Escrito por António Alvim, em
22-03-2013 18:51
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O Governo enviou
para os sindicatos dois importantes documentos com propostas de alterações.
Uma do próprio decreto-lei 298/2007 de Agosto, que estabelece o regime
jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar e
outra da portaria dos incentivos.
Alterações ao DL das USF
Quanto às propostas
de alterações do DL 298/2007, o documento foi enviado aos sindicatos com o
pedido para que estes se pronunciarem num prazo de 20 dias, parecendo este
pedido mais o cumprimento de uma formalidade do que a proposta de uma
negociação. Contudo como já estava pedida uma reunião com os Sindicatos a
propósito da revisão da portaria dos incentivos haverá certamente
possibilidade daqueles apresentarem e discutirem propostas de melhoria.
De qualquer forma, o
documento apresentado quase mais não é do que uma apressada correcção de
semântica, imposta pela mudança entretanto ocorrida com a criação dos ACES.
Assim, onde estava Centro de Saúde passa-se a ler ACES. Para além disto
apenas se eliminou o despacho anual conjunto do Ministério da Saúde e do Ministério
das Finanças sobre o número de USF a criar e se introduziu a tipificação
das situações em que uma USF pode ser extinta, parecendo a mesma, à
partida, pacífica (ver caixa).
Depois de ano e meio
em que as USF estiveram sob análise rigorosa este documento parece
confirmar politicamente e de forma decisiva o processo USF.
Este documento
poderia ter introduzido a possibilidade da passagem do Modelo B para A,
como por exemplo é avançado no DIOR. E não o fez. Logo, politicamente
exclui, sem margem para dúvidas, essa situação.
Podia também vir - e
não o fez - introduzir critérios restritivos para se aceder ao Modelo B.
Como podia ter tipificado critérios restritivos para concessão de
mobilidade para uma USF e também não o fez. Mais, mantém como regra que:
"2 - A
substituição ou a integração de um novo elemento na equipa
multiprofissional é
proposta ao ACES,
para efeitos de atualização do anexo da carta de compromisso.
4 - Verificando-se o
aumento do número de utentes inscritos, a USF pode propor ao ACES a integração
de novos elementos na equipa multiprofissional, em aditamento ao processo
de candidatura.
5 - No caso previsto
no número anterior, o ACES emite parecer vinculativo no prazo máximo de 30
dias, findo o qual há lugar a deferimento tácito."
Contudo...
As duas alterações
atrás referidas, aparentemente inócuas e pacíficas, se confirmadas, podem
ser mortíferas. Isto porque ao eliminar-se o despacho anual conjunto do
Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças sobre o número de USF a
criar - como é hoje regra - teremos como resultado uma desresponsabilização
política sobre o assunto, atirando-se o ónus da criação de novas unidades
para as administrações regionais de saúde (ARS).
ARS que estão e
continuarão a estar nos próximos anos, com graves dificuldades orçamentais
e que na sua miopia de objectivos orçamentais imediatos, já não vêem
mais-valias económicas e assistenciais no Modelo B porque os custos com
medicamentos baixaram drasticamente, tornando menos significativo o ganho
possível nesta área. E porque dispõem agora de médicos em regime de 40
horas/1900 utentes, ou mesmo ainda em 35 horas, por um custo muito mais
baixo.
Posição que os seus
responsáveis têm publicamente assumido.
Ou seja, as ARS irão
tentar que as USCP se transformem em USF do modelo A (mesmo que não
disponham de muitas das condições) e exigir, até, o aumento de utentes por
lista, mesmo sem qualquer suporte legal. E assobiarão para o lado sempre
que se tratar de colocar mais um médico em Modelo B, mesmo que seja para
substituir um médico que entretanto tenha saído...
Visto isto e ainda
que o Governo confirme tudo o que está, na prática, o Modelo B acabou. Quem
está, provavelmente continuará. Quem não está nunca virá a estar. Já foi
assim com os RRE...
E será, talvez, por
isto, que o Governo optou por não fazer qualquer esforço e propor uma
revisão minimalista do DL que até esquece (?) a rectificação feita ao n.º 7
do artigo 28º (Declaração de Rectificação n.º 81/2007), repondo o original
e mantém o - definitivamente ultrapassado - artigo sobre o direito dos RRE
a acederem a modelo B.
A posição das ARS é
semelhante à dos executivos das financeiras, que só se preocupavam com os
lucros imediatos. Quem viesse depois... que fechasse a porta.
Nas suas contas
esquecem-se de contabilizar quanto valem os ganhos em saúde decorrentes de
uns CSP fortes, dinâmicos e empenhados, de grande acessibilidade e
proactividade preventiva, e quais os seus impactos económicos e
financeiros, no imediato e no futuro. O recente relatório sobre diabetes
mostra já ganhos nesta área nas USF, apesar dos poucos anos de existência
destas.
