terça-feira, 18 de junho de 2013

INDIGNAI-VOS [2]


«INDIGNAI-VOS [2]

 

[A indiferença é a pior das atitudes

É verdade, as razões da indignação podem parecer, hoje, menos evidentes ou o mundo mais complexo.

Quem manda;

Quem decide?

Não é fácil distinguir, entre todas as correntes, que nos governam. Nós não temos de questionar mais uma pequena elite cujas maquinações compreendemos claramente. Estamos num vasto mundo que sentimos bem que é interdependente. Vivemos numa interligação como nunca tina existido. Mas é neste mundo, que há coisas insuportáveis. Para vê-las, é preciso estar atento, pesquisar.

Eu disse aos jovens: procurai um pouco e ireis encontrar. A pior das atitudes é a indiferença; Dizer «eu não posso nada, eu explico». Comportando-vos assim, perdeis uma das componentes essenciais que fazem o humano. Uma das componentes indispensáveis: a faculdade de indignação e de compromisso, em consequência disso.

Podemos identificar, à partida, dois novos grandes defeitos:

1. A gravíssima injustiça infligida a uma enorme parte da humanidade, privada dos suportes necessários a uma vida decente e não só nas regiões longínquas como a África, a Ásia, do Haiti, mas bem mais perto, nos subúrbios das nossas grandes cidades, onde o isolamento e a pobreza alimentam o ódio e a revolta. O fosso entre os muito pobres e os muito ricos – uma inovação do 20º e 21º séculos – que não cessa de aumentar, é tanto mais incapaz, quanto é certo que hoje; pobres e ricos estão em contacto, conhecem-se, veem a mesma publicidade para todas as espécies de artigos, de divertimentos, de que, obviamente, os pobres não podem usufruir, enquanto os ricos; consideram-nos perfeitamente naturais e acessíveis.

Quando tinha 20 anos, sabíamos que Henry Ford – pioneiro da indústria automóvel americana – estabeleceu uma escala de salários aceitável de 1 a 20.

Hoje, vai de 1 a 500 e o fosso não para de aumentar. É um defeito que devemos ter em conta na nossa indignação, no nosso compromisso.

2 . As violações das liberdades e dos direitos fundamentais.

Tinha 24 anos, quando Franklin Delano Roosevelt, presidente da mais poderosa nação do planeta, cuja contribuição, para a vitória da I Guerra Mundial, pelos democratas, foi decisiva e que, Graças ao “New Deal”, tinha tido sucesso no regresso à prosperidade económica do país, proclamou no dia 6 de Janeiro de 1941, as 4 Liberdades do Atlântico:

Liberdade de confissão Religiosa;

Liberdade de Expressão;

Liberdade de viver ao abrigo do medo;

Liberdade de viver ao abrigo da miséria, que Roosevelt dizia ainda, que elas eram tão necessárias à humanidade como o ar, o sol o pão e o sal».

Apoiado nesta fundamentação moral, ética e política, entrou em guerra, alguns meses mais tarde, contra a Alemanha nazi.

As 4 Liberdades do Atlântico iriam servir de base no Quadro das Nações Unidas, adotado em S. Francisco, no dia 24 de Junho de 1945 e ratificado em 24 de Outubro de 1945, data da criação oficial da Organização das Nações Unidas (ONU).

Pela primeira vez, na história das sociedades modernas, a instituição que acabara de nascer fazia da dignidade da pessoa humana um preâmbulo de todo o programa. Para esse efeito a ONU confiou a uma comissão de 12 juristas presidida por Eleanor Roosevelt, viúva do presidente americano, falecido a 12 de Abril de 1945, o encargo de redigir a Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde foi repetido, no respectivo preâmbulo o conceito das Quatro Liberdades do Atlântico.

Esta tarefa durou de 1945 a 1948, pendente estes 3 anos, que foram decisivos para a coesão das nações vitoriosas e funcionou, eficazmente.

Tive a oportunidade depois da Libertação de estar associada à redacção da Declaração Universal dos Direitos dos Homem, adoptada pela ONU, no dia 10 de Dezembro de 1948, em Paris, no Palácio de Chaillot. Foi como chefe de gabinete d’Henri Laugier, secretário geral adjunto da ONU, e secretária da Comissão dos Direitos do Homem de que eu tinha sido, com outros, convidada a participar na redacção desta Declaração. Não esquecerei jamais o papel crucial d’Eleanor Roosevelt, cuja gentileza, enorme, e autoridade natural fez prodígios para reconciliar personagens tão diferentes, no seio desta comissão.

Era uma vibrante feminista e foi graças a ela que, pela primeira vez também, a uma escala global, a igualdade entre homens e mulheres foi inscrita sem ambiguidade, num texto oficial.

O Artigo 2º da Declaração, acerca deste ponto, é perfeitamente explícito. Rená Cassin, comissário nacional para a Justiça e Educação, no governo da França Livre; em Londres, em 1941, o prémio Nobel da paz, em 1968, desempenhou, igualmente, um papel determinante, assim como Pierre Mendès France, no seio do Conselho económico e social, no qual os textos que elaborámos foram assumidos para serem transmitidos na III Comissão da Assembleia Geral, em troca das questões sociais humanitárias e culturais.

