segunda-feira, 31 de março de 2014

ATÉ OS BURROS ENTENDEM


Sindicatos da CGTP e UGT ensaiam convergência inédita fora das centrais

São 19 das mais importantes estruturas representativas dos trabalhadores – dos têxteis aos professores, dos médicos aos estivadores – e querem defender a Segurança Social pública apesar do clima de “divisão” no movimento sindical.
UGT e CGTP não responderam ao convite, mas os seus secretários-gerais já recusaram estar presentes JOSÉ SARMENTO MATOS

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Há vários meses que os encontros decorriam, mas só no último dia 14 de Fevereiro, numa reunião no Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes (SITRA), no Largo do Corpo Santo, em Lisboa, é que os sindicatos avançaram. Um conjunto de estruturas afectas à CGTP e à UGT, e várias outras, independentes, decidiram realizar um encontro “em defesa da Segurança Social pública”, à revelia das confederações lideradas por Carlos Silva e Arménio Carlos. Pode parecer pouco, mas é a primeira vez que acontece em Portugal, garantem os sindicalistas, desde que existem duas centrais sindicais.
No próximo sábado, 5 de Abril, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, quase 38 anos depois da cisão na CTP, que levou à fundação da UGT, vai ser tentada uma “unidade na acção”, para algo mais do que o protesto. É um “acto de ousadia e tem um significado político importante”, garante o politólogo André Freire.
Estes 19 sindicatos que promovem o encontro discutiram, durante vários meses, a possibilidade de juntar as duas centrais na organização deste encontro. No início era essa a sua intenção, uma vez que consideravam “desejável” envolver as duas cúpulas no debate. Chegaram à conclusão que isso seria impossível. A “diferença de opiniões” prevalece entre as direcções da CGTP e da UGT, adianta Carlos Trindade, um dos organizadores.
Outro dos organizadores, António Avelãs, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, explica que as duas centrais foram formalmente convidadas a associarem-se ao encontro, “mas não deram resposta”. Os dois secretários-gerais, Arménio Carlos, da CGTP, e Carlos Silva, da UGT, recusaram estar presentes na conferência. O mesmo aconteceu com alguns sindicatos. Um deles, o dos trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos, chegou a envolver-se na preparação da conferência mas, à última hora, recuou.
“Houve alguma tensão”, sobretudo na CGTP, admite Carlos Trindade, “mas apesar de tudo disseram-nos que respeitavam a capacidade de iniciativa destes sindicatos”. 
As divergências entre as duas centrais são bem conhecidas. Mas Tiago Fernandes, professor de Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa, acredita que a crise actual pode levar “a uma reconfiguração” das velhas clivagens que sempre se traduziram, no movimento sindical, a uma aliança do PS com o PSD (UGT) e a uma oposição maioritariamente comunista (CGTP). “Com a deslocação do PSD para a direita”, continua Tiago Fernandes, “abre-se um espaço de entendimento entre a esquerda”.
Sinais disso são as recentes declarações do líder da UGT sobre a continuidade do diálogo da central com o Governo: “Não faz sentido continuarmos a manifestar disponibilidade para discutir, para dialogar e para irmos para a concertação quando da parte do Governo não há uma clara intenção ou, pelo menos, uma total disponibilidade de abertura.”
André Freire acrescenta que o “desequilíbrio no sistema partidário, em que a esquerda se mostra incapaz de cooperar, tem uma tradução no movimento sindical. Essa divisão explica-se por razões históricas e teve aspectos positivos. Mas o desentendimento enfraquece o movimento dos trabalhadores e bloqueia a existência de alternativas.”
Neste grupo estão sindicalistas de várias origens: PCP, PS, Bloco, e outros que também estão ligados a experiências de “reconfiguração” política, como o Congresso Democrático das Alternativas.
O que estes 19 sindicatos concluem é que pelo menos na defesa da Segurança Social pública “a divisão não faz sentido”, destaca António Avelãs. Neste tema, “os sindicatos têm a obrigação de estar juntos”. Carlos Trindade garante que é isso que as bases reclamam: “O que as pessoas querem é união e convergência. Por isso assumimos esta iniciativa.”
“Não temos a pretensão, nem queremos, anular as diferenças entre as centrais; nem queremos caminhar para uma fusão entre elas”, esclarece Avelãs. Trata-se apenas de “recuperar o atraso perdido” numa questão “central” para os trabalhadores: pensões e Segurança Social.

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