«INDIGNAI-VOS»
Stéphane Hessel dá-nos algumas
sugestões para nos indignarmos, quando a coisa
não corre bem. No nosso caso, aos Enfermeiros está
a correr muito mal.
Deixa-nos como exemplo uma frase
de Heraclito, um dos pré-socráticos: - «Se tu não tiveres esperança, nunca encontrarás o
inesperado».
Vamos oferecer aos Colegas e
demais leitores do que se escreve, neste blogue, uma tradução livre do seu
pequeno texto de 30 páginas, mas que se ajusta às
circunstâncias actuais.
Assim:
[94 anos. É a última etapa. O fim está muito próximo. Qual a
probabilidade de poder aproveitá-la para lembrar o que serviu de base ao meu
compromisso político: foram essencialmente os anos da resistência
e o programa elaborado, há 60 anos, pelo Conselho
Nacional da Resistência!
É a Jean Moulin, que devemos a reunião, no âmbito deste Conselho, de
todas os elementos componentes da França ocupada; os movimentos, os partidos, os sindicatos, para
proclamarem a sua adesão à França combatente e ao único chefe que reconheceu: o
General de Gaulle.
De Londres, onde tinha encontrado o general de Gaulle, em Março de
1941, soube que este Conselho tinha elaborado um programa, elegeu o dia 15 Março
de 1944, em que propunha um conjunto de princípios e de valores para a França
livre, nos quais assentaria a democracia moderna do nosso país.
Hoje, mais do que nunca, temos necessidade destes princípios e valores.
Parecia-nos que cobriam, no seu conjunto, a continuidade da nossa sociedade como
uma sociedade da qual nos orgulhemos: não esta sociedade dos sem documentos, dos
expulsos, dos olhares de suspeição, sobre os imigrados; não esta sociedade,
onde se põem em causa os reformados, os direitos à Segurança Social; não uma
sociedade, onde os “média” estão nas mãos dos ricos, numa palavra; todas as
coisas que recusámos caucionar, como os verdadeiros herdeiros do Conselho
Nacional da Resistência.
A partir de 1945, depois de um drama atroz, (a 2ª Guerra Mundial) há uma ressurreição ambiciosa, à qual se entregam
as forças presentes, no seio do Conselho da Resistência (CR). Lembremos, foi aí,
que se criou a Segurança Social, como a Resistência idealizara, como o seu
programa definia: «Um plano completo de Segurança Social, tendo por
objectivo assegurar a todos os cidadãos meios de subsistência, em todos os
casos em que estejam incapazes de consegui-los pelo trabalho»;
«Uma reforma, que permita aos velhos trabalhadores acabar, com
dignidade, os seus dias de vida».
As fontes de energia, a eletricidade e o gás, o carvão, os grandes
bancos, são nacionalizados.
O seu programa preconizava, ainda:
«O regresso à nação dos grandes
meios de produção, fruto do trabalho comum, das fontes de energia, das riquezas
do subsolo, das companhias de seguros e dos grandes bancos»;
«A instauração duma verdadeira democracia económica e social, implicando
a expulsão das grandes feudalidades económicas e financeiras da direcção da
economia».
O interesse geral deve estar acima do interesse particular, a repartição
justa das riquezas criadas pelo mundo do trabalho deve estar acima do poder do
dinheiro.
O CR propõe:
«Uma organização racional da economia garantindo a subordinação dos interesses particulares ao interesse geral e livre da ditadura profissional (corporações) instaurada à imagem dos Estados fascistas»,
e o Governo provisório da República vai ser o intermediário.
Uma verdadeira democracia tem necessidade duma imprensa
independente;
A Resistência sabe-o, exige-o, defendendo «a liberdade
de imprensa, a sua dignidade, a sua independência do Estado, dos poderes do
dinheiro e das influências estrangeiras.» É o que se relê, ainda, nas determinações
do CR, desde 1944. Ora, é isso que está em perigo,
hoje.
A Resistência apelava para «a possibilidade efetiva de todas as crianças
francesas beneficiarem da mais desenvolvida e inovadora instrução» sem
discriminação:
Ora, as reformas propostas, em 2008, vão contra este projeto. Jovens
professores, cujo exemplo retenho, recusaram-se a aplicá-las e viram os seus
salários reduzidos, à laia de punição. Estavam “indignados”
e “desobedeceram”. Consideraram, estas reformas,
muito distantes do ideal duma escola republicana, muito ao serviço duma
sociedade capitalista, não desenvolvendo suficientemente o espírito criativo e crítico.
É todo o suporte das conquistas sociais da Resistência, que, hoje, está
a ser posto em causa.
*
A motivação da Resistência, é a
Indignação
Atrevem-se a dizer-nos que o Estado não
pode assegurar mais os custos destas medidas de cidadania. Mas, como
pode faltar, hoje, o dinheiro para manter e ampliar estas conquistas, quando a produção da riqueza aumentou consideravelmente, depois da
Libertação (1945), período em que a Europa estava em ruina?
Aliás, porque o poder do dinheiro, igualmente combatido pela
Resistência, nunca tinha sido tão grande, tão insolente, tão egoísta, com os seus próprios servidores, mesmo nas mais altas esferas
do Estado.
