A PROPÓSITO DA
INVISIBILIDADE DOS ENFERMEIROS
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Com vista a captar pessoas de gabarito
para a Enfermagem, lançou-se uma campanha de comunicação, que salientava a
educação das Enfermeiras e o seu domínio das capacidades tecnológicas
avançadas. Contudo, na altura, as de relações públicas tendiam a
diminuir, ou mesmo a abandonar, os aspectos do cuidado e conforto da
profissão. Ignorando a recomendação de Hart, a visão de que o cuidado tinha de
ser republicado, para que o profissionalismo crescesse prevaleceu no slogan de
um anúncio dos serviços públicos amplamente divulgado no inicio dos anos
1990. «If caring enough, anyonecould be a nurse».
Estava subentendida a mensagem que que
qualquer um podia "cuidar", não havia nada de especial no 'cuidado'
prestado pelas Enfermeiras, mesmo apesar de o público considerar que sim.
Com efeito, o cuidado e o conforto eram a
base daquilo que o relatório Hart denominou de "impressionante boa vontade
de que as Enfermeiras desfrutam".
O relatório sugeriu que, ao comunicarem
com o público, as Enfermeiras deviam partir da elevada estima de que já
gozam, implicando que esta é valiosa, independentemente da sua causa.
Na pressa de promover uma prática
avançada de Enfermagem, o 'cuidado' tem sido visto, algumas vezes, como a
antítese do profissionalismo, mesmo como um embaraço.
Alguns assessores parecia pensarem que a
própria palavra 'Enfermeira' estava manchada.
Um especialista muito conhecido de
comunicação e política pública chegou, mesmo, a sugerir ao conselho
directivo de uma das principais escolas de Enfermagem que abolisse a palavra
'Enfermeira', substituindo-a por qualquer coisa de 'novo', que soasse mais profissional.
A falha fatal desta estratégia é que
despoja as Enfermeiras da imagem favorável que têm junto do público, sem
adicionar uma identidade de Enfermagem mais atraente.
Destrói, em vez de construir, a
fundamentação da Enfermagem no trabalho de prestação de cuidados.
Qualquer desconforto que as Enfermeiras
possam sentir com a imagem tradicional parece estimular esforços para
transformá-las em tudo menos Enfermeiras.
Contudo, se estas transmitem a ideia de
que não há nada de especial na maneira como cuidam e reconfortam os doentes,
então essas actividades bem como muitas outras, das chamadas 'tarefas de
rotina' , podem ser atribuídas a pessoal auxiliar ou mesmo abandonadas.
Por outro lado, se o desenvolvimento
profissional das Enfermeiras assenta no facto de estas assumirem a
responsabilidades tradicionalmente associadas aos Médicos, ou aos assistentes,
então as Enfermeiras ficam vulneráveis à possibilidade de serem transformadas
em médicas menores ou mais baratas ou, mais uma vez, em assistentes dos
Médicos.
Pode não haver nada de errado com um
pouco de competição e, na realidade, os serviços dos cuidados de saúde
apresentam sobreposições. Mas para as Enfermeiras, é importante
não ser o eco de outras profissões. A primeira tarefa das Enfermeiras é ajudar
o público a construir um significado autêntico da palavra ENFERMEIRA que
transmita a riqueza, a singularidade, a indispensabilidade da Enfermagem em
todo o espectro do seu trabalho. Isto não significa repudiar o 'cuidado' ao
reconvertê-lo em simples intuição ou em algo de vulgar, mas sim
aprofundar o entendimento do público do 'cuidado' como uma parte inerente à
Enfermagem, que é complexa e requer determinadas capacidades e que é essencial
ao cuidado dos Doentes.
É claro que algumas pessoas baseiam a
impressão favorável que têm das Enfermeiras, nas suas experiências, em primeiro
lugar. Mas as experiências individuais não se traduzem automaticamente, num
maior apoio público da Enfermagem.
