Maioria das queixas por atrasos na Justiça resolvida por acordo no tribunal europeu
Número de queixas contra Portugal tem vindo a diminuir nos últimos anos. Em 2009, o TEDH aceitou 72 processos, no ano seguinte baixou para 60, em 2011 e 2012 passaram respectivamente para 35 e 36.
A maioria das queixas por atrasos nos processos judiciais em Portugal está a ser resolvida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) através de acordo entre as partes, num procedimento mais simples e mais rápido que evita o julgamento do caso. Estas acções, que actualmente são as mais comuns contra o Estado português naquele tribunal, já deram origem a 64 acordos entre 2009 e 2012, tendo Portugal aceite pagar mais de 560 mil euros em indemnizações a cidadãos que se sentiram lesados pelos atrasos.
O recurso aos acordos, cada vez mais utilizado pelo TEDH, está relacionado com o aumento do volume global de queixas recebidas, que obrigou já à modificação das regras de funcionamento daquela instância europeia. Desde 2010, que o número de juízes que avalia se um caso é ou não aceite pelo tribunal baixou de três para um e no caso de “queixas repetitivas” o processo passou a ser julgado por três juízes em vez de sete.
Estas mudanças, assim como o aumento dos acordos, permitiram reduzir o número de processos pendentes no TEDH, mas não resolveu o problema de fundo: neste momento ainda estão pendentes cerca de 120 mil acções que ficam nas mãos de apenas 47 juízes (um por cada estado aderente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
Por isso mesmo, o Conselho da Europa lançou uma consulta pública sobre o futuro do TEDH, que está a correr até 27 de Janeiro, chamando todos os interessados a responder a um formulário disponível no seu site, com sugestões centradas no papel que o tribunal deverá ter na protecção e na interpretação dos direitos individuais, nas reformas para reduzir as pendências e no procedimento de execução das suas decisões.
Curiosamente, relativamente a Portugal tem-se assistido uma tendência de diminuição no número de queixas apresentadas. Em 2009, o TEDH aceitou 72 processos contra Portugal, um número que diminuiu para 60 no ano seguinte e para 35 em 2011. Já em 2012 o número de queixas manteve-se quase ao mesmo nível, 36, esperando-se que as acções voltem a descer em 2013. Os dados disponibilizados ao PÚBLICO pela agente do Estado português junto do tribunal europeu ainda são provisórios, mas apontam para um número final de queixas que não deverá superar as 30.
A representante do Estado português, a procuradora-geral adjunta Maria de Fátima Carvalho, acredita que tal se deve ao quase desaparecimento dos casos relacionados com a reforma agrária, que constituíam o segundo maior grupo de violações imputadas a Portugal e as indemnizações mais elevadas que o país teve de pagar. “Este ano só tivemos duas queixas destas”, exemplifica a magistrada.
Quanto aos acordos, a procuradora sublinha que, desde que entrou em funções, em Fevereiro de 2010, todos os que realizou foram relativos a queixas por atrasos em processos judiciais. A procuradora explica que são os serviços jurídicos do TEDH que determinam os casos em que são propostos acordos e os seus termos, o que acontece apenas nas chamadas “queixas repetitivas”, ou seja, situações semelhantes que o tribunal já analisou e sobre as quais existe abundante jurisprudência.
É o caso dos atrasos na Justiça em Portugal que já suscitaram 106 decisões em que o TEDH considerou ter sido desrespeitada a convenção. Esta é a violação mais comum do Estado português, destacando-se ainda do rol de incumprimentos 41 violações da Protecção da Propriedade e 24 de um processo judicial equitativo.
“Estes acordos foram efectuados nos termos e segundo os valores propostos às partes pelo próprio tribunal europeu”, adianta Maria de Fátima Carvalho. O TEDH comunica os termos do acordo às partes e estas tem que decidir se o aceitam. A representante do Estado português explica que a aceitação ou a rejeição resulta da análise do correspondente processo judicial interno, seu andamento, tramitação e duração. “No fundo, seguem-se os critérios que o tribunal europeu enuncia e aplica, na sua jurisprudência, para avaliar se o prazo de duração do processo foi ou não razoável e em que tem em conta, essencialmente, a complexidade da causa, a actuação processual das partes, o número de pessoas e os interesses envolvidos, os actos praticados pelos magistrados e a tramitação nas secretarias, o número de instâncias percorridas, as eventuais paragens ou dilações, etc”, enumera a magistrada.
Quando o Estado, que ficará responsável pelo pagamento da indemnização, não aceita o acordo o caso segue para julgamento. Quando são os cidadãos a rejeitarem a resolução amigável, um comité de três juízes é chamado para analisar o caso e a verificar os termos em que o acordo foi proposto pelos serviços jurídicos do TEDH. Se concordarem podem mantê-los, assumindo o Estado, através de uma declaração unilateral, a responsabilidade pelo pagamento da indemnização proposta, que acaba por colocar um ponto final no caso. Se discordarem dos termos, o processo segue para julgamento.
Maria de Fátima Carvalho adianta que o Estado português não aceita todos os acordos que lhe são propostos pelo tribunal, mas garante que “mais de metade” das queixas por atrasos na Justiça são resolvidos por esta via, estando o TEDH a propor acordos em todos os casos deste género contra o Estado português.
A procuradora realça ainda que partir de ontem entraram em vigor regras mais rígidas quanto às exigências formais das queixas apresentadas ao TEDH. O prazo de seis meses que o cidadão tem para interpor recurso para o tribunal vai deixar de ser interrompido quanto a queixa é apresentada sem cumprir todos os requisitos necessários, o que, alerta, pode vir a diminuir o número de casos admitidos pelo tribunal.
Maria de Fátima Carvalho apela aos cidadãos e às instituições para participarem no processo de definição do futuro do TEDH, explicando que caberá a um grupo de 15 pessoas analisar todas as sugestões que chegarem ao Conselho da Europa que terá que as discutir e compilar numa proposta formal a apresentar até Março de 2015 aos 47 países aderentes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Depois, diz, começará o processo de discussão política, que muitas vezes se arrasta face à dificuldade de encontrar consensos num número tão alargado de países.
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