Os bancos, doravante privados, mostram-se, essencialmente preocupados, com os seus lucros, e salários dos seus dirigentes muito elevados,
contra o interesse geral. O afastamento,
entre os mais pobres e os mais ricos, nunca
foi tão importante e grande. Assim como; no movimento
do dinheiro, nunca a competição tão estimulada.
A motivação de base da Resistência foi a indignação. Nós, os veteranos dos
movimentos de resistência e das forças combatentes da França livre, apelamos às
gerações jovens para assumirem e retransmitirem a herança
da Resistência, com os seus ideais.
Dizemos-lhes: continuai a indignar-vos!
Os responsáveis políticos, económicos, intelectuais e a sociedade, em
geral, não devem demitir-se, nem deixar-se impressionar pela actual ditadura
internacional dos mercados financeiros que ameaçam a paz e a democracia.
Eu desejo, a todos e a cada um, a seleção do
vosso motivo de indignação. Isso é precioso.
Quando alguma coisa nos indigna, como eu me indignei com o nazismo, tornamo-nos, como me tornei, militante, forte e empenhada. Reata-se, assim, a corrente da história; a grande corrente da
história deve continuar com a ação de todos e de cada um.
É a corrente que vai no sentido de haver mais
justiça, mais liberdade, mas não daquela liberdade
descontrolada como a da raposa no galinheiro.
Trata-se dos direitos, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem
programou e redigiu em 1948, são humanos universais.
Se
encontrarem alguém, que não os disfrute, estabeleçam um plano que o ajude a
conquistá-los.
*
Duas Visões da História
Quando tentei compreender o que causou o
fascismo, que fez com que fossemos absorvidos
por ele e por Vichy, (designa-se assim o governo de França, desde o
Armistício de 1940 até à Libertação em 19459) eu disse para comigo que os poderosos com o seu egoísmo, tiveram medo terrível da
revolução bolchevique. Eles deixaram-se conduzir pelos seus temores. Mas, se hoje,
como então, se uma minoria ativista se levantar, é suficiente, para teremos o
fermento de que a massa precisa para levedar.
Certamente, a experiência de alguém tão velho como eu, nascida em 1917,
é diferente da experiência dos jovens de hoje. Pergunto, muitas vezes, aos
professores de colégio a possibilidade de intervir
junto dos seus alunos e dizer-lhes: vós não tendes as mesmas razões evidentes de vos alistardes. Para
nós, resistir, era não aceitarmos a ocupação alemã, a derrota.
Era relativamente simples. Como simples foi o que se seguiu, a descolonização.
Depois veio a guerra da Argélia. Era preciso que a Argélia se tornasse
independente; era evidente. Quanto a Estaline,
nós tínhamos aplaudido a vitória da Armada Vermelha
contra os nazis em 1943. Mas já, então, tínhamos
tido o conhecimento dos grandes processos estalinistas
de 1935, como se seria preciso manter o ouvido alerta para o comunismo a fim de contrabalançar o capitalismo americano, a necessidade de se opor a
esta forma insuportável de totalitarismo que se
está a impor com evidência.
A minha longa vida proporcionou-me um conjunto de razões sucessivas para me indignar.
Estas razões nasceram não tanto da emoção mas acima de tudo duma
vontade de compromisso. Jovem aluna da escola
normal fui, muito marcada por Sartre; uma condiscípula primogénita.
“A Náusea”,
“O Muro”, não o “Ser
e o Nada”, foram muito importantes na formação do meu pensamento. Sartre
ensinou-nos: «Vós sois responsáveis, enquanto indivíduos». É uma mensagem libertária. A responsabilidade
do Homem que não pode remeter-se, endossar-se, nem a um poder, nem a um deus.
Pelo contrário, é preciso comprometer-se,
em nome da sua responsabilidade de pessoa humana. Quando entrei na escola
normal da rua d’Ulm, em Paris, em 1939, entrei nela, como aluna fervorosa da
filosofia de Hegel e seguia o Seminário de Maurice Merleau-Ponty. O seu ensino explorava a
experiência concreta, a do corpo e das suas relações com o juízo, grande
singular perante a pluralidade dos juízos. Mas o meu optimismo natural, que pretende
que tudo o que idealizamos, se realize, levou-me, até Hegel. O Hegelianismo intérprete da longa história da humanidade, como tendo um
sentido: é a liberdade do Homem progredindo etapa a etapa. A história é
feita de choques sucessivos, é a consciência dos
desafios.
A história das sociedades progride, e, no fim, está o homem, que atingiu a sua liberdade
completa, num Estado democrático, na
sua forma ideal.
Existe, seguramente outra conceção da história. Os progressos feitos
pela liberdade, a competição, o curso, no “sempre mais”,
isso pode ser experiência viva de um furacão destruidor.
É assim que vê a história um amigo de meu pai, o homem que se encarregou
da tarefa de traduzir para alemão “À Procura do
Tempo Perdido” de Marcel Proust. É o filósofo alemão Walter Benjamin.
Extraiu uma mensagem pessimista dum quadro do pintor suíço Paul Klee, “l’Angelus
Novus”, onde a figura do anjo abre os braços
como que para conter e repelir uma tempestade que ele identifica com o progresso.
Para Benjamin, que se suicidou em 1940, para fugir
do nazismo, o sentido da história, é a marcha
irresistível de catástrofe em catástrofe.]
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