Muitos indivíduos elogiam as
Enfermeiras, mas não exprimem publicamente qualquer preocupação, quando a
Enfermagem é ameaçada. A não ser que as Enfermeiras ajudem a relacionar a
Profissão com o grande quadro dos cuidados de saúde, é provável que considerem
o 'cuidado' , que prestam, como uma transição privada, em que a gratidão
expressa em privado, é recompensa suficiente.
É por estas razões que o grande público
necessita de saber o que é que as Enfermeiras fazem, hoje, e por que motivo o seu
trabalho e tão essencial.
Os indivíduos em posição de influenciar a lei, a
tomada de medidas e o financiamento têm de saber que ambientes de cuidados de
saúde ricos em Enfermeiras, promovem níveis de cuidados de saúde elevados, enquanto
que instituições com falta de pessoal, colocam os doentes em risco. Estes
necessitam de estar conscientes das tragédias incipientes que aguardam os
doentes, quando não estão presentes as Enfermeiras, para prevenir quedas,
complicações, erros de tratamento e de cuidado, ou para 'salvar' os doentes,
quando necessitam.
Estes indivíduos precisam que se lhes indique a miríade de
formas através das quais as Enfermeiras salvam a vida e a saúde dos Doentes em
risco.
Todas estas pessoas precisam de
participar nas discussões em que se desfiam os estereótipos simplistas
das Enfermeiras. O público, em geral, e os indivíduos em posição de exercer
influência necessitam de saber que, quando as Enfermeiras trabalham em excessos
sob stress todos os aspectos da qualidade dos cuidados são, inevitavelmente,
afectados.
Têm de compreender que, hoje, dezenas de milhares de Enfermeiras dos
EUA e do Canadá trabalham em condições que ameaçam tanto a saúde dos doentes,
como a das próprias Enfermeiras. Todos têm de entender que o envelhecimento da
nossa sociedade e o aumento das doenças crónicas exigem mais mão-de-obra de
Enfermagem, mas que faltam actualmente recursos financeiros e humanos para
constituir essa mesma mão-de-obra.
Estamos rodeados de provas em como a Enfermagem
é pouco conhecida e mal compreendida.
Vemo-las, quando os Administradores e os
consultores hospitalares persistem em argumentar que a distribuição de ‘tarefas’ de Enfermagem por
diversos trabalhadores é equivalente, ou sequer próxima, a colocar o cuidado do doente, nas mãos de
Enfermeiras graduadas.
Vemo-lo, quase todos os dias, nos meios informativos
e noutras discussões públicas, sobre os cuidados de saúde.
Por exemplo; em 1999, os meios noticiosos
cobriram extensamente o problema dos erros ‘Médicos’, nos EUA. Motivou esta
cobertura um relatório da National Academy of Sciences Institute of Medicina,
que afirmava que os erros médicos poderiam ser responsáveis por 98.000 mortes
em hospitais dos EUA, por ano. Este relatório, que reclamava a criação duma
nova agência federal, para lidar com o problema, despoletou um ciclo de
coberturas noticiosas, invulgarmente longo.
Além de cobrir os principais pontos do
relatório, as histórias, análises e caracterizações noticiosas exploraram os
tipos de erros que conduzem a mortes e ferimentos em hospitais e o que é que
pode ser feito para reduzir a sua incidência. Muitas histórias centraram-se
sobre problemas específicos a confusão que resulta quando medicações diferentes
têm os mesmos nomes ou embalagens, os erros que ocorrem nas salas de operações,
as falhas nos procedimentos hospitalares, os elos fracos da vigilância
hospitalar e mesmo os erros que resultam da caligrafia indecifrável dos
médicos. Na sua maioria, os entrevistados sobre estes problemas foram médicos. {Juízes em causa própria. Falta distanciamento do promotor do erro},
Parecia que os meios informativos só
conseguiam produzir história sobre história acerca deste tópico, sem uma
contribuição significativa da parte das Enfermeiras. Sim, exceptuando algumas
referencias ocasionais, as Enfermeiras estavam ‘desaparecidas em combate’,
durante esta discussão muito importante nos meios da comunicação.
