terça-feira, 26 de março de 2013

OS CUIDADOS CONTINUADOS E A RAZÃO




 Hoje é notícia a falta de camas de cuidados continuados, por falta de recursos materiais e humanos, o que retém os convalescentes em meio hospitalar, mais dispendioso.
É a crise!
Mas pior do que a crise é a crise da crise.

A lógica da guerra não se está a aplicar à saúde, não obstante as semelhanças.
Dizem os que estão sempre a falar e a escrever que a “guerra é coisa demasiado séria para ser deixada, exclusivamente, na mão dos generais”.

Este tipo de raciocínio pode ser usado, no outro que dizia que; “os ovos nunca se devem pôr todos no mesmo cesto”.
O erro mais clamoroso, cometido no SNS, não é o da sua sustentabilidade, mas sim o de não lhe aplicarem a lógica da guerra; não usar com os médicos, o mesmo critério usado com os generais.

Se não houvesse tantos receios infundados, nos políticos responsáveis, já teriam pensado que: “a saúde do Povo é coisa demasiado séria para ser deixada, exclusivamente entregue, à gestão dos Médicos; é como entregar a chave da casa ao ladrão, para ninguém a assaltar”.

É tão evidente a necessidade de diversificar a gestão do SNS, acabando com o monopólio do Médico, que não se entende por que espera o Ministério da Saúde para legislar nesse sentido. Todavia, cada vez mais se agrava esta hegemonia, como provam os Regulamentos Internos de efeito contrário ao previsto.

Numa análise atenta, descomprometida, facilmente se percebe que a rede de continuidade de cuidados é, genericamente, uma rede de cuidados de Enfermagem, que se organizam por si e consigo; por isso, há todas as vantagens em que sejam os Enfermeiros a organizá-la e a geri-la, entrando o Médico, na rede, no mínimo indispensável, visto que é a continuidade dos cuidados de Enfermagem, que está em causa; nem são os diagnósticos nem os prognósticos.
Passa-se com os cuidados continuados ou antes; continuidade de cuidados, o mesmo que com as Unidades de Saúde Familiares (USF). A experiência tem demonstrado que se devia dar prioridade às Unidades de Cuidados Comunitários (UCC), passando os Enfermeiros a controlar as situações o que embaratecia os custos de prestação.

Entretanto, as dificuldades que se levantam ao seu desenvolvimento e funcionamento são tão grandes que desincentivam os voluntários a fazerem propostas para a sua implantação, no terreno. São conhecidas as enormes dificuldades que se levantam ao seu funcionamento; começam nas autorizações de criação; continuam com as limitações que lhes são impostas, quer quanto ao fornecimento de materiais, quer quanto à manutenção mínima de Enfermeiros, que as ponham a funcionar, passando pelo espaço de funcionamento que contrasta escandalosamente com o luxo de outro tipo de Unidades de Saúde.

Não é nada difícil provar que a maioria dos cuidados que se prestam num hospital é de cuidados de Enfermagem adequados. À medida que esses cuidados se tornam exequíveis noutros ambientes, sejam as residências dos doentes/convalescentes, sejam Unidades de continuidade de cuidados de Enfermagem, que podem evoluir para a cura ou cronicidade, o Médico, só deve aparecer, no mínimo indispensável, pois é reduzido o seu papel, comparativamente. Para alterar as terapêuticas, que tendem a ser de manutenção, não é necessária a presença do Médico, pelo contrário; só complica e encarece.

Mas não se está a inventar nada nem a dizer coisas que uma maior atenção descorporativizada possa comprovar. Aliás, quando se começou a falar nas redes de “cuidados continuados”, pensava-se que seriam os Enfermeiros os técnicos a instalar nelas.

Começariam, nos hospitais, as seleções do nível de dependência dos utentes e o seu encaminhamento, de acordo com esse grau de dependência, sem que o Médico faça qualquer falta, nestes processos. Introduzi-lo, na rede, é complicar tudo, pois começa logo por querer mandar e, à sua maneira e não de acordo com as necessidades e circunstâncias.  Isto quando não retarda a alta do doente convalescente ou crónico, que também esta devia ser controlada pelos Enfermeiros, na teoria, mas sobretudo, na prática.

Destes CC passemos aos paliativos, que começam, exatamente onde acaba a esperança na medicina. Os “desenganados” só precisam de cuidados de Enfermagem, na sua inevitável caminhada para a morte, que se pretende serena e humana. Introduzir o Médico, aqui, mais do que para prescrever um analgésico, é desvirtuar, abusivamente e desrespeitosamente, a natureza dos cuidados paliativos e o seu destinatário. É escarnecer da sua situação terminal desenganada.

Não sabemos se é uma qualquer tendência para o abismo, ou a dificuldade em cada grupo profissional exercer livre e plenamente as suas competências, de acordo com a racionalidade do SNS, que está em causa. Pode ser um pouco de cada. Mas as circunstâncias e, antes destas, a razoabilidade, exige manter os complicadores no seu devido lugar, pois, também esta estratégia é fundamental, e de que maneira, para a sustentabilidade dos SNS.

Quem nos impede de sermos mais razoáveis?

E  QUEM IMPEDE OS GOVERNANTES DE SEREM ISSO MESMO?



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