sábado, 14 de dezembro de 2013

FOGE, CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO! PARA ONDE, SE...?

Atribuição da Comenda da Ordem de Mérito ao Prof. Doutor António Ferreira | Aula Magna
Dia 16 de Dezembro de 2013
Horário 10h30
Local Aula Magna
Entidade FMUP
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), vai receber, numa cerimónia tutelada pelo diretor da FMUP, a Comenda da Ordem de Mérito atribuída pelo Presidente da República.

A insígnia será entregue pelo Ministro da Saúde, na próxima segunda-feira (16 de dezembro), às 10.30, na Aula Magna.
Convida-se a comunidade hospitalar a estar presente.

NB - Vários comentaristas perguntavam o que é "comenda" ?
Basta pegar num dicionário desses mais pequenos e leves:
[Comenda é antigo benefício concedido a eclesiásticos e a cavaleiros de ordens militares];
Relacionada com a comenda está a:
[Encomenda - é o acto de encomendar, incumbência, encargo, comenda] e ainda a
[Encomendação que é recomendação, oração fúnebre que encomenda a alma do defunto a Deus].
De acordo com as preferências do termo teremos:
[o encomendado, feito de encomenda] e o
[comendador, aquele que tem comenda].

A propósito dos abusos das comendas por encomendas;

Eis um parágrafo da nossa história recente do Governo de Saldanha
 
{Uma nação de empregados. Em 18 de Julho, decreto sobre a reorganização administrativa de Rodrigo da Fonseca, com a criação de 17 distritos. Cabe também a este ministro a organização do Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas, futura Escola Politécnica de Lisboa, numa altura em que também se pensou mudar a universidade para a capital. Gera-se também a chamada política de empregadagem. Rodrigo da Fonseca dizia então: postos todos a comer à mesa depressa passariam de convivas satisfeitos a amigos dedicados. Segundo os versos de Brás Tisana: Uma nação de empregados/ É Portugal? certamente/ Até D. Miguel do trono/ De Maria … é pretendente
É então que se concretiza o foge cão que te fazem barão… para onde, se me fazem visconde?.
É longa a lista de mercês, abrangendo os novos títulos de Moncorvo, Samodães, Sabrosa, Setúbal, Ruivós, Bóbeda, Leiria. Gomes de Castro é enviado a Londres, ao serviç o de Silva Carvalho. O juiz da relação do Porto, António Dias de Oliveira continua o serviç o de espionagem e intriga ao serviç o dos chamorros, atacando Palmela e João de Sousa Pinto de Magalhães. O terceiro agente de Silva Carvalho era o visconde de Carreira, então embaixador em Madrid. Saldanha tem como aliado Jervis de Atouguia, ambos utilizando o barão da Ribeira Sabrosa. Palmela tem como principal aliado João de Sousa Pinto Magalhães.}

E ainda, mais este de Ernesto;

Garrett, (in)congruências (?)
Ernesto Campos

- Foge cão, que te fazem barão
- Mas para onde, se me fazem visconde!