Esquecem-se as ARS e
ignora o Governo que o Modelo Alfa nunca vingou e que o êxito do Modelo A e
os seus resultados resultam da expectativa dos profissionais poderem vir a
aceder ao Modelo B.
Dizem-lhes:
"para passarem a Modelo B têm que demonstrar que trabalham como é
suposto trabalhar em Modelo B." E eles trabalham. É por isso não pode
haver surpresa quando se verifica que os seus desempenhos se aproximam das
do Modelo B.
Mas quando as
equipas compreenderem que, afinal, não passa tudo de uma ilusão, o Governo
correrá o risco de ver seus coordenadores entregarem as chaves. E de ver,
assim, a reforma dos cuidados de saúde primários acabar.
A meu ver, o Governo
tem duas coisas a fazer:
1 - Decidir a
importância que dá aos CSP no contexto do sistema de saúde e da sua
sustentabilidade;
2 - Analisar
racionalmente o Modelo B, rectificar o que houver a rectificar; pagar o que
houver a pagar e não mais... E conseguir que os utentes, que são, afinal,
quem paga os CSP e a quem eles se destinam, possam dele tirar o máximo
partido das suas várias vertentes, que vão da acessibilidade, de a cada um
o "seu" médico, à eficiência, passando pela continuidade de
cuidados e pela prevenção.
Portaria dos incentivos
As alterações à
portaria dos incentivos têm que ser compreendidas à luz de dois outros
documentos: "Metodologia para a contratualização para 2013",
documento não enviado para os Sindicatos mas que pode ser encontrado no
site da USF-AN como documento de trabalho do ACSS e "BI dos
Indicadores de contratualização" que se encontra disponível no site do
ACSS.
A Portaria diz que
entra em vigor assim que publicada, o que parece uma impossibilidade
prática, desde logo porque os sistemas informáticos ainda não estão
adaptados, nem existe histórico ou experiência de registo de alguns
indicadores.
Em relação aos
indicadores institucionais é introduzida toda uma nova metodologia de
avaliação de desempenho (ver caixa).
Nesta nova
metodologia, o peso dos indicadores económicos é excessivo e o seu não
cumprimento, não só impede o acesso aos incentivos, como facilmente pode
colocar uma USF abaixo da linha de água (65%) que dá direito à sua
extinção... Ainda que tenha uma média de cumprimento dos indicadores
superiores a 90%!
Ora, isto é uma
pressão restritiva brutal sobre a prescrição. Tanto mais que são dois
indicadores que os médicos não podem monitorizar em tempo útil, nem tão
pouco controlar o apuramento dos resultados.
Trata-se, por outro
lado, de uma questão com implicações éticas que tem que ser vista pela
Ordem dos Médicos. Ao decidir uma terapêutica ou recomendar um exame, um
médico não pode ser confrontado com significativas perdas ou ganhos
próprios.
Finalmente, nada se
diz sobre aquela que tem sido, desde o princípio, identificada como uma das
principais questões: quem é que define as metas para cada indicador e com
que bases?
António Alvim
P.S. Declaro
compreender e apoiar a difícil política de contenção orçamental que este
governo tem seguido. Mas por isso mesmo e para esse efeito, lembro o que
está no memorando da troika: i. increasing the number of USF (Unidades de
Saúde Familiares) units contracting with regional authorities (ARSs) using
a mix of salary and performance-related payments as currently the case.
Make sure that the new system leads to reduction in costs and more
effective provision; [Q3-2011]
CAIXA 1
Situações de
extinção de uma USF. Novidades
Artigo 19.º
[...]
1 - ...
a) ...
b) ...
c) Por incumprimento
sucessivo e reiterado da carta de compromisso, salvaguardando o respeito
pelo princípio do contraditório.
2 - Considera-se
incumprimento reiterado e sucessivo da carta de compromisso, a verificação
de alguma das seguintes condições:
a) Apresentação, em
dois anos consecutivos, de um desempenho inferior a 65% da pontuação máxima
possível, após ter sido objeto do processo de acompanhamento pelo diretor
executivo e conselho clínico e de saúde do respetivo ACES;
b) Abandono superior
a 50% dos membros da equipa em qualquer um dos subgrupos profissionais ou,
no total da equipa, em número superior a um terço.
c) Manutenção de uma
situação de conflito ou disfunção na equipa multiprofissional que, pela sua
gravidade, inviabilize o normal funcionamento da USF.
d) Falsificação de
registos, devidamente comprovada, no sistema de informação no âmbito da
equipa
CAIXA II
Metodologia de
Avaliação de Desempenho das USF
1. Indicadores
institucionais passarão a ser 22 e serão escolhidos a anualmente do lote de
100 indicadores. 14 pelo ACES, 6 pela ARS e dois pelo ACES.
2. O ACES é que
apura os resultados e dá parecer sobre o relatório com os resultados.
3. Mas é a ARS que
decide se atribui ou não os incentivos.
4. Os indicadores
financeiros mantêm a mesma métrica mas têm a novidade de incluir taxa de
utilização em consulta de enfermagem nos últimos três anos.
5. As contas do
apuramento dos incentivos institucionais mudam completamente.
a) Deixa de ser por
escalão mas, passa a ser pela aplicação do IDG (índice de desempenho global).
Por exemplo, quem atingir um IDG de 80%, fica com 80% do Incentivo
Institucional.
b) O IDG calcula-se
somando-se o resultado apurado (% de cumprimento do indicador =
resultado/meta), ponderado (multiplicado pelo factor de ponderação do
respectivo indicador.
c) Mas se o
resultado apurado for inferior a 90%... conta 0%.
d) Por outro lado,
sempre que se tenha mais de 110% apenas conta 110%.
e) O Indicador
"taxa de utilização em três anos" tem os limites entre 95 e 105,
bem como as vacinas e os de eficiência, em vez dos 90-110.
f) Quem não atingir
um IDG de 75% não tem direito a incentivos.
g) Os medicamentos
(que são calculados em função do PVP e não da parte paga pelo SNS) têm um
factor de ponderação de 16 e os MCDT um factor de 8. Ou seja, no seu
conjunto valem 24%, pelo que quem falhar estes dois fica, matematicamente,
praticamente impossibilitado de atingir os incentivos. Mais: ainda que a média
de desempenho dos vários indicadores seja superior a 90%, basta ter mais
dois ligeiramente abaixo dos 90% para ficar com um IDG inferior a 65%, o
que ao fim de dois anos conduz à extinção da USF (ver o exemplo).
h) Quem durante dois
anos ficar abaixo dos 65% é extinto.
Caixa III
Tipo
|
Indicador
|
Resultado
|
Meta
|
%
|
Lim. Inf.
|
Lim. Sup.
|
Result. Ajust.
|
Ponderação
|
ID
|
Acesso
|
Taxa de utilização
consultas médicas-3 anos
|
90
|
90
|
100
|
90
|
110
|
100
|
4,5%
|
4,50%
|
Acesso
|
Taxa domicílios
enfermagem por 1000 inscr.
|
135
|
150
|
90
|
90
|
110
|
90
|
3,0%
|
2,70%
|
Desemp Assit.
|
> =14 anos com
hábitos tabágicos
|
70
|
70
|
100
|
90
|
110
|
100
|
2,5%
|
2,50%
|
Desemp Assit.
|
MIF com
acompanhamento em PF
|
60
|
|
86
|
90
|
110
|
0
|
4,5%
|
0,00%
|
Desemp Assit.
|
Gravidas bem
acompanhadas
|
85
|
90
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,5%
|
4,25%
|
Desemp Assit.
|
1º ano de vida bem
acompanhado
|
80
|
90
|
89
|
90
|
110
|
0
|
4,5%
|
0,00%
|
Desemp Assit.
|
2ª ano de vida bem
acompanhado
|
87
|
90
|
97
|
90
|
110
|
97
|
3,5%
|
3,38%
|
Desemp Assit.
|
exame gobal 13
anos e PNV
|
85
|
90
|
94
|
90
|
110
|
94
|
2,5%
|
2,36%
|
Desemp Assit.
|
Hipertensos bem
acompanhados
|
90
|
95
|
95
|
90
|
110
|
95
|
5,0%
|
4,74%
|
Desemp Assit.
|
DM bem
acompanhados
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,0%
|
3,75%
|
Desemp Assit.
|
Idosos sem
ans/sed/hipn.
|
60
|
50
|
120
|
90
|
110
|
110
|
2,5%
|
2,75%
|
Satisfação
|
Satisfação
|
91
|
90
|
101
|
90
|
110
|
101
|
5,0%
|
5,06%
|
Regional
|
Regional
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,0%
|
3,75%
|
Regional
|
Regional
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,0%
|
3,75%
|
Regional
|
Regional
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,0%
|
3,75%
|
Regional
|
Regional
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
3,0%
|
2,81%
|
ACES
|
ACES
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,5%
|
4,22%
|
ACES
|
ACES
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
3,0%
|
2,81%
|
USF
|
USF
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
4,5%
|
4,22%
|
USF
|
USF
|
75
|
80
|
94
|
90
|
110
|
94
|
3,0%
|
2,81%
|
Medicamentos
|
Medicamentos
PVP/Utlizador
|
220
|
200
|
91
|
95
|
105
|
0
|
16,0%
|
0,00%
|
MCDTs
|
Mcdts/Utilizadores
|
56
|
50
|
89
|
95
|
105
|
0
|
8,0%
|
0,00%
|
|
|
|
Media:
|
95
|
Indice de
Desempenho Global
|
|
|
|
64,11%
|
Legenda: este exemplo serve para
explicar como será feita a avaliação, quais os indicadores nacionais que
são os que estão identificados e como tendo uma média de cumprimento dos
indicadores bem acima dos 90% se pode ficar abaixo dos 65% com direito a extinção.
|
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