Era constituída pelos 54 Estados Membros, nessa época, das Nações Unidas; eu secretariei. É a René Cassin que devemos o termo de direitos [universais] e não [internacionais] como propuseram os nossos amigos anglo-saxónicos. Porque lá está em jogo, nessa altura, a saída da 2ª Guerra Mundial. Emancipar-se das ameaças que o totalitarismo fez pesar sobre a humanidade.

Para se emancipar, é preciso conseguir que os Estados Membros da ONU, se comprometessem a respeitar estes direitos universais. É uma maneira de desmanchar o argumento de plena soberania, que um Estado pode fazer valer, enquanto se liberta dos crimes contra a humanidade, no seu território.

Foi este o caso de Hitler, que se julgava mestre em sua casa e autorizado a provocar um genocídio.

Esta Declaração Universal deve muito à revulsão universal para com o nazismo, o fascismo, o totalitarismo, e mesmo por nossa presença, ao espírito da Resistência. Sentia que era preciso agir com rapidez, sem se deixar enganar pela hipocrisia que havia na adesão proclamada pelos vencedores a estes valores que nem todos tinham a intenção de promover legalmente, mas que tencionamos impor-lhos.

Não resisto ao desejo de citar o artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Todo o indivíduo tem direito a uma nacionalidade»;

Artigo 22º: «Toda e qualquer pessoa, enquanto membro duma sociedade, tem direito à Segurança Social. Ela está baseada em obter a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis aos seus desígnios e ao livre desenvolvimento da sua personalidade, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional a cargo da organização e dos recursos de cada país».

E, se esta Declaração tem um alcance declarativo e não jurídico, não por isso tem deixado de desempenhar um papel poderoso desde 1948; viu-se pessoas colonizadas sem se impressionar com a sua luta pela independência; ela semeou esse espírito no seu combate pela liberdade.

Constato com prazer que, ao longo dos últimos decénios, se multiplicaram as organizações não-governamentais, os movimentos sociais como ATTAC (Associação para a Taxação das Transações Financeiras), a FIDH (Federação Internacional dos Direitos do Homem), Amnistia… que são activos e extraordinários. É evidente que para ser eficaz, hoje é preciso agir em rede, aproveitar todos os meios modernos de comunicação.

Aos jovens, digo: olhai à vossa volta e encontrareis aí os temas que justificam a vossa indignação – o tratamento dado aos imigrantes, aos indocumentados, aos … Encontrareis situações concretas que vos incentivam a desencadear uma acção de cidadania forte.

Procurai e encontrareis!

*

A não-violência, o caminho que devemos aprender a seguir

Estou convencida que o futuro é da não-violência, é o da conciliação de culturas diferentes. É por esta via que a humanidade deverá transpor a próxima etapa. E lá, eu encontro Sartre, não se podem desculpar os terroristas que lançam bombas; podemos compreendê-los. Sartre escrevia em 1947: «Reconheço que a violência seja qual for a forma pela qual se manifeste é um fracasso. Mas é um fracasso inevitável porque nós estamos num universo de violência; e se é verdade que o recurso à violência contra a violência há o risco de a perpetuar, também não é menos verdade que é o único meio de a fazer parar».

Ao que eu acrescento que a não-violência é um meio mais seguro de acabar com a violência. Não se podem sustentar os terroristas como Sartre fez, em nome deste princípio, durante a guerra da Argélia, ou no momento do atentado dos jogos de Munich, em 1972, perpetrado contra os atletas israelitas. Não dá resultado e Sartre acabará por se interrogar no fim da vida acerca do sentido do terrorismo e a duvidar da sua razão de ser. Dizer-se: «a violência não resulta», é bem mais importante que saber se devem condenar ou não os que se lhe entregam. O terrorismo não compensa. Na noção de eficácia é preciso uma esperança não violenta. Se existe uma esperança violenta, é na poesia de Guillaume Apolinaire: «Que a esperança é violenta»; não na política-

Sartre, em Março de 1980, a 3 semanas de morrer declarava: «É preciso tentar explicar por que o mundo de agora, que é horrível, não estão senão num momento do longo desenvolvimento histórico que a a esperança foi sempre uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições e como eu sinto ainda a esperança como a minha conceção do futuro».

É necessário compreender que a violência vira as costas à esperança. É preciso preferir a esperança, a esperança da não-violência. É o caminho que devemos aprender a percorrer. Também do lado dos opressores devemos caminhar para uma negociação para fazer desaparecer a opressão. É isso que permitirá acabar com a violência terrorista. É porque não é necessário deixar acumular muito ódio.

A mensagem de Gandhi, de Mandela, de Martin Luther Kings Jr encontra toda a sua pertinência num mundo que ultrapassou o confronto das ideologias e o terrorismo vencedor. É a mensagem de esperança na capacidade das sociedades modernas para ultrapassar os conflitos através duma compreensão mútua e uma paciência vigilante. Para preveni-lo é necessário basear-se nos direitos, cuja violação, seja quem for o autor, deve provocar a nossa indignação.

Não há que transigir sobre estes direitos humanos.]

Sem comentários:

Enviar um comentário