João Leitão da Silva era como se chamava. O que diz uma das personagens da sua obra mais lida são palavras autobiográficas: "Eu, sim, tinha nascido para gozar as doçuras da paz, para a glória tranquila, para as delícias modestas dum bom pai de família. Mas não o quis a minha estrela. Embriagou-se de poesia a minha imaginação e perdeu-se; não me recobro mais". Com efeito, as circunstâncias do nascimento e depois os sucessos políticos do tempo colocaram-no num caminho e abriram-se-lhe depois outros vários.
"Ora eu nasci no Porto e criei-me em Gaia", diz; e aqui regressa, combatente liberal, depois de ter sofrido as saudades de exilado; voltou a palminhar novas andanças do mundo agora nas lides diplomáticas; e é na capital que virá a colher os louros das gloríolas políticas, como ministro e par do reino. Bebera com o leite as brumas que subiam do Douro e das Quintas de Gaia: ficaram-lhe reminiscências lendárias de criadas velhas e cenários históricos; aquartelado no Convento dos Grilos podia imaginar ali bem perto o Arco de Santana e do lado de lá a Quinta do Castelo, onde traquinara antes de ir para os Açores aprender as declinações para poder ler Cícero e Horácio com o tio bispo, um sábio homem de letras. Em Coimbra, leis, literatura, teatro, política... e as ridículas vaidadezinhas e o conhecido exibicionismo: escondia a idade que tinha, mudou de nome para se dar ares de aristocrata, usava cabeleira postiça para esconder um defeito na cabeça. Afectado nas palavras, pretencioso nas maneiras, leviano nos afectos, chamavam-lhe "divino", mas cedo se desiludiu da lisonja.
Bem podem perdoar-se-lhe estes pecadilhos: o homem do Romantismo vive na contemplação exaltante dos ideais que cultiva dentro de si e que vê desmentidos a cada passo pela chateza da vida. Almeida Garrett mudou o nome, a idade e a aparência para, mudando as circunstâncias, renascer na santa liberdade que o projectava para além de si, para um tempo outro e outro espaço. Incongruências? Quem atirará a primeira pedra?
Não é o comportamento avulso do poeta que se celebra neste segundo centenário do seu nascimento. Honramos-lhe o génio literário e o mérito do desenvolvimento do teatro, admiramos-lhe a coragem política que não desfalece na luta pela liberdade; antes de D. Pedro e a seu lado como soldado e como diplomata. E também ao lado da Maria da Fonte que se ergue "co' a pistola na mão, para matar os Cabrais que são falsos à nação". Revolucionário libertário, pois, mas jamais déspota ou anarca.
De incongruência se falaria também a propósito da sua educação religiosa superior e esmerada, que, afinal, acabou por pactuar com os excessos anticlericais do liberalismo e do Mata-Frades. Valerá a pena determo-nos aqui um pouco.
O irmão mais velho de João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett sucedeu ao pai no cargo de "selador" da alfândega do Porto e conservou a tradição familiar no mais estrito sentido. O poeta e o funcionário público colocaram-se em campos políticos diametralmente opostos. Contra as ideias liberais de um erguia-se a bossa conservadora e absolutista do mano Alexandre José. A condenação dos "mártires da liberdade" afastou-os ainda mais. Tratava-se, de facto, de patriotas que conspiravam para expulsar os ingleses: abomináveis conspiradores e reaccionários para o poeta, heróis veneráveis para o portuense conservador e tradicionalista. João Baptista talha com a pena e a espada o caminho às ideias em voga; Alexandre José é saneado do seu cargo público e dedica-se a difundir a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a instituir a respectiva Arquiconfraria.
Para uns, a Arquiconfraria era vista como um ninho de víboras miguelistas. Para muitos outros crentes era o último reduto onde podia abrigar-se a fé; mas não só: onde se abrigavam também as mentalidades mais reaccionárias. É afinal Garrett, revolucionário liberal e aparentemente esquecido da acrisolada religiosidade da sua infância, que move influências junto do Ministério dos Negócios Eclesiásticos para que o requerimento dirigido a D. Maria II receba mercê: a Arquiconfraria fixa-se na Igreja de S. Bento da Vitória. João Baptista inscreve-se como seu membro; e à sua filha Adelaide, cuja ilegitimidade lhe doía como um espinho, escreve: "Não te esqueças hoje que se celebra a festa do Coração de Maria, de que és irmã da sua Arquiconfraria e que tens obrigação de te encomendares a ela e lhe rogares por teu pai e pelos teus".
É para poder deixar a esta filha alguma coisa que a redima do ferrete de filha ilegítima que aceita o título de visconde; ele que tanto zurzira a oligarquia financeira dos barões cabralistas. (In)coerência?
Nas Viagens na Minha Terra outro traço autobiográfico, nesta afirmação de Carlos, que é o retrato psicológico do autor: "Os tempos hoje são outros: os liberais já sabem que devem ser tolerantes e que precisam de ser religiosos".
(sublinhado e pintado nosso)








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