«INDIGNAI-VOS
[2]
[A indiferença é a pior das
atitudes
É verdade, as razões da indignação podem parecer, hoje, menos evidentes
ou o mundo mais complexo.
Quem manda;
Quem decide?
Não é fácil distinguir, entre todas as correntes, que nos governam. Nós
não temos de questionar mais uma pequena elite cujas maquinações compreendemos
claramente. Estamos num vasto mundo que sentimos bem que é interdependente.
Vivemos numa interligação como nunca tina existido. Mas é neste mundo, que há
coisas insuportáveis. Para vê-las, é preciso estar atento, pesquisar.
Eu disse aos jovens: procurai um pouco e ireis encontrar. A pior das atitudes é a indiferença; Dizer «eu não
posso nada, eu explico». Comportando-vos assim, perdeis uma das componentes
essenciais que fazem o humano. Uma das componentes indispensáveis: a faculdade de indignação e de compromisso, em
consequência disso.
Podemos identificar, à partida, dois novos grandes
defeitos:
1. A gravíssima injustiça infligida a
uma enorme parte da humanidade, privada dos suportes necessários a uma vida
decente e não só nas regiões longínquas como a África, a Ásia, do Haiti, mas bem
mais perto, nos subúrbios das nossas grandes cidades,
onde o isolamento e a pobreza alimentam o ódio e a
revolta. O fosso entre os muito pobres e
os muito ricos – uma inovação
do 20º e 21º séculos – que não cessa de aumentar,
é tanto mais incapaz, quanto é certo que hoje; pobres e
ricos estão em contacto, conhecem-se, veem a mesma
publicidade para todas as espécies de artigos, de divertimentos, de que,
obviamente, os pobres não podem usufruir, enquanto os ricos; consideram-nos
perfeitamente naturais e acessíveis.
Quando tinha 20 anos, sabíamos que Henry Ford
– pioneiro da indústria automóvel americana – estabeleceu uma escala de salários
aceitável de 1 a 20.
Hoje, vai de 1 a 500 e o fosso não para de aumentar. É um defeito que devemos
ter em conta na nossa indignação, no nosso compromisso.
2 . As violações das liberdades e dos direitos
fundamentais.
Tinha 24 anos, quando Franklin Delano Roosevelt,
presidente da mais poderosa nação do planeta, cuja
contribuição, para a vitória da I Guerra Mundial, pelos democratas, foi decisiva e que, Graças ao “New
Deal”, tinha tido sucesso no regresso à
prosperidade económica do país, proclamou no dia 6 de Janeiro de 1941, as 4 Liberdades do Atlântico:
Liberdade
de confissão Religiosa;
Liberdade
de Expressão;
Liberdade
de viver ao abrigo do medo;
Liberdade
de viver ao abrigo da miséria,
que Roosevelt dizia ainda, que elas eram tão necessárias
à humanidade como o ar, o sol o pão e o sal».
Apoiado nesta fundamentação moral, ética e
política, entrou em guerra, alguns meses mais tarde, contra a Alemanha nazi.
As 4 Liberdades do Atlântico iriam
servir de base no Quadro das Nações Unidas, adotado
em S. Francisco, no dia 24 de Junho de 1945 e
ratificado em 24 de Outubro de 1945, data da criação
oficial da Organização das Nações Unidas (ONU).
Pela primeira vez, na história das sociedades modernas, a instituição
que acabara de nascer fazia da dignidade da pessoa
humana um preâmbulo de todo o programa. Para esse efeito a ONU confiou a
uma comissão de 12 juristas presidida por Eleanor Roosevelt, viúva do presidente americano, falecido a 12 de Abril de 1945, o encargo de redigir a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
onde foi repetido, no respectivo preâmbulo o conceito
das Quatro Liberdades do Atlântico.
Esta tarefa durou de 1945 a 1948, pendente estes 3 anos, que foram decisivos
para a coesão das nações vitoriosas e funcionou,
eficazmente.
Tive a oportunidade depois da Libertação de estar associada à redacção da Declaração Universal dos Direitos
dos Homem, adoptada pela ONU, no dia 10 de Dezembro de 1948, em Paris,
no Palácio de Chaillot. Foi como chefe de gabinete d’Henri
Laugier, secretário geral adjunto da ONU, e secretária da Comissão dos
Direitos do Homem de que eu tinha sido, com outros, convidada a participar na
redacção desta Declaração. Não esquecerei jamais o papel
crucial d’Eleanor Roosevelt, cuja gentileza, enorme, e autoridade natural fez prodígios para reconciliar personagens tão diferentes, no seio desta
comissão.
Era uma vibrante feminista e foi
graças a ela que, pela primeira vez também, a uma escala global, a igualdade entre homens e mulheres foi inscrita sem
ambiguidade, num texto oficial.
O Artigo 2º da Declaração, acerca deste ponto, é perfeitamente
explícito. Rená Cassin, comissário nacional para a Justiça e Educação, no
governo da França Livre; em Londres, em
1941, o prémio Nobel da paz, em 1968, desempenhou, igualmente, um papel
determinante, assim como Pierre Mendès France,
no seio do Conselho económico e social, no
qual os textos que elaborámos foram assumidos para serem transmitidos na III Comissão da Assembleia Geral, em troca das questões
sociais humanitárias e culturais.
