
Ir tratar-se ao estrangeiro e ser reembolsado pelo Estado sem necessidade de autorização prévia passa a ser a regra
Em teoria, a partir de hoje, um português que precise de fazer uma cirurgia às cataratas ou às varizes e já tenha ultrapassado o tempo máximo de espera (nove meses) pode ser operado em Espanha ou noutro país da União Europeia (UE) e ser reembolsado pelo Estado. Portugal teve dois anos e meio para fazer a transposição desta directiva que permite a liberdade de escolha no acesso a cuidados de saúde no espaço da UE. Mas nada se sabe ainda sobre o trabalho que as autoridades de saúde nacionais estão a desenvolver ou se o prazo para a transposição da directiva, que termina hoje, vai ser cumprido.
Não há informação sobre questões básicas, como a eventual definição da carteira de serviços a assegurar, sobre as instituições encarregadas de disponibilizar informações aos cidadãos, sobre os prazos de reembolso. O PÚBLICO tentou obter esclarecimentos junto do Ministério da Saúde que respondeu: "Não há comentários ou declarações sobre o assunto".
Aprovada em Março de 2011, a Directiva 2011/24/UE garante a mobilidade dos doentes relativamente a cuidados de saúde programados, desde cirurgias a consultas, tratamentos e exames. Na prática, implica que o Estado português passe a reembolsar os cuidados prestados noutros países, no caso de não conseguir dar-lhes resposta em tempo útil nas unidades de saúde nacionais. Até agora, o país apenas tem suportado tratamentos no estrangeiro no casos de "impossibilidade, material e humana" de os cuidados serem prestados em unidades nacionais.
Esta semana, a Comissão Europeia chamou a atenção para a entrada em vigor da directiva. Em nota, lembrou que vem clarificar "os direitos dos doentes que assentam na livre circulação" e que foram "explicitados em diversos acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu". "No caso dos cuidados hospitalares", refere, "uma das maiores conquistas é o facto de os pacientes poderem escolher o prestador de cuidados de saúde". A Comissão Europeia sublinha ainda a vantagem da menor burocracia que o novo modelo implica uma vez que, a partir de agora, os pedidos de autorização prévia para tratamentos no estrangeiro "devem ser a excepção e não a regra".
Em Portugal, vários especialistas antecipam que esta legislação apenas vai beneficiar pessoas com maiores rendimentos porque os doentes terão que pagar do seu bolso os tratamentos e esperar para serem reembolsados. Além disso, o Estado cobrirá apenas o custo do tratamento em Portugal, não as deslocações nem o alojamento, e em determinados casos os doentes necessitarão ainda de autorização prévia, por exemplo quando o tratamento implicar um internamento hospitalar de pelo menos uma noite ou se estiverem em causa cuidados de saúde altamente especializados e particularmente onerosos. A directiva vai "favorecer sobretudo as classes mais endinheiradas" e também as pessoas que vivem nas zonas fronteiriças, antecipa, a propósito, Adalberto Campos Fernandes, professor da Escola Nacional de Saúde Pública.
A nova legislação também permitirá que doentes estrangeiros possam ser operados em Portugal, abrindo, desta forma, uma nova janela de oportunidades para o país. Mas Adalberto Campos Fernandes prevê que o risco de incremento da despesa seja maior do que o da receita, pelo menos numa fase inicial . "O país precisa primeiro de construir uma reputação significativa no sector para conseguir ser exportador", justifica.
Num estudo preliminar realizado em 2011, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) estimava que o impacto iria ser reduzido de início e que, feitas as contas, até haveria um saldo positivo para Portugal, mas também admitia que as estimativas poderão estar "muito afastadas da realidade".
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