Na cobertura que monitorizámos, as
Enfermeiras não estavam entre as fontes especializadas, que descreviam as
práticas e nas organizações do sistema, que provocavam os erros médicos.
As organizações de Enfermagem não
apareciam entre os grupos citados como estando a trabalhar no sentido de os
corrigir. As Enfermeiras não eram visíveis, efectuando uma ligação, entre a
falta de pessoal e a probabilidade de erros danosos. Na maior parte dos casos,
nem se citavam as Enfermeiras como estando preocupadas com o problema.
Tão-pouco vimos séries de cartas ao
editor ou artigos de opinião escritos por Enfermeiras, sobre este problema.
Algumas Enfermeiras com quem falámos
estavam aliviadas por se falar tão pouco nelas. Sentiam-se com sorte, mas para
variar, pelo contrário, os médicos eram mostrados como o eixo da roda hospitalar e elas apenas
ficavam como uma pequena engrenagem. Afirmaram que; se os jornalistas conhecessem
o verdadeiro papel que desempenham no hospital, as Enfermeiras ficariam com uma
parte significativa da culpa dos erros.
Algumas Enfermeiras pensaram que ser
invisível era uma vantagem.
De facto. É uma responsabilidade séria.
Um tema de saúde que se torna tão público oferece às Enfermeiras e às
organizações de Enfermagem uma hipótese de mostrar que a Enfermagem interessa.
Na cobertura constante dada aos erros ‘médicos’,
foi reforçada a noção errónea de que eram os médicos os únicos profissionais de
saúde significativos.
O que eles fazem é importante, implicava esta cobertura.
O que eles fazem interessa. São indispensáveis.
São tão importantes que os seus erros,
bem como os seus êxitos, são uma questão pública que merece um escrutínio sério.
Ninguém propôs que; já que os médicos
pareciam estar envolvidos em tantos erros, deviam ser despedidos dos hospitais
e os seus cargos entregues a outras pessoas. Com efeito, o relatório do Instiute of Medicine esforçou-se imenso
para evitar a conclusão de que os médicos, quer como indivíduos, quer como
grupo, eram culpados. ”A maioria dos erros médicos não resulta de irreflexão
individual, mas de falhas básicas, na forma como o sistema dos cuidados está
organizado”, declara o relatório.
Ao colocar o problema desta forma, o
Instituto deixa a porta aberta para os médicos serem considerados parte da
solução e não como o problema. Em peças noticiosas posteriores, qualquer ‘MD’
(Medical Doctor), após o nome partilhava as suas reflexões e opiniões sobre a
forma de remediar a situação. As pessoas com ‘RN’ (Enfermeira Registada) não.
A ironia é que constituindo a Enfermagem
uma parcela muito pequena da cobertura dos erros médicos, não escapou
totalmente à culpa.
Por exemplo; uma forma proposta para reduzir os erros na
medicação era dar aos farmacêuticos, não às Enfermeiras, a responsabilidade de
misturar todos os ingredientes dos fármacos. Isto implicava que as Enfermeiras
eram responsáveis por muitos erros de medicação.
Em casos pontuais, as
Enfermeiras eram ainda mostradas como participantes nos casos que tinham tido
problemas. Contudo, embora as Enfermeiras tenham experiência pertinente em
erros hospitalares e na sua prevenção, nunca apareceram como fontes
especializadas ou comentadores sobre este assunto.
Mantendo-se silenciosas na discussão nos
meios de comunicação, as Enfermeiras perderam a oportunidade de se mostrarem {relevantes} na prestação de cuidados de
saúde. No momento, os médicos são os únicos que detêm esta imagem. Quando estão
envolvidos numa taxa elevada de erros médicos, tornam-se mais, e não menos
importantes.
É por isso que um grupo prestigiado ‘ constituído
quase exclusivamente por médicos’ efectuou recomendações vitais para diminuir a
probabilidade de ocorrência de erros médicos. [Onde é que já vimos este estilo!?]
Mais uma vez, isto prova que a
Enfermagem necessita de uma maior presença pública, como profissão de relevância. Uma forma de alargar a
presença da Enfermagem é o aproveitamento por parte das organizações de Enfermagem
e das próprias Enfermeiras das aberturas proporcionadas pelo interesse dos
meios de comunicação nas questões de saúde.
Neste caso particular, os erros médicos ofereceram
uma plataforma pública para as Enfermeiras descreverem como o pessoal de
Enfermagem é essencial para esta questão. A cobertura teria sido reforçada
pelas Enfermeiras, ao falarem de quais os protocolos que poderiam evitar a
medicação trágica e os erros cirúrgicos arrepiantemente descritos pelos meios
de comunicação.
Uma discussão da forma como as Enfermeiras mantêm os doentes em
segurança verificando os 5 CC:
1 . Doente certo,
2 . medicação certa,
3 . dose certa,
4 . via certa,
5 . tempo certo.
E do que acontece, quando as unidades têm
tão pouco pessoal que as Enfermeiras não conseguem passar o tempo suficiente
com o doente, teria acrescentado pormenores realistas a estas histórias.
Uma análise do que acontece aos
procedimentos de segurança, quando estes falham porque as Enfermeiras do
perioperatório são retiradas das unidades de cuidados cirúrgicos teria
proporcionado uma leitura interessante, na imprensa.
As Enfermeiras não podem dar-se ao luxo
de serem omitidas das discussões públicas
sobre esta ou outras questões relativas ao cuidado dos doentes, em
geral.
A Enfermagem não pode ser considerada uma profissão relevante, para os cuidados de saúde se não for visível e se não
exprimir as suas opiniões em todas as grandes questões que envolvem os cuidados
de saúde contemporâneos.
Como é que as Enfermeiras podem acabar
com o silêncio que rodeia a Enfermagem?
O 1º passo é compreender que só as
Enfermeiras podem informar verdadeiramente o público sobre a Enfermagem.
O 2º passo é que cada Enfermeira torne
a comunicação pública e a educação sobre a Enfermagem, uma parte integrante do
seu trabalho.
O 3º passo é as Enfermeiras
ultrapassarem os obstáculos internos que as silenciam.
Se as Enfermeiras se empenhassem em
seguir estes 3 passos, cremos que, rapidamente aumentariam a sua visibilidade e
notariam melhorias na forma como a sua Profissão é vista.
É óbvio que não
podemos garantir que estas acções ofereçam às Enfermeiras tudo o que desejam. O
que nós podemos garantir, contudo, é que as Enfermeiras obterão muito pouco do
que desejam se não realizarem estas acções.
Pode parecer que se está a pedir muito,
o que em muitos aspectos é verdade. Felizmente, nesta altura crucial, as Enfermeiras
possuem:
os meios,
a motivação
e a oportunidade de o tornar
realidade!] (In "Dar Voz ao Silêncio").
Os enfermeiros precisam de reflectir muito seriamente sobre estes temas pois são peças esquecidas que o dia-a-dia não deixa tempo para analisar e pensar, nem que seja, por breves instantes em matéria que permitiu a outros que já vão à frente de nós na importância e imprescindibilidade.
Nós já somos isso e muito mais, porém as organizações dos serviços, comandadas pelos mesmos não deixam margem de manobra para actuarmos sem ser com uma dose razoável de pressão e conflito, para que quem de direito, e sobretudo o Povo repare em nós e no que fazemos e na importância que temos no cuidar de doentes.
Estas reflexões servem para pensar nos desvios de que somos vítimas, ao cultivarmos os frutos que os outros comem.
Se fossem figos, andávamos sempre com os lábios rebentados, pois como o Povo diz: [uns comem os figos e outros é que lhes rebenta a boca]
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