Era constituída pelos 54 Estados Membros,
nessa época, das Nações Unidas; eu secretariei.
É a René Cassin que devemos o termo de direitos
[universais] e não [internacionais]
como propuseram os nossos amigos anglo-saxónicos.
Porque lá está em jogo, nessa altura, a saída da 2ª Guerra Mundial. Emancipar-se das ameaças que o totalitarismo fez pesar sobre
a humanidade.
Para se emancipar, é preciso
conseguir que os Estados Membros da ONU, se comprometessem a respeitar estes
direitos universais. É uma
maneira de desmanchar o argumento de plena soberania,
que um Estado pode fazer valer, enquanto se liberta dos
crimes contra a humanidade, no seu território.
Foi este o caso de Hitler, que se
julgava mestre em sua casa e autorizado a provocar um genocídio.
Esta Declaração Universal deve muito
à revulsão universal para com o nazismo, o
fascismo, o totalitarismo, e mesmo por nossa presença, ao espírito da
Resistência. Sentia que era preciso agir com rapidez, sem se deixar enganar pela hipocrisia que havia na adesão
proclamada pelos vencedores a estes valores que nem todos tinham a intenção de
promover legalmente, mas que tencionamos impor-lhos.
Não resisto ao desejo de citar o artigo 15º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Todo o indivíduo tem direito a uma
nacionalidade»;
Artigo 22º: «Toda e qualquer pessoa,
enquanto membro duma sociedade, tem direito à Segurança
Social. Ela está baseada em obter a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis aos
seus desígnios e ao livre desenvolvimento da sua personalidade, graças ao
esforço nacional e à cooperação internacional a cargo da organização e dos
recursos de cada país».
E, se esta Declaração tem um alcance declarativo
e não jurídico, não por isso tem deixado de desempenhar um papel poderoso desde 1948; viu-se pessoas
colonizadas sem se impressionar com a sua luta pela independência; ela semeou esse espírito no seu combate pela liberdade.
Constato com prazer que, ao longo dos últimos
decénios, se multiplicaram as organizações não-governamentais, os
movimentos sociais como ATTAC (Associação para a Taxação das Transações
Financeiras), a FIDH (Federação Internacional dos Direitos do Homem), Amnistia…
que são activos e extraordinários. É evidente que para
ser eficaz, hoje é preciso agir em rede, aproveitar todos os meios modernos de
comunicação.
Aos
jovens, digo: olhai à vossa volta e encontrareis aí os temas que justificam a
vossa indignação – o tratamento dado aos imigrantes, aos indocumentados, aos …
Encontrareis situações concretas que vos incentivam a desencadear uma acção de
cidadania forte.
Procurai
e encontrareis!
*
A não-violência,
o caminho que devemos aprender a seguir
Estou convencida que o futuro é da não-violência, é o da conciliação de
culturas diferentes. É por esta via que a humanidade deverá transpor a próxima
etapa. E lá, eu encontro Sartre, não se podem desculpar os terroristas que
lançam bombas; podemos compreendê-los. Sartre escrevia em 1947: «Reconheço que
a violência seja qual for a forma pela qual se manifeste é um fracasso. Mas é
um fracasso inevitável porque nós estamos num universo de violência; e se é
verdade que o recurso à violência contra a violência há o risco de a perpetuar,
também não é menos verdade que é o único meio de a fazer parar».
Ao que eu acrescento que a não-violência é um meio mais seguro de acabar
com a violência. Não se podem sustentar os terroristas como Sartre fez, em nome
deste princípio, durante a guerra da Argélia, ou no momento do atentado dos
jogos de Munich, em 1972, perpetrado contra os atletas israelitas. Não dá
resultado e Sartre acabará por se interrogar no fim da vida acerca do sentido
do terrorismo e a duvidar da sua razão de ser. Dizer-se: «a violência não
resulta», é bem mais importante que saber se devem condenar ou não os que se
lhe entregam. O terrorismo não compensa. Na noção de eficácia é preciso uma
esperança não violenta. Se existe uma esperança violenta, é na poesia de
Guillaume Apolinaire: «Que a esperança é violenta»; não na política-
Sartre, em Março de 1980, a 3 semanas de morrer declarava: «É preciso
tentar explicar por que o mundo de agora, que é horrível, não estão senão num
momento do longo desenvolvimento histórico que a a esperança foi sempre uma das
forças dominantes das revoluções e das insurreições e como eu sinto ainda a
esperança como a minha conceção do futuro».
É necessário compreender que a violência vira as costas à esperança. É
preciso preferir a esperança, a esperança da não-violência. É o caminho que
devemos aprender a percorrer. Também do lado dos opressores devemos caminhar
para uma negociação para fazer desaparecer a opressão. É isso que permitirá
acabar com a violência terrorista. É porque não é necessário deixar acumular
muito ódio.
A mensagem de Gandhi, de Mandela, de Martin Luther Kings Jr encontra
toda a sua pertinência num mundo que ultrapassou o confronto das ideologias e o
terrorismo vencedor. É a mensagem de esperança na capacidade das sociedades
modernas para ultrapassar os conflitos através duma compreensão mútua e uma
paciência vigilante. Para preveni-lo é necessário basear-se nos direitos, cuja
violação, seja quem for o autor, deve provocar a nossa indignação.
Não há que transigir sobre estes direitos humanos.]
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