sábado, 1 de fevereiro de 2014

SAÚDE 24 - LINHA ABERTA

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Saúde 24: os prestadores de serviços e o boy instalado

Daniel Oliveira
 


A Saúde 24 é um serviço público concessionado a um privado. As denúncias de más práticas na empresa Linha de Cuidados de Saúde (LCS) já vêm de 2008. Perante essas denúncias, a empresa deixou sempre claro como se relaciona com os trabalhadores, instaurando processos disciplinares a quem as fez. O ambiente de intimidação faz parte da sua cultura empresarial e refletiu-se em sucessivos despedimentos. De quem faça denúncias, de quem testemunhe em tribunal, de quem dê a cara por qualquer contestação, de quem denuncie os abusos à Direção-Geral de Saúde (DGS), de quem recuse reduções salariais.
Na realidade, na LCS não se despede ninguém. Há uma "não renovação de contratos". Porque ali não há trabalhadores. Nem sequer há "colaboradores". Há "prestadores de serviços". E é isso que explica que o direito à greve lhes esteja vedado e sejam acusados de boicotes. Na LCS lutar por direitos é tratado como um crime. Mas, aos olhos da lei, eles são trabalhadores. Como prova a decisão de um tribunal, em Junho de 2011, quando uma das enfermeiras despedidas ganhou o reconhecimento da sua relação laboral. A LCS foi obrigada a indemnizá-la em 40 mil euros por ter trabalhado com falsos recibos verdes e em mais 10 mil euros por danos morais. Mesmo assim a administração teima em considerar que, se os enfermeiros têm outro emprego e não têm horário completo, é um "disparate" serem considerados seus trabalhadores.
Passa-se qualquer coisa nesta empresa para que, sempre que há um conflito, os trabalhadores sejam acusados das piores vilanias. Já em 2009, quando houve outra paralisação, a administração acusara, como acusa agora, os trabalhadores de conduta criminosa e de atos de "vandalismo". A empresa chegou mesmo a acusar uma enfermeira mais contestária de ter causado danos materiais e de ter escrito à DGS, para que este tomasse conta da linha, conspirando assim contra quem a contratara. Em tribunal, a trabalhadora em causa foi ilibada. Mas acabou, claro, por ser despedida, no dia seguinte à renovação do contrato do Estado com a LCS. Das duas uma: ou esta empresa tem um dedo especial para contratar trabalhadores problemáticos ou é a administração que tem um problema nos relacionamento com os seus funcionários.
Em agosto de 2011, a DGS anunciou a não renovação do contrato com a LCS e abriu um concurso público. Foi ganho por um consórcio da PT. A LCS também tinha concorrido, mas acabou por desistir. No entanto, em maio de 2013, o Tribunal de Contas chumbou definitivamente este concurso, por problemas processuais não terem permitido "a escolha da melhor proposta". Isto apesar do valor da concessão ter sido reduzido em 47%. Novo concurso e acabou por ganhar, por um valor ainda mais baixo, um consórcio liderado pela LCS. A descida, para ganhar o concurso, foi conseguida através da redução dos salários dos trabalhadores. Perdão, dos "prestadores de serviços".
O valor do salário dos trabalhadores desceu de 8,75€ para 7€ por hora, acrescido de um corte de 50% da remuneração das horas noturnas e diurnas especiais. Isto sem contar com as despesas com a segurança social, a cargo do trabalhador, já que todos trabalham nesse original regime português que são os falsos recibos verdes. Vale a pena recordar que este corte partiu duma proposta da própria empresa. Uma proposta que tinha um valor que era menos de metade do que o Estado tinha disponibilizado para este concurso e um quarto do contrato anterior. Tudo isto de forma unilateral, sem qualquer negociação com os seus trabalhadores. O administrador Luís Pedroso explicou ontem, na TVI, que, caso os cortes não lhes agradassem, os "prestadores de serviços" teriam sempre o direito a não trabalhar lá. É, concedo, um passo em frente em relação à escravatura: sempre se podem ir embora.
Foi a 16 de dezembro que os trabalhadores da Saúde 24 apresentaram uma queixa à Autoridade para as Condições de Trabalho e entregaram à empresa um documento assinado por 300 dos 400 trabalhadores. A empresa aumentou a pressão sobre os trabalhadores para aceitarem a redução. Três semanas depois, sem que a empresa iniciasse qualquer negociação com os representantes eleitos pelos trabalhadores, começou a paralisação. Metade dos enfermeiros, a recibos e num ambiente de medo, tiveram a coragem de fazer greve. Como no passado, as reivindicações foram transformadas, pela administração, em atos criminosos. Iniciou mesmo uma campanha contra os seus próprios trabalhadores (isto numa empresa que depende da credibilidade de quem nos presta informações e nos dá conselhos), utilizando publicidade paga em vários jornais. Parece que para isso haverá dinheiro. E apresentou uma queixa à Ordem dos Enfermeiros, que já lhe deu a entender que a vai mandar passear.
Depois de afastar as 16 pessoas que deram a cara pelo protesto, a LCS despediu, ainda este mês, cem trabalhadores que se recusaram a assinar uma redução ilegal do salário. Perdão, estes cem, nas palavras do administrados Luís Pedroso Lima, apesar de se recusarem a assinar a adenda ao contrato que reduz o salário, continuam ao serviço da empresa. Só não são chamadas para trabalhar. E não recebem as horas. Tudo absolutamente normal.
Luís Pedroso Lima é o mais visível dos administradores. Engenheiro de minas, chegou à Administração Regional de Saúde Centro e a Governador Civil de Coimbra depois de passar pela Câmara Municipal de Coimbra, eleito pelo PSD. Em 2004, foi politicamente nomeado para liderar a missão Hospitais S.A. E foi dessa boa rampa de lançamento que saltou desta função pública para os Hospitais Privados de Portugal. Já na qualidade de gestor privado, participou no encontro "Pensar o Futuro", onde defendeu que se combatessem os "interesses instalados na saúde". Adoro quando os que instalam os seus interesses no Estado querem combater os interesses instalados. Depois foi cabeça de lista às autárquicas do PSD a Vila Nova de Poiares. Infelizmente, os interesses (certamente instalados) das populações não lhe deram a vitória.
Tenho-o ouvido falar na televisão. Agora que sei do seu percurso, que fiquei a saber da forma como se relaciona com quem trabalha na sua empresa, reconheço bem o estilo. Já usei a Saúde 24. Fui bem atendido. Com cuidado, atenção e profissionalismo. Por estes enfermeiros que o gestor da sua carreira Público-Privada acusou de serem insensíveis aos problemas dos utentes. Já pus e voltaria a pôr a minha saúde nas mãos destes enfermeiros. Não compraria um carro em segunda mão a este gestor. É, para além da razão que assiste a cada um, a diferença fundamerntal entre os dois lados.
Espero, por isso, que o Estado arranje maneira de pôr tão problemática administração, há mais de cinco anos em guerra com aqueles que trabalham na sua própria empresa, na ordem. Explicando-lhe que há métodos expeditos e espetáculos públicos que se devem evitar em serviços públicos. E que fique com o que realmente interessa: os enfermeiros que nos atendem em momentos de aflição. Cumprindo a lei que o Estado impõe a todos e que deve começar por impor a quem lhe presta serviços.

NB: E os Sindicatos da FENSE?
Será que só interessam os interesses da População?
E quem lhes presta os serviços: os Enfermeiros?
Quando é que nos chamam para vermos as condições contratuais de trabalho dos Enfermeiros, vítimas das circunstâncias? 








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