Hospitais mais perto dos doentes não criam consultas para transplantados por causa dos custos com medicamentos
No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação refere que muitos doentes vinham de véspera e dormiam nas urgências à espera da consulta.
Todos os anos juntam-se centenas de pessoas à lista de pessoas que receberam um transplante de rim e que terão toda a vida que ser seguidos e de tomar medicação. Há cerca de sete mil doentes que às vezes têm que fazer centenas de quilómetros para ir a uma consulta e para recolher medicamentos que passaram a ser-lhes dados de mês a mês, diz o presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), Fernando Macário. Decorre esta sexta-feira, em Lisboa, um fórum para debater a situação dos transplantes em Portugal.
A proposta de descentralização do acompanhamento dos transplantados renais é defendida pela SPT pelo menos desde 2011. O Ministério da Saúde chegou a criar um grupo de trabalho para estudar o problema, refere o médico, que foi um dos seus membros. “Houve um projecto de despacho” mas nada saiu do papel. O grande obstáculo, diz, é o facto de os hospitais não quererem arcar com custos dos medicamentos destes doentes, que são muito elevados.
Fazem-se transplantes em hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra, e o seguimento pós-transplante destes doentes é feito nesses mesmos lugares, em deslocações que até aos seis meses têm de ser mensais; depois, vão-se espaçando mas continuam por toda a vida, explica o médico.
Desde que houve cortes para os fármacos nos orçamentos dos hospitais, deixaram de dar aos doentes medicamentos imunosupressores (usados para evitar a rejeição dos órgãos) para mais de um mês. O especialista dá o exemplo de doentes do Algarve que são seguidos em Coimbra e que, agora, além de se deslocarem para as consultas, têm de ir buscar os fármacos mensalmente, mesmo que tenham consultas mais espaçadas, normalmente de três em três meses. “E os doentes já têm muita dificuldade em chegar às consultas. Têm de lá estar às 8h para fazer análises", reforça.
No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde trabalha, Fernando Macário refere que constatavam que muitos doentes vinham de véspera e dormiam nas urgências. Por essa razão, o conselho de administração do seu hospital decidiu recentemente passar a custear o alojamento numa casa religiosa perto da unidade.
O responsável diz que "estes doentes deviam ser seguidos mais perto de casa" e que já "existe capacidade técnica para o fazer [com equipas de nefrologistas, os especialistas em rim] em Faro, Setúbal, Viseu, Évora, onde existirá a vontade de abrir consulta. Castelo Branco já avançou há três anos e o hospital de Vila Real é um exemplo a seguir há mais de dez anos, refere o médico.
Fernando Macário defende que há unidades que não avançam com consultas pós-transplante renal porque não querem ver a sua despesa aumentar com os imunosupressores que teriam que passar a fornecer a estes doentes. “O pagamento vem todo do mesmo lado”, diz, defendendo que se crie um sistema em que a despesa acompanha o doente, sendo o hospital ressarcido pelo custo da medicação desse utente.
De acordo com um estudo feito pela Unidade de Nefrologia do Hospital S. João, no Porto, no primeiro semestre após o transplante estes medicamentos custam, por doente, 3038 euros, no segundo semestre 2649,60 e após o primeiro ano 1227,12 euros.
A boa notícia nesta área, diz o médico, é que os transplantes de órgãos realizados estão a aumentar. Depois de um longo período de quebra, em 2013 e também em 2014 “melhorou significativamente. Estamos no bom caminho”, notando o esforço do Instituto Português do Sangue e da Transplantação nesta área, nomeadamente na detecção de dadores e também no facto de os hospitais privados com cuidados intensivos passarem agora a ter de fazer colheita de órgãos. Houve pelo menos duas colheitas no Hospital da Luz, em Lisboa, e uma no de Loures, um hospital que funciona em parceria público-privada